CORDEL CELESTE

Ao Edimilson Celson

Um anjo com chapéu de coco e sanfona na mão,

com seus dedos de nuvem na face do acordeão,

botavas versos de pé quebrado e peito estufado

num mole-mole e mexe-mexe todo resfolegado

chamando o bando de orangoanjos pra tocar caxixi,

num jeito doce de mandacaru e marmelo

que fazia até Deus rir...

Deu de contar histórias e uma delas repasso ao povo,

povo pernambucano lá das bandas de Bezerro,

que tudo começa de um jeito como se fosse ovo

que brota pinto cheio de penas, sem pelo,

feito bando de Papangus tudo num farricoco,

mamulengos nordestinos, um saco de loucos,

do cego vinha a cantoria feito lusco de procissão,

história sem meia-língua, deitada de pé no chão...

Invenção de um professor que batia língua nos dentes

na hora de prosear, num mastigo de Lácio e grego

que fazia de todo contente num repentino repente,

homem de considerada bravura pois só quem acorda cedo

sabe o que diz a poesia da manhã ao que nunca viu enchente,

digo e desdigo e digo de novo em alto e considerado bom tom

que o tal de quem falo, e é de honra, é o Edimilson Celson...

Pois bem, no prossigo da contação reparo ali no eito

uns meninotes de alvoroço na lida do canto e poesia,

que plantam letras sementosas provindas do peito

de quem sonha dormir no seco e acordar na chuva fria,

olhos acesos feito vaga-lumes de oralidade avessa

que engendram prosas num quase-quase de melodia

rebentando vagens de sustância cheias de promessa...

Oh Pernambuco de ranhuras e mandacarus a galope,

escute já o tropel de beleza que se abre feito dicionário

nas mãos de quem professa sabedoria como doce xarope

que desce goela abaixo em mistura no abençoado estuário,

ouve cá o riso farto de seus belos Papangus, cheios de dominó,

cada palavra que nasce é tangerina n'aridez do sertão em resseco,

que Deus espie esse povo encantado e deles tenha mais que dó...

Deu de rir o anjo tosco, de quase fazer xixi,

seus dentes de manga amarelada e jabuticaba madura

contava cá no pé do ouvido e digo que de tudo tudo ouvi,

que a carne seca de Bezerros é de os beiços lamber,

mais ainda, a vermelhidão do tomate embeleza o prato,

a quentura semiárida faz suar o que anda a correr

em busca de peixe de escama em brilho que no sol corusca

diante dos olhos de quem ama banhar-se nas águas do Ipojuca...

E nessa de vai-e-vem e vem-e vai de nunca mais parar

perguntei-lhe se a vida vale o risco da peixeira no chão,

e o anjo de nome "Papangu de Deus" pôs-se a me contar

que foi numa noite de gritaria em que rebentava o aluvião

que viu um casebre de luz acesa e de homem debruçado

sobre o mapa das palavras, que procurava seu coração,

que deitado havia nas corredeiras do sentimento de bom grado

seu destino posto e que já frutos dado tinha no pomar do amor,

seu menino rebentado tinha e vindo ao dia de Deus, esbelto,

que por nome tinha lhe dado seu sobrenome sem ene,

agouro de fortuna e esperança na Bezerros, de nome Celso,

de pai e filho encontro de beleza, que se diz, eternamente perene...

Choveu, chuviscou, chuvisqueiro a se cair de abraços no mandacaru,

cantou-me essa lenga de gostoso feitio que ainda ouço seu tom,

que moro eu cá distante, em homenagem alcanço o longe de tu,

admirado de admirar-se a vida de professor amado e valente,

senhor de tantas posses, vate eleito das artes, Edimilson Celson...