DISCURSO EM CAMPANHA POLÍTICA
I
Um folheto vislumbrei
Queimando em um mourão
Apiancei o desastrado
Nele jogando um torrão
Quase que sentei na jaca
À luz de uma piraca
E não salguei o pirão.
II
Folgazei num supetão
Só que caí no barreiro
Safou-me um espoleta
De vereda no aceiro
No fogaréu escaldando
Assado e afiançando
Sobrou-me o granadeiro.
III
Desabou um aguaceiro
Trazendo-me a cruviana
Trepei na carrapateira
E me sentei na banana
Por ter metido a língua
Eternizei-me na míngua
A cantar chupando cana.
IV
Fugi e montei na grana
Não quis ser acavalado
Nem senti o meu dói-dói
Tornei-me gato pingado
Deixei de ser sanguangu
Travesti-me de tatu
Hoje sou bode amarrado.
V
Por eu ter sido pebado
Agora estou jururu
Só que sonso eu não sou
Nem tampouco baiacu
Detesto o abiloado
Nada encontro ingiado
Quando abro meu baú.
VI
Sou sapo-boi, não aru,
Adoro até bagulhão
Se eu estou na disgrama
Curando meu esturrão
Dos outros não acho pouco
E nem faço ouvido mouco
À dama que quer fonção.
VII
Defendo-me com o lascão
Porque estou entojado
Mas se alguém me arretar
Cantando moirão trocado
Faço logo um limatão
E a ele envio um picão
Para deixá-lo enganchado.
VIII
Eu saboreio um bocado
No meu traje de gibão
E improviso uma milonga
Vou ao forró de bicão
Lá abraço uma pirulito
Feia e boca de pito
Para não ser um bundão.
IX
Trago porém um tição
No meu peito e a coruja
Nele pousa toda noite
E por mais que dela eu fuja
Mandando-a para os quintos
Ela sempre agarra os pintos
E sobrevoando-me suja.
X
A paixão logo enferruja
Só que não se estrumbica
Porém quem tem duas caras
A bodejar sempre fica
Quem não cumpre a juração
Deixa o beijo da traição
Qual uma praga tiririca.
XI
Bebo água fresca da bica
Que vira uma pororoca
Pois pingando gota a gota
Acaba fazendo loca
Furo a pedra com meu pau
Pra fazer um bom girau
E ressonar dorminhoca.
XII
Bem distante da soroca
É onde se pode eguar
A esperta cutruvia
Que não se amancebar
Lugar também de baitola
Que faz pampeiro e rebola
Pro tasqueiro se amolar.
XIII
Nunca é bom apiançar
A quenga de um qualquer
Até dum tampa de pinga
Garfo cruzando colher
Pois se ouvirá um pipoco
E sai pica-pau do oco
Num xodó de malmequer.
XIV
Devo mencionar mulher
Razão de qualquer intriga
Será fêmea a minhoca
Ou é um macho lombriga?!
Sei que provoco zoada
Mas não digo pataquada
Sinto só dor de barriga.
XV
Encher cueca há quem diga
É disgrama pra valer
Má sorte maior que esta
É ter chifres sem saber
Que está sendo cornudo
Dormindo com o escudo
E assinar sem mesmo ler.
XVI
Alguém poderá dizer
Isso aí eu escrevi
Reconheço minha letra
No entanto eu não li
Só embaixo assinei
Fazendo assim eu errei
Foi tentação do Saci.
XVII
Dancei sarau de Siri
Vi caranguejo papudo
Enganei-me por amar
E por nada mais me iludo
Quando não se tem união
Inútil é a discussão
Só o silêncio diz tudo.
XVIII
Melhor seria ser mudo
Quem diz e não comunica
Tem este um corvo na sorte
Sozinho se estrumbica
Se o leitor não entendeu
Sinto muito, porém eu
Só posso dar uma dica.
XIX
Saiba que a vida é rica
Nenhum vivente tem glória
Se toma o manto do irmão
Turvando sua memória
Numa estrada de sangue
E à encruzilhada exangue
Finda sua trajetória.
XX
Certa vez li uma estória
Que não esqueço jamais:
Morreu a fêmea do cisne
E o macho gritou seus ais
Recusando todo afago
Pereceu junto do lago
Sem cantar, nem nadar mais.
*Se ao ler este poema, você conseguiu
identificar algum pilantra que lhe cumprimenta e lhe dá um tapinha nas costas antes de uma eleição, mas depois você nunca mais vê a cara do cara, acertou na mosca.
Não se esqueça, porém, que em cada eleição
você escolhe seu predileto ladrão.