Apologia ao vaqueiro setanejo
Precursor do progresso
Desse solo castigado
Na labuta com o gado
Seu suor virou o ingresso
Pra promover o regresso
Do capital ao patrão
Na mais-valia desse chão
Onde a sua vida arrisca
Derrubando reis arisca
Em troca de um tostão.
O vaqueiro nordestino
Carrega em si, a sina
De viver numa rotina
Cercada de desatino,
Porém não lhe falta o tino
Desse homem catingueiro
Que na ponta do cardeiro
Não chora pelo espinho
Que cruza o seu caminho
E fura seu corpo inteiro.
Desde os tempos passados
Nos mais distantes rincões
Os fazendeiros “ricões”
Com modos ultrapassados
De punhos entrelaçados
Tomados pela ambição
Cresceram na exploração
Dessa figura valente
Que foi a fértil semente
No broto da sua ascensão.
No Brasil colonial
O vaqueiro já sofria
Com essa atitude fria
Da relação desigual,
Rebaixando a sua moral
Na quarta ou na sujeição
Vivendo na recessão
De uma vida modesta
Cercada pela molesta
Da fome e da precisão.
E foi de forma exata
Que tocou grandes boiadas
Abrindo muitas estradas
Do sertão até a mata,
Levando em cada pata
O motor dessa criação
Usado na propulsão
Gerando a força primeira
Pra girar a bolandeira
E moer a produção.
No sertão inexplorado
Do Rio Grande do Norte
No tempo em que a sorte
Guiava o seu legado,
O vaqueiro encantado
Com a terra muito rica
Onde a grande oiticica
Abrigava-o com carinho
Construiu o seu cantinho
Onde nossa gente fica.
E Pau dos Ferros nasceu
Na sombra onde o gado
Era contado e ferrado
Por quem nos antecedeu,
E aqui se estabeleceu
Numa morada singela
Que hoje é a mais bela
Mansão e grande celeiro
Onde o labor do vaqueiro
A cada traço se revela.
Apesar do solo pobre
E do pasto sazonal
Do sertão setentrional
Que essa faixa recobre,
De maneira muito nobre
O vaqueiro se valeu
Do que a terra cedeu
Pra escapar o rebanho
Mostrando qual o tamanho
Do saber que Deus lhe deu.
Na palma e mandacaru
Leucena ou macambira
Ou no girau de embira
De estaca de cumaru,
O seu gado, magro e nu,
Descarnado e sem sabor,
Foi salvo pelo labor
Daquele que se destina
A essa tarefa fina
De defendê-lo da dor.
Mas quando a chuva lhe traz
A alegria do inverno
Com graças ao pai eterno
O vaqueiro se refaz,
Pois sabe que terá paz
De ver a bela imagem
Daquela verde paisagem
Pintada pela natura
Proporcionar a fartura
Com água e boa pastagem.
Acorda de madrugada
Quebra a barra no curral,
Na ordenha manual
Sua luta é pegada,
Vai à faixa irrigada
E colhe na campineira
O capim pra forrageira
Preparar o alimento
Que será o suplemento
Pra nutrir vaca leiteira.
Pode não ter o primário
Mas se o gado adoecer
Ele tem que proceder
Como bom veterinário,
Com o saber centenário
Que herdou da sua gente,
Faz parto em reis doente
Cura ferida e bicheira
E livra da espremedeira
O touro forte e valente.
Chapéu de couro, gibão
Chicote e caneleira,
A bota na estribeira
E uma corda na mão,
Pra quando pular no chão
E derrubar o garrote
Acabar com seu pinote
Peando-o com destreza
Vencendo a natureza
Aos pés do seco serrote.
Mas essa grande vitória
Não tem espectadores
E na visão dos doutores
Não é tão grande e notória,
Pois a sua vida simplória
E a coragem esquecida
Não tem a mais merecida
Homenagem de apreço
Apesar de não ter preço
A sua atitude aguerrida.
Nas veredas da caatinga
Cercado por cactáceas,
Escorrem as suas hemácias
No corte que nele vinga,
E quando o sangue pinga
Infiltra-se em sua essência
O poder e a resistência
Do bioma brasileiro
Que se funde no guerreiro
Gerando benevolência.
Na ponta do mameleiro
O olho negro vazado,
Ou mesmo o braço quebrado
Na queda no tabuleiro,
Pois quando boi mandingueiro
Debanda-se no sertão
Ele se entrega a missão
De lutar até morrer
Pra cumprir o seu dever
De devolver ao patrão.
A batalha do vaqueiro
No percalço do novilho
Carrega um forte brilho
Na vitória do guerreiro,
E hoje, o Brasil inteiro,
Seja no sul ou no norte
Conhece todo o porte
Da famosa vaquejada
Que tem sido admirada
Na dimensão de esporte.
O vaqueiro aboiador
Vai ao lombo do cavalo
Cantando o lindo embalo
De bom improvisador,
Expondo tristeza e dor,
Mas também, muita alegria,
Mostrando que a poesia
Faz parte do seu viver
Pois ele consegue ver
Com arte e cortesia.
Sua família é modesta
Pois vive do que produz,
Mas quando se reproduz
A casa é pura festa,
O amor se manifesta
Na chegada do herdeiro
E o sorriso do vaqueiro
Demonstra toda alegria
De ver nascer outra cria
Nesse solo caatingueiro.
Ao meu Deus eu agradeço
Pela força que herdei,
E rimando representei
Com riqueza e adereço,
Na fraqueza não padeço
Pois esse povo inteiro
Desse sertão brasileiro
Não chora com pouca peia
Pois tem correndo na veia
O sangue do bom vaqueiro.