GOLPE... DE VISTA

Da janela eu abri a cortina

E vi que a noite amordaçava o dia.

Passarinho vinha cambaleante

Pela sorte, éramos dois errantes.

Vi a terra amanhecer suada

Tão cansada de ser golpeada

Ao pedir e receber o nada.

Falso céu dum nunca em armistício

Vindo tenso pelo rebuliço

Golpeado de todo sentido.

Pela noite na vista atordoada,

Vi estrelas , tristes, ofuscadas

Suas luzes todas desligadas

No horizonte das vidas nubladas...

Golpe imundo!- as nuvens de fumaças

Pelo todo caído em desgraça

Sem o legado das metas negadas.

A mentira vi profetizada.

Triste lua em fase apagada

Tão minguante pelas madrugadas

Se acendia em tímida alvorada.

Lua nova!-a fase mais sonhada

Golpe era despertar cansada

De viver ali tão desligada...

Vi o golpe de toda morte em vida!

Frente à dor, nunca socorrida!

A criança no golpe mais torpe

Golpe baixo da vida amputada...

A nascer sem rota traçada.

A calçada já lhe fora herdada.

Via a traça da corrupção

Nortear tamanha escuridão:

Era o golpe da vil podridão

Na metástase da degradação.

Vi o tiro cruzar o espaço

Alvejar o tudo mais sagrado

Golpear a sorte num acaso...

Combalida pela vida dura

Golpeada na lida mais crua

Da existência jogada nas ruas...

Vi o discurso da cara mais dura!

De repente ao abrir a cortina

Vi o golpe da mais bela vista

A que um dia fora prometida.

Pleno sol num golpe de milagre!

Golpeava a noite em desastre

A acender um céu só de disfarce.

Santo golpe duma força viva

Vi eclodir em luz disseminada

Na verdade toda revelada...

Vi a ordem duma mão altiva.

A repor o nada que castiga,

A clarear as noites dos açoites!

Golpeadas com martelo e foices

Que ceifavam as vidas em horrores

A plantar profundamente...dores.

Então vi a flor que decaíra

Golpeada no que mais queria!

Rebrotar da terra em agonia;

Fustigado, vi o seio das matas

Que chorava o golpe das queimadas

Na mais alta copa abençoada

Recobrar-se da sua invernada.

Vão direito do que se prometia.

De acordar e merecer o dia

A respirar plena soberania.

Vi tesouro preto em desgosto

Golpeado pelos tanto bolsos...

Escorrer dos ralos escusos

Pelas tantas fendas dos esgotos

A adubar a terra esfacelada

Que qual fênix carbonizada

Era o golpe que ressuscitava.

Passarinho que tudo já vira

Bem- que -viu!- comigo em companhia

O que nunca acreditaria...

Como eu voara angustiado

Pelos versos também golpeados

Na esperança de não ser furtado

Na canção do verso mais atávico.

Fomos canto de solo chorado.

Vimos a vista bela golpeda

Tipuana tombando bichada

Na floresta mais que abandonada...

Pelo fogo que subia alto

Toda a vida vimos em sobressalto.

Fomos pios de versos revoltados!

Doce rio que fora rejeitado

Golpeado no seu direito Inato

De viver sem ser assoreado,

Já voltava pela correnteza

Livre golpe era a sua certeza

De um dia correr respeitado...

Nos caminhos que lhe foram roubados.

Recobrava o destino grato

De soar a sua realeza,

Nos meandros do solo sagrado,

A cantar seu verso revivado

Revertia sua vazão em lira

No alto fluxo de toda alegria

A regar a terra com poesia.

Era o golpe que ele mais urgia!

De fluir por todas suas vertentes

Qual direito de toda semente!

Germinar na terra a que pertence.

Passarinho então, refez seu ninho

Pela rota de tantos descaminhos;

E meu verso rebrotou alento

Frente ao golpe da palavra ao vento.

Fomos dois poetas ao relento...

Renascidos pelo advento.

Da janela abrimos a cortina

E eis que a noite se rendia ao dia...

O mais belo golpe àquela vista

Seria manchete a revelia:

Toda a vida ali despertaria...

Junto ao sol que traz um novo dia!

Golpe heróico de se ter sofrido

E agora, enfim, ter reavido

Nobre luz na noite em veredicto!

Nota da autora: quando o grito ecoa em golpeado verso mudo.