O HOMEM, QUANDO AMA...

Era dia de Reis, era logo de manhã,

saltava sapo na lagoa, saltava rã,

da vizinha vi os zóio de zombaria,

será que esse homem é de lavar pia,

de arrumar cama de manhã,

de alma boa, alma sã

ou vive só de fantasia?

Eu, de corpo moído, saltei do estrado,

café d'ontem, pão no saco, amassado,

era dia de domingo, missa já ia no começo,

cheguei de manso, na mão esquerda gasto terço,

sapato não via graxa faz muito tempo,

cabelo sem cortar, abraçado ao vento,

ri de fazer cortesia, dentes cê já sabe,

pus joelhos na terra dura, daí ouvi o padre

dizer que mesmo que o relógio atrase um pouco,

é de bom tom saber que ninguém é louco

de deixar Deus de lado, esquecer das regalias

que a Bíblia diz que tem depois das nuvens frias,

fiz que fiz no escuteio do sermão, de mãos juntas,

ouvi que fé não é cavalo, não se amunta,

tem que ter dum jeito que não se compara,

mora no peito e nunca mais te larga,

donde que cantei o que cantavam,

orei o que oravam, jurei o que juravam,

despois fiz que nem cavalo véio, desengonçado,

fui saindo devagar como se tivesse pagado os pecados,

olhei a roça que a chuva tarda mas não falha,

o descampado cheio de milho, cheio de gralhas,

pensei e despensei o já pensado, me acheguei ao cavalo,

amuntei como os anjos de Deus nos homens já vem amuntados,

rumei pra cidade, dia de descanso e uns goles da marvada,

espiei ruas vazias de tropel, cheias de ninguéns conhecidos,

me abanquei na beirada do balcão, pedi cachaça em copo de vidro,

dei de pensar no não pensado, desde moleque até ficar acabado,

fiz de tudo um pouco e um pouco de tudo ficou incompletado,

dizer que quase cheguei a choro é um pouco meio de mentira,

homem que nem eu uma lágrima não derrama nem em briga,

bebi, paguei, arqueei o corpo cheio de marcas e sentenças,

fiz sinal da cruz pois cachaça quando é boa é que nem água benta,

saí pro mundo como sempre fiz e sempre hei de fazer,

um comichão andou por dentro querendo acordar o querer,

ri de mim e de sentir o que uma vez já havia acontecido cá,

uma moça de rosto bonito mas me disseram que era má,

que levou minh'alma num aluvião de querência e desejo,

foi a primeira vez nesta vida que cheguei a sentir medo,

me lembrei foi assim de relance desse acontecido cheio de calor,

foi quando ouvi pela primeira o nome dessa palavra, a palavra amor,

amuntei e fui-me dando adeus a sonhos e pensamentos passados,

o homem, quando ama, é uma vez, depois tá tudo acabado...