O homem que comia papel

Eu vou contar uma história

que mais parece a Babel

aquela torre dos homens

que almejavam ir ao Céu

julgando ser mais astutos

que o Santo de Israel.

Então o leitor se assente,

seja em caixote ou tonel,

pois este quadro da vida

não foi criado a pincel,

mas se passou em verdade

no tempo dos coronel.

Há alguns anos vivia

um certo homem honrado,

mas como todo vivente

tem sempre um “dia virado”,

e eis que chegou o dia

deste homem aqui citado.

Aconteceu numa cidade

que se achava um fulano,

de barba longa e bem alva

e bem trajado nos pano,

porém a causa da estada

ninguém sabia o plano.

Esse fulano vistoso

causava admiração

de todo o povo que o via,

mulher, menino ou varão,

e não havia na praça

outro tema em discussão.

Agora eu vou adiante,

voltando um pouco atrás,

pois é chegada a hora,

meu caro leitor sagaz

de revelar alguns nomes

deixando o amigo em paz.

Vou dizer, então, o nome

da cidade mencionada,

que ficava ao lado oeste

de uma estrada afamada,

que noutros tempos já foi

a Tira-Banha falada.

Teixeira de Freitas é o nome

desse canto abençoado,

pois lá tudo que se planta

sempre tem bom resultado,

bastando que haja chuva

no tempo apropriado.

Agora trago ao leitor,

de volta pra sua memória,

um certo homem honrado

que principiou a história,

pois é chegado o momento

de sua convocatória.

A graça daquele homem

faz gosto pronunciar:

Aristide Alfonso Pena,

recebido ao batizar,

conhecido por seu Tide

de Rosinha, após casar.

Aristide Alfonso Pena

sempre foi homem honesto,

mas seu trabalho era duro

e muitas vezes indigesto,

por sempre ter que aturar

qualquer um sem manifesto.

Meu caro leitor amigo,

lhe peço tua atenção,

para tratar dum assunto

que correu toda nação,

e em cada canto a notícia

ganhava nova feição!

Em Tira-Banha existia

uma venda primorosa

que pertencia a seu Tide,

casado com dona Rosa,

que um certo dia passou

uma prova bem dolorosa.

O prova se deu por conta

d'uma grande discussão

acerca dum jumentinho

que nasceu na ocasião,

filho duma jumenta cinza

e um jumento azulão.

A contenda que se dava

era a reclamação

da posse do jumentinho

gerado de uma invasão

do jumento à casa alheia

provocando a confusão.

E assim o dono da venda

foi tentar remediar

e se voltando aos clientes

começou a indagar

a ver se havia um modo

de o conflito acabar.

- A quem pertence a posse

do jumentinho nascido,

se ao dono da jumenta

ou do jumento atrevido?

Foi quando alguém exclamou:

- Da sua mãe por ter parido!

E seu Tide de Rosinha

ficou vermelho de raiva,

pois pensou que qual jumenta

a sua mãe comparava

da parte dum curtidor

que por ali se encontrava.

E nessa raiva tamanha

seu Tide pega um facão.

Partiu pra cima do cabra

com muita disposição

dizendo: Eu mato o insolente

e ainda pago o caixão.

Foi quando entrou em cena

o tal fulano vistoso,

que se pôs a explicar

para o vendêro raivoso:

- A palavra que foi dita

não teve cunho jocoso.

E nessa prosa certeira

“Nos’Sinhô” deu livramento

a seu Tide e sua casa

que fez agradecimento

ao homem desconhecido

pelo aconselhamento.

Amigo leitor se acalme,

pois já vou lhe informar

o nome daquele homem

que se pôs a ajudar

a seu Tide de Rosinha

e a todos fez acalmar.

José Carlos de Bebel,

o homem assim se chamava

pois sua esposa Izabel

de Bebel se apelidava,

mas naquela ocasião

entre os mortos já estava.

O Zé Carlos de Bebel

já foi um artista do couro.

Fazia sela pra burro,

cavalo e até pra touro,

e seu trabalho era fino

tal como brinco de ouro.

José Carlos, o Artesão,

foi bem assim conhecido,

mas quando a esposa morreu

ele ficou decaído,

passando a vagar cidades

por causa do amor perdido.

E nas andanças da vida

José Carlos de Bebel

inventou um tal costume,

que é mote deste cordel:

o homem bebe uma pinga

e põe-se a comer papel.

Vou repetir meu amigo,

sonoro qual menestrel,

para ficar entendido

que o Zé Carlos de Bebel

sempre depois que bebia,

se punha a comer papel.

E o leitor não pergunte,

pois não tenho explicação

ao costume do Zé Carlos

que parece aberração,

mas alguns já me disseram

que o papel tem uma função:

- Serve para absorver

o álcool do organismo,

juntamente com o cheiro

que inebria o juízo.

Mas a minha desconfiança,

me diz que é só “maluquismo”.

Se o leitor quiser provar

isso tudo que falei,

leia de novo a história

vasculhando se deixei

incutida a falsidade

ou verdade apresentei.

E aqui é chegada a hora

de esta história acabar,

pois já cansei a memória

de tanto me perguntar:

- Em que será que a bebida

c’o papel vai transformar?

Assim já vou despedindo,

finalizando o cordel,

do Zé Carlos Artesão,

viúvo de Izabel,

um ex-artista do couro

e comedor de papel.

Santana, Silvio S. – (Vidal) 07/12/2015