O TRIGO(Inspirado no apólogo de mesmo título, de Coelho Neto)

O TRIGO

Inspirado no apólogo “O Trigo” de Coelho Neto)

Adão, o primeiro homem,

Totalmente extasiado

Olhava, maravilhado,

Os feitos do Criador:

Rios profundos e claros,

Os montes e as campinas

Fontes puras, cristalinas,

Exuberância e cor!

Animais de toda espécie

Cruzavam-se pelos caminhos,

Leões, corças e ratinhos,

Tudo em total harmonia.

Elefantes e gazelas,

Os cavalos relinchando

A passarada cantando,

Em perfeita sintonia.

Frutos caindo dos galhos,

Flores esparzindo odores

Borboletas de várias cores,

Revoadas na floresta.

Formigas, grilos, abelhas

A procura de alimento,

Cigarras buscando alento

Cantando... Fazendo festa.

O sol ardente e tão belo,

Como um puro diamante

E a terra exuberante,

As águas que com leveza

Desciam bem preguiçosas,

Formando belas cascatas,

Revigorando as matas,

Com fresquidão e beleza.

Deus - de longe - espiava

O homem que havia feito,

Achava-o forte e perfeito,

Capaz de ser o senhor

Ter o domínio da terra

Com as suas criaturas,

E desfazer as agruras,

Prosperar com o labor.

E caminhava lentamente,

Por veredas silenciosas

Tornavam-se luminosas,

As pedras que Ele tocava.

Pois elas se transformavam,

Em belíssimos diamantes

Com rebrilhos faiscantes,

Um brilho que ofuscava.

Do córrego do qual tirou,

O barro e moldou Adão

Vinha um imenso clarão,

Em um tom belo, dourado.

E o seu leito virou ouro,

De inigualável pureza

Tamanha era a grandeza,

De quem o havia tocado.

Chegou enfim, o momento,

De Deus tirar um descanso

Procurou por um remanso,

Não demorou a encontrar.

Um trigal que se ondulava

E se ofereceu prontamente,

Dando abrigo ao Onipotente

Que pôde então repousar.

Os pássaros anunciavam,

O crepúsculo matutino

Quando o Criador Divino

De Seu sono despertou.

Então, uma voz suave,

Sussurrando mansamente

Saudou-o e, humildemente,

Dessa forma lhe falou:

- Senhor, que não vos pareça

Que é uma reclamação

Mas, de vossa criação,

Sinto-me insignificante.

As árvores são tão altivas,

Com realce e formosura

E esbanjam em fartura,

E porte impressionante.

E, além de tanta beleza,

São frondosas e têm cor,

Folha, galho, fruto e flor

Tornando-as tão graciosas.

Eu, mísero trigo pequenino,

Acho que fui esquecido,

Fiquei feio e enfraquecido,

Infeliz entre as ditosas.

Deus – quieto - a escutar

Tamanha lamentação,

Estendeu a Santa mão

E então o abençoou.

E com toda a firmeza

E a força de seu poder,

Ele se pôs a dizer:

- Eis a graça que te dou:

Mesmo sem teres beleza

E com tanta fragilidade,

Asseguro que, na verdade,

Tão bem me agasalhaste.

Em teu generoso abrigo,

Velaste pelo meu sono

Não fiquei em abandono,

E do sol me resguardaste.

Fraco, darás alimento

Do maior ao pequenino,

Encarnarás o Divino,

Serás hóstia... Serás pão!

Pequeno, serás gigante,

Guardarás em ti nobreza

E a mais alta realeza,

Beijará a tua mão!

Tuas flores se tornarão

Em espigas... Em farinha,

No Sacrário – a essência minha,

Força para as criaturas.

Tu que eras pequenino,

Doravante és grandioso

Estou feliz e orgulhoso,

Posso voltar às alturas!

........................................

E, ouvindo o trinar de pássaros,

E ao som do canto de anjos

Que tocavam flautas e banjos,

Ele voltou para os Céus!

Tornou-se o trigo alimento,

De todos, o mais usado

E quando pão - consagrado

Corpo do Filho de Deus!

***

Este cordel é uma homenagem a Henrique Maximiniano Coelho Neto (Caxias/1864 - Rio de Janeiro/1934), escritor, cronista, folclorista,romancista, teatrólogo, crítico, político e professor , membro da Academia brasileira de Letras - fundador da cadeira de número 2, considerado o Príncipe dos prosadores brasileiros.

Maria Do Socorro Domingos

João Pessoa, 20/02/2016.

Mariamaria JPessoa Pb
Enviado por Mariamaria JPessoa Pb em 21/02/2016
Reeditado em 21/02/2016
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