CORDEL – São João – 24.06.2016
 
 
 
Pra não passar em branco, resolvi, de última hora, bolar esse arremedo de cordel, justamente hoje quando se comemora o São João, festa tradicional brasileira, em especial no nordeste sofrido e esquecido pelos nossos governantes, que aqui só chegam à busca de votos de miseráveis e analfabetos... depois, esquecem e voltam de quatro em quatro anos, feito Copa do Mundo.
 
 
CORDEL – São João – 23.06.2016
 
 
 
Já não danço mais quadrilha
E nem brinco o São João
Agora só vou na trilha
Do milho compro uma mão
Também não tomo quentinha
Nem solto nenhum balão
Também não queimo rodinha
Mas adoro um mulherão
(2)
O casamento matuto
Já não vejo sim senhor
Já não se vê um astuto
Que saiba fazer humor
De fogueiras nem falar
Madeira já não existe
Tem busca pé pra abundar
Mas a festança está triste
(3)
Tirando algumas cidades
Daqui perto e do sertão
Que até tem festividades
E total animação
A prova é Caruaru
Que fica aqui pelo Agreste
Aonde se come o angu
Com muito cabra da peste
(4)
A festa é uma beleza
Tem de tudo o que se quer
Tem matuta com pureza
Sem saber que é mulher
O forró come no centro
Espaço tem pra dançar
A dança é com o pé dentro
Rela bucho de lascar
(5)
Os sanfoneiros se juntam
Para tocar o baião
Vão de ouvido nem consultam
E fazem a animação
O marcador da quadrilha
Já repleto de quentão
Dá seu show e sempre brilha
Em qualquer ocasião
(6)
Nas mesas muita comida
Do milho lá produzido
Cuja safra na medida
Deu um lucro presumido
Mesmo assim veio guarida
O governo prorrogou
A dívida então vencida
Daquele que cultivou
(7)
Mas por falar nessa festa
Não podemos olvidar
Campina Grande querida
Que só bota pra quebrar
Muita gente enlouquecida
Que vai de todo lugar
Faz a noite destemida
Com tanta gente a dançar
(8)
Uma disputa danada
Campina e Caruaru
Em concorrência acirrada
Em nenhuma dá chabu
A cultura corre frouxa
Dançam o maracatu
Pois lá não existe trouxa
Quem quiser coma chuchu
(9)
A criançada todinha
Também dança pra valer
Menina solta estrelinha
Menino pra derreter
Os casais agarradinhos
Bem no centro do salão
Vão trocando seus carinhos
Nem lembram de São João
(10)
Assim era meu compadre
Que adorava um rojão
Soltava em frente do frade
Quando tinha congestão
Com comida carregada
De buchada com limão
Tava bom pra macacada
E também para o cagão
(11)
A filha do barraqueiro
Causava uma admiração
Conheceu um funileiro
Bem no meio do salão
Um sujeito bom na dança
Que no fundo era um babão
E fez toda uma lambança
De tamanha decepção
(12)
É que viram a guria
Com uma mão escondida
Claro que ninguém sabia
Que estava decidida
Com sua grande faceta
Teve também recaída
Segurou a espoleta
Que andava adormecida
(13)
E todo mundo falou
Mas que mulher atrevida
Quando viram sua mão
Estava desprotegida
Dentro da calça do moço
À procura de guarida
Quem come carne rói o osso
Eita mulher pervertida
(14)
Mas voltando para a festa
Com tanto milho e baião
Brincadeira sem aresta
Pode até ficar bebão
Seu Mané muito atrevido
Tomou logo um garrafão
E ficou enlouquecido
Rodando feito pião
(15)
Quando foi de madrugada
A festança se acabou
Então a rapaziada
Pra casa se deslocou
Fogueiras ainda acesas
Fumaça era um horror
De tanto esfregar os olhos
A maioria chorou
(16)
Claro que a festa matuta
Vinga por todo nordeste
Qualquer ano na batuta
Mudam até sua veste
Comendo até araruta
São mesmo filhos da peste
Não vale na força bruta
E pra beijar é sem teste
(17)
Eu já ia me esquecendo
Do busca pé uma guerra
Na cidade de Estância
Em Sergipe numa serra
É fogo pra todo lado
Então o matuto berra
Até de fundo queimado
Então a festa se encerra.
 
Ansilgus
(18)
Eu deixei não de propósito
Porém por esquecimento
Penso ficou no depósito
A comida do momento
Arroz doce que delícia
Amendoim torradinho
Pra alimentar a malícia
De todo e qualquer velhinho
(19)
Também a batata doce
Alimento de raiz
Gostosa como se fosse
Da novela uma atriz
O bolinho de cenoura
E também o do fubá
Tem a carne na salmoura
Apetite de arrombar
(20)
Gostoso bolo de milho
Por vezes com chocolate
E até com um polvilho
Comendo com bate-bate
Ou então milho com coco
Saboroso pra chuchu
Deixa todo mundo louco
Seja do norte ou do sul
(21)
O bolo de mandioca
De milho verde também
Quando o sanfoneiro toca
Dá-nos saudade de alguém
Sem falar no de pinhão
Que pra todo mundo tem
Tudo é por São João
O santo que nos convém
(22)
Lembrei-me do bom-bocado
Broa de fubá, inté,
Cachorro quente danado
A cocada do Mané
Da canjica e do cuscuz
E do bom sarapaté
Doce de leite gostoso
Até a cabra faz bé...
(23)
Também o doce de abóbora
Com a maçã do amor
Você come que acocora
Sem sentir aquela dor
Milho cozido na hora
É gostoso sim senhor
E se pergunta e agora?
Socorra-me, por favor,
(24)
Tem pipoca com manteiga
Ela doce também tem
Bom é comer com a nêga
Enquanto a viola vem
Tem paçoca tem pamonha
Que não chega pra ninguém
Inda se fala em cegonha
Pro filho não sei de quem
(25)
Famoso pé de moleque
Tem cuidado pra falar
Porque senão leva breque
Um processo vai pagar
Pinhão cozido e quentão
Pode sim embebedar
Coma torta de banana
Traque comece a soltar
.
.
.
 
Ansilgus

Nota: A foto é de uma estção ferroviária por mim pintada em óleo s/tela.
 
30/06/16  - Jacó Filho interagiu e eu agradeço bastante pela sua generosidade.

Dum forró de pé de serra,
Desses que sobe a poeira,
Minha saudade se esmera,
E queima feito a fogueira.
 Pra muitos é só besteira,
Mas a vida que me espera,
Nada tem com a roceira...
 
Parabéns! E que Deus nos abençoe e nos
ilumine... Sempre


30/06/16 - Miguel Jacó embelezou o meu texto da seguinte maneira:

Meu São João é de memória,
a muitos não vejo o rito,
mas faz parte da história,
eu sou nascido num sítio,
já montei muitas figueiras,
assei batata nas cinzas,
soltei traques e rojões,
isto tudo nos incita.

hoje moro no sudeste,
na cidade de Taubaté,
do São João o que se tem,
são as bonitas mulheres,
no mais nada se pratica,
vivemos uma outra era,
assim a vida implica,
em novas atmosferas.

Boa tarde Ansilgus, teus versos dissecam o São João, e as suas
consequências como um dos eventos mais relevantes da região
nordestina, parabéns pela vossa irretocável cadeia de cordéis, e
minhas reverências a primorosa interação do Jacó Filho, um abraço a
vocês, MJ

..
ansilgus
Enviado por ansilgus em 24/06/2016
Reeditado em 30/06/2016
Código do texto: T5677513
Classificação de conteúdo: seguro
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