A SANTINHA DO SANTEIRO.

Zabumba "bum bum bum"

Sanfona abrindo e fechando

Umas gambiarras acesas

Acendendo e apagando

Chitas na ginga do xote

Cerveja fria no pote

Matuto e matuta fungando.

Duas velhas fuxicando

E um freezer casquento

Uma placa suja escrita

A promoção do momento

Uma outra velha gritando

Batendo palma espantando

Um cachorro feio fedorento.

A velha deixa o cochicho

Cospe e ajeita a toca

Dá uma risada banguela

Sem nenhum dente na boca

Olha pra outra e dá nome

"Isso é falta de omí

Infeliz das costa oca.

Só poque voltou do sul

O barbeiro Natalício

Feito um galã do mato

Ou politico no comício

Pra namorar no arraial

Caprichava no plural

Querendo falar difícil.

Disse até que foi famoso

Falado em vários cantos

Que foi cantor sem pareia

Fez a fã chegar aos prantos

Garantiu que foi estouro

Num programa de calouro

De um tal de Silvio santos.

Eu ri de me acabar

Com esse tal capiau

Se cantou alguma vez

Foi em véspera de natal

Na vila do campanário

Um viva de aniversário

Para bio da funrural.

Dona ciça de seu Jaime

Com seu dente de ouro

Ria com qualquer coisa

Mordia pedra e couro

E gritava com fervor

"Olha a maçã do amor

Pra açucarar o namoro"!

"Seu gomes,bote mais uma

Pra espantar o quebranto"!

Na barraca de cachaça

O bêbado afoga o pranto

Joga um goli no capim

Depois bebi, diz assim:

Essa aí fica pro santo.!

Assim corre a festa boa

Onde de tudo acontece

No pátio o profano brinca

No altar o fiel faz prece

Sem temores ou sustos

Tanto ímpios como justos

Aproveitam a quermesse.

Tinha a barraca de pastel

E tinha a de milho cozido

A barraca que tinha doce

Tinha de um tudo sortido

Doce de leite caju e jaca

Depois vinha a barraca

Do meu amor proibido.

Não era só uma barraca

Era um céu encantado

Era um jardim divino

Florido e cultivado

Por uma linda andorinha

Santinha,minha santinha

Minha virtude e pecado.

SANTINHA ERA ASSIM:

Tinha a brancura do leite

E o viço da erva braba

Um pudinzinho de boca

Os peitinhos:duas mangaba

A bochechinha vermelha

E embaixo da sobrancelha

Um par de jabuticaba.

Os cabelos,uma noite escura

A cinturinha de pilão

Os braços duas flanelas

Macios como algodão

E nus requebros seus

Umas ancas que benzo Deus

Matava qualquer cristão.

Era fidalga de berço

Igual a vinho de mesa

Formosa indo e voltando

Tinha léguas de beleza

Nos dedos muitos anéis

E com chinelinhos nos pés

Andava como princesa.

Eu um caboclo qualquer

Matuto por vocação

Morador rude da brenha

Santeiro por profissão

Minhas agruras são tantas

Que já fiz santos e santas

Mais nunca fiz oração.

Veio um cupido meio cego

Já perto de se aposentar

Com a flecha descalibrada

Feita de pau de quipá

Se descuidou de um medo

Soltou o cordão do dedo

E tome a me espertar.

O corno sumiu no mundo

Sem deixar rasto nem linha

E eu fiquei foi flechado

Doido de amor por santinha

Mais aí já era tarde

Santinha até hoje arde

De amor da mesma flechinha.

Se misturou-se nos dois

Feito o pão com o trigo

Sem merecer receber

Na vida tamanho castigo

Ela rica,eu sem ruela

Eu não podia tá com ela

Nem ela ficar comigo.

O pai dela dono de tudo

Proibia e ameaçava

Se me vice junto dela

Me moia e me capava

"Que não era desordeiro

Pra dá a filha a santeiro

Pra morrer comendo fava".

Assim eu me conformava

Sentindo falta e dor

Vendo santinha de longe

Como uma santa no andor

Mais de sentimento vivo

Apesar de ser cativo

Na senzala do amor.

Santinha também sofria

E todo dia rezava

Pra santa que eu mesmo fiz

Mais a santa lhe faltava

Sera que eu distraído

Não esculpi o ouvido

E a santa não escutava.

Mais Deus do céu vendo tudo

E que a todos conduz

Cortou o cipó do medo

Com uma peixeira de luz

me libertou da vergonha

Me deu uma fé tamanha

Virgem santa,credo em cruz.

Aí eu disse:"- é hoje

Que eu corou o meu feito"

Tomei o vinho da fé

Ate ver sortir efeito

Depois dobrei a dosagem

Aí fui buscar coragem

no cafundó do meu peito

Parti feito um touro brabo

Quebrando cerca e cancela

Chutei um fogareiro aceso

Derrubei prato e panela

Bati num bêbado zanolho

E quase que furo um olho

De uma velha banguela.

Dona Ciça a de seu Jaime

Me vendo naquele fervor

Arriscou de perguntar

Que comprar maçã do amor

Nem deu tempo responder

Melei a mão no glacê

de um bolo sofredor.

Fiz uma ginga no corpo

me livrei de um floreiro

Ainda deu tempo eu pular

Por cima de um tabuleiro

Mais levei berros e gritos

Do dono dos pirulitos

que espalhei no terreiro.

Na sombra de um ingá

De longe eu avistei

Era o pai de santinha

fazendo o que eu não sei

Tava de olho cumprido

Em um rabo de vestido

Nem deu fé guando passei.

No anunciar do encontro

Com o coração na goela

Esbarrei frente a barraca

Estampada de amarela

Cacei fôlego suspirei

guando menos esperei

Tava bem pertinho dela.

No vexame de um raio

Que risca racha e tora

Engatilhei uma pergunta

Sem arrodeio ou demora

"Santinha minha visagem

Sera que tu tem coragem

De casar comigo agora"?

Santinha sorriu pra mim

Inteirando o desfecho

Se escorou nas cadeiras

Deu aquele remelexo

Me disse: tu já é meu

Uma lágrima escorreu

Dos olhinhos ate o queixo.

Recebi aquela lágrima

Como joia na bandeja

Ela cochichou baixinho

"Me diz o que tu deseja?

Eu lhe dei como resposta

Foi leva-la ate a porta

bem em frente da igreja.

Igreja que seu vigário

Tinha mando encomendar

Um santo antônio escupido

Em madeira de jucá

Que eu talhei e contemplo

O santo com nos no templo

Pronto para nos casar.

No escuro do esquecido

veio o clarão da lembrança

Que casório de vergonha

Carecia de aliança

O cálcio da união

Que no osso da paixão

Dá tutano e sustança.

Já fiz santos e santas

mais nunca fiz devoção

Rosários terços e guias

Nunca passei na mão

Mais diante da imagem

Me adubei de coragem

E arrisquei uma oração.

"VALEI-ME OS SANTOS QUE FIZ

E OS QUE NÃO FIZ TAMBÉM

VALEI-ME OS TALHOS E AS MARCAS

NO CORTE QUE O ESCOPO TEM

ME ACUDA SANTA ESPERANÇA

ME ARRUME UMA ALIANÇA

DE OURO OU LATA AMÉM"!

Eu olhei pra Santo antônio

como um cão que pede osso

O meu fervor temperado

Já tava ficando insosso

foi guando minha vista aflita

Percebeu que tinha uma fita

em volta do seu pescoço.

Pedi licença ao Santo

Com respeito e confiança

Tirei a fita que ia

Me servir de aliança

Agradeci com devoção

A resposta da oração

A santa da esperança.

Dentro daquela capela

Só tava eu e Santinha

Mais pra nos dois parecia

Que dentro dela continha

Poeta e violeiros

E famosos sanfoneiros

Cantando como andorinha.

Num gesto calmo e singelo

Com uma alegria infinita

Puxei o dedinho dela

Dei um laço com a fita

Noutra ponta ela torceu

Deu outro laço no meu

"Que cerimonia bonita"!

Casamos assim no altar

Sem padre nem coroinha

Viramos pirão no tacho

No fogão de uma cozinha

Eu o feijão e ela o arroz

Viramos baião de dois

Feitos da mesma farinha.

Eu tenho plena certeza

Do meu destino cumprido

Deus me deu uma profissão

Sem eu nunca ter merecido

A Sua Graça foi tanta

Que eu ganhei uma santa

Sem nunca te-la escupido.

Ebenézer Lopes
Enviado por Ebenézer Lopes em 21/11/2015
Código do texto: T5455838
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