O QUARTO DO NOSSO XODÓ.

A porta só encostada

Faz risco de sol no chão

Um pau trava e reforça

A janela do oitão

Uma cuia meia de água

Em cima de uma anágua

Fininha bordada a mão.

Um pedaço de sabão

Sobre a penteadeira

Gavetas entre abertas

E cobertas de poeira

Por trás dela se aperta

Já morto de boca aberta

Um rato na rateira.

Um jarro vindo da feira

Coberto de folha verde

Num armador de madeira

Tá enrolada uma rede

Em cima com um traçado

A aranha faz seu bordado

Pelo canto da parede.

Um pote que mata a sede

Uma camisa de pijama

Uma cheiro de amor no ar

Feito só por quem ama

Um fio num bico de luz

E um coração de Jesus

No espelho da cama.

O vento assopra a chama

Que arde no quarto inteiro

A chama muito valente

Enfrenta o vento ligeiro

Não enfraquece seu lume

É mesmo que um vagalume

Em forma de cadeeiro.

No pano do travesseiro

Um cheiro de alfazema

Jogado pertinho dele

Tá o seu diadema

Dentro da fronha guardado

Um papelzinho dobrado

Escrito nele um poema.

Um guarda roupa enfadado

Com duas portas abertas

Ombreiras feitas de arame

Empenadas e cobertas

Com paletó jaquetão

Calças de brim e algodão

E camisas com linhas retas.

Uma bacia de ágata

Coberta com panos brancos

Duas cobertas de chita

Dobradas sobre os bancos

Completando o namoro

Uma alpercata de couro

Junta a um par de tamancos.

Nas paredes nada tem

Só tem o espelho trincado

Um calendário vencido

Num prego enferrujado

Umas bolotas de traça

Umas manchas de fumaça

Do querosene queimado.

As telhas são carcomidas

Tem inteira e tem quebrada

São escuras pelo tempo

Suportam toda invernada

Entre os caibros e o carvão

Corre atrás da refeição

Uma lagartixa avexada.

Num canto uma espingarda

Ferramenta de valia

Quando a fome aperta

Ela atira e alivia

Pra matar a fome viva

Deixando a vida ativa

Renascer todos os dias.

Duas fronhas macias

Feitas de puro cetim

Uma cocha de "chenil"

Cobre o colchão de capim

Singelo e perfumando

Na cama tá enfeitando

Um raminho de jasmim.

Uma chave pendurada

Perto do chapéu de palha

Meia parede mofada

Do vazamento da calha

Num canto duas pingueiras

Que caem sempre certeiras

Em cima de uma toalha.

Um amolador de navalha

Encostado numa tigela

Um pincel velho e um talco

Faz companhia pra ela

Em cima de uma cadeira

Tem um par de perneira

E um cinturão de fivela.

Duas moscas numa briga

Fazendo o maior "zueiro"

Eu também entro na luta

Batendo palma ligeiro

Elas vendo o ataque

Fogem temendo o baque

E deixam o mosqueteiro.

Em cima do guarda roupa

Tem uma maleta antiga

Atrás da porta do quarto

Uma mão fazendo figa

Na mesa de cabeceira

Um "radinho" a noite inteira

Fica tocando uma cantiga.

A nossa paixão é singela

E bela como uma flor

Nada é maior que nós

Seja o tamanho que for

A ela o meu amor devo

Por isso assim descrevo

Nosso cenário de amor.

Ebenézer Lopes
Enviado por Ebenézer Lopes em 15/04/2016
Código do texto: T5605563
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