CRIANÇA DE RUA
I
Vi um dia uma criança
Olhando numa vitrina
Sapatinhos cor de rosa
E uma blusa feminina
Seu olhar queria tanto
Que surgisse algum santo
Vindo de qualquer esquina.
II
Perguntou à vendedora
Quanto aquilo custava
E a bela moça sorrindo
Uma resposta lhe dava
Dizendo: - Isto é caro
Que nem sequer eu declaro
A uma negrinha escrava.
III
Eu, que por ali passava
E assisti esta cena,
Daquela pobre criança
Confesso: Eu tive pena
Quando em sua mãozinha
Eu vi uma moedinha
Dourada e bem pequena.
IV
A moça daquela loja
Não fazia concessão
Porquanto era empregada
No interesse do patrão
E foi dizendo à criança
Matando uma esperança:
- Isso não vale um tostão.
V
Diante dessa resposta
Que a criança entendeu
A menina se voltou
Olhou para mim e eu
Disse-lhe: - Pode comprar
Tudo o que desejar
Ela sequer respondeu.
VI
Agarrou a minha mão
Pulando de alegria
E foi assim me puxando
Por toda a loja e dizia
Que o pai foi assassinado
Por ser um ladrão viciado
Mas sua mãe ainda vivia.
VII
Perguntei-lhe a idade
Ela nos dedos contou
Abrindo a mão direita
E em seguida somou
Doutra mão os dois dedos,
Revelando-me segredos
Que ao me contar chorou.
VIII
Sua mãe lavava roupas
E ela morava na rua
Com vestidinho surrado
Esmolando, seminua;
Feriu-me assim o coração
E pensei: Sou um cristão
Porém no mundo da Lua.
IX
Comovido e segurando
A mão de uma criança
Fui percorrendo a loja
Dando a ela esperança
De que nada está perdido;
Eu serei seu pai querido
Num mundo sem segurança.
X
Ela escolheu de tudo
Blusas, shorts e calcinha
E pulando de alegria,
Ela corria e depois vinha:
- Eu quero ser sua filha,
Fazer parte da família
Que Deus me deu neste dia.
XI
Fez ela a sua compra
E foi tudo empacotado
No caixa eu paguei a conta
E ela ficou do meu lado
Vendo-me contar dinheiro
Trabalho de um mês inteiro
Que fora bem empregado.
XII
Do Chopping eu saí feliz
Carregando o pacote
Ela me apertando a mão
Dando pulos e pinote
Até chegar junto ao carro
Feio e sujo de barro
Na esquina e sem capote.
XIII
Abri a porta e ela entrou
Sentando-se ao meu lado
Saí dali acelerando
Meu velho carro dourado
Pintado de amarelo
Que parecia mais belo
Nesse dia ensolarado.
XIV
O percurso ela indicou
Chegamos na casa dela
Quase fora da cidade
Numa famosa favela,
Sua mãe esfarrapada
Fumando não disse nada
A mim e à filha tão bela.
XV
Ela abraçou a mãe dela
E me disse em seguida:
- Tire tudo o que comprei
Para minha mãe querida;
Oh! Querida mãezinha,
Este é o pai que eu não tinha
E agora tenho na vida.
XVI
Aquela mulher sofrida
Com sua tão forte fé
Convidou-me para entrar
E preparou-me um café
Enquanto sua filha ia
Saltando de alegria
Fazendo-me cafuné.
XVII
Entreguei-lhe os presentes
Que a menina escolheu,
A filha abraçou o ursinho
E seu rostinho me deu
Num beijo de despedida;
Beijou meu rosto em seguida
Dizendo-me: - Tchau, pai meu!