Rapsodo pós-moderno
ÉBRIO DO MOSTO DA IRA
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Eis me aqui, voraz retina,
Oculto por trás da escrita
Na voz calada que grita
O verbo que me descortina.
Eis a linguagem ferina,
De um sagaz poeta impuro,
Que vem de um reino obscuro
Faminto de pão abstrato.
Vivo sem passe ou contrato
Nestes versos que mensuro.
Sou o vate palinuro
Desta era mau-propícia,
Libertário de uma milícia
Que marcha sobre o monturo;
O prenuncio de um futuro
De caos interplanetário,
Testador do inventário
Inoficioso de um espúrio,
Porta-voz de um lamurio
Do qual sou signatário.
Principia-se o calvário
De uma tal espécie insana
Que se julga soberana
Neste vasto balneário.
Hoje um póstumo templário
Cavalga com seu corcel
Sobre o caos de Babel
Prometendo à mortalha
Uma sangrenta batalha
Contra este mundo infiel.
Ecoa o som de um tropel
Propagando aos quatro ventos
Que a chegada dos tormentos
Vem de varejo à granel.
Uma absinto de fel
Pra boca que agora teme
O licor que arde e geme
No cálice quente da ira,
Vem com desprezo na lira
Deste poeta que freme.
Por mais que este mundo reme
Pra vencer a correnteza
Há de provar a frieza
Deste insubmisso leme.
Hoje o mar bramindo treme
E se lança sobre a terra,
Ciclones trarão a guerra
Disparando vendavais,
Tufões quebraram seus cais
Junto à criança que berra.
Treme a espinha da serra
Mais que em tempos remotos
Tragando em seus terremotos
Mansões que nela se emperra.
Abriu-se a garganta da terra
Pra devorar seus castelos
E reduzir a farelos
Esta inútil geração
Mais faminta que um leão
Em tempos secos, magrelos.
Seu céu de asseios e anelos
Se fecha na estratosfera
E o hálito quente da fera
Multiplicam seus flagelos.
Campos que já foram belos
Hoje nos causam pavor
Exalando um mau odor
Neste ares tão pesados.
Já não se ver orvalhados
Teus vales, perenal flor.
Agora não há Senhor
Que salve sua criação;
Imperando a lei do cão
Seu pão é fome e ardor.
Um rio de fel e amargor
Deságua com fúria total.
O bem deu guarita pro mal,
Jaz na cova a caridade,
Eis sobre a tenaz cidade
O aquecimento global.
Quero nesta matinal
O sol queimando a colina
Seus filhos pedindo morfina
Seu gado seco no curral;
Que seja o seu torrão natal
Pra sempre estéril, infecundo
Seu leito de rio imundo
E sua videira sem grão;
Que a irmã degole o irmão
Neste próximo segundo.
Que o sentimento mais profundo
Seja só ódio e rancor;
Que o pai prove o dissabor
Surrado num poço fundo.
Que a mãe gere o vagabundo
Que há de lhe macerar.
Que seja o planeta um lugar
De pranto, de dor e lamento
Imundo, fedido e nojento
Pra que eu possa me alegrar.
Obs:
Antes de se escandalizar, saiba que sou defensor da natureza e simpático as iniciativas que se comprometem com a preservação e resgate do meio ambiente, ecossistema e cidadania. Este texto pesado, ao contrario de ser a manifestação de um sentimento de ódio e desprezo pela vida, é uma forma de tocar o ser humano, lhe jogando na cara um sentimento que todo indivíduo deveria e deve repudiar, mas que, infelizmente, parece que não acontece, caso contrario não estaríamos a beira de um colapso planetário.
Fraternalmente:
Seu Ribeiro
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