Carruagem de fogo.

Minha linda carruagem

Que foi dada pelo sogro

Interrompeu a viagem

Consumida pelo fogo

Foi ali minha passagem

Ali terminou meu jogo.

Foi passagem para um tempo

Que não tem o amanhã

Tudo passa muito lento

Não há tarde nem manhã

E se caminhar eu tento

É uma tentativa vã.

Meu andar na carruagem

Foi outrora um passatempo

Carreguei minha bagagem

Esqueci do meu sustento

Infeliz nessa viagem

Tenho que ouvir o vento.

Fui austero candidato

À milícia do sertão

Nunca quis saber de fato

Da ganância do patrão

Só queria o meu retrato

Pendurado no portão.

Meu troféu de candidato

Sempre foi uma espingarda

Escondida em pleno mato

Pra depois eu montar guarda

Esse era o meu estado

Sem saber que o sol não tarda.

Nunca me acostumei

Com o cabo do arado

Muito pouco trabalhei

Para ter meu pão assado

Eu na vida dedurei

Para ser admirado.

Quase sempre eu ocupei

O terreiro do patrão

Muitas vezes procurei

A melhor ocasião

Para achar quem eu matei

Sem a menor compaixão.

Fiz dezenas de viúvas

Outro tanto fiz de órfãos

Deixei muitas só de luvas

De outros tirei os órgãos

Nesse caminho de curvas

Muitas pedras em mim jogam.

Fui bastante destemido

Nunca quis andar a pé

Coloquei corpo estendido

Sob montes de café

Por não ter contribuído

Com migalhas para a sé.

Meu talento era o baralho

Onde eu sempre ganhava

Escondia do trabalho

Pra casa nada levava

Passei noites no orvalho

Pra roubar quem trabalhava.

Outras vezes que eu cheguei

Sem ter qualquer argumento

As palavras que falei

Jamais tinham sentimentos

Hoje sei que naufraguei

Num oceano de tormentos.

Sei que a minha carruagem

Me levou por bom caminho

Eu, porém, por malandragem

Queria seguir sozinho

Pra na minha vadiagem

Explorar o meu vizinho.

Nessa minha caminhada

Que andei fora do tempo

É a parte da jornada

Que não percorri a tempo

Minha vida atrapalhada

Deu-me dor que não aguento.

Tenho agora de partir

Pra seguir a minha estrada

Minha dor eu repartir

Com quem nunca me fez nada

Encontrando esse porvir

Serei alma perdoada.

Renato Lima
Enviado por Renato Lima em 16/01/2016
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