O mais notório escritor desconhecido

– Hoje em nosso show, aquele que vem gerando comentários na cena punk/alternativa do underground com estórias grosseiras e cruas, sendo considerado o ‘mais notório dos escritores desconhecidos’, Leo Grisso, senhoras e senhores!

– “Punk/alternativo”? Meu Deus! [Risos]

– É, você sabe, as pessoas têm chamado sua escrita de agressiva, muitas vezes por se tratar de temas que realmente aconteceram com você e por serem descritos aparentemente sem nenhum pudor ou censura.

– Sei. Eu não chamaria de agressivo. Eu não sei.

– Como você descrevia então, os seus contos?

– Acho que de entretenimento, basicamente. É isso que eles são, apenas uma forma de distração.

– Mas realmente há muita coisa real ali, não é?

– Sim.

– Você não sente um pouco de medo ou, espero que não soe errado, mas um pouco de vergonha do que as pessoas possam pensar?

– Claro, mas acho que esse é o propósito da coisa, sabe? Escrever é a forma que eu encontrei de colocar para fora as coisas que andam em minha cabeça, e se eu tiver de ser cauteloso quanto a isso, acho que não faria sentido algum continuar escrevendo.

– O que seus amigos dizem sobre isso?

– Bom... meu pai, às vezes, ele se sente incomodado com as coisas que eu publico – ele geralmente lê tudo –, e acho que é normal, você sabe, se preocupar, se sentir um pouco aflito e assustado.

– Ele lê tudo? Digo, tudo mesmo?

– É, eu acho que sim.

– Qual é a profissão dele?

– Advogado.

– [Risos] Acho que a preocupação faz sentido!

– É, talvez.

– Leo, o que as pessoas sempre comentam é que seus contos geralmente abordam um aspecto negativo da vida, entende? A forma como você conta as histórias faz parecer que tudo é sem sentido e que estamos todos lutando para chegar a lugar algum. Você concorda?

– Merda, eu não sei. [Risos] Depende do meu humor, eu acho. Sou uma pessoa extremamente condicionada ao meu estado de espírito. Se as coisas estiverem bem, eu escrevo algo leve. Se estiverem escuras demais, inevitavelmente as estórias serão mais sombrias, também. O fato é que se tudo estiver bem, dificilmente vou escrever alguma coisa.

– Quer dizer que, para escrever, você precisa estar enfrentando algum problema, algum demônio interior, por assim dizer?

– “Demônio interior”? [Risos] Isso faz parecer dramatizado demais. Não, é que eu me sinto mais descontraído e à vontade para escrever quando algo está fora do lugar, é isso.

– Mas você está bem confortável hoje, não? Digo, baseando-se em seus contos, você parece ser um cara mais calado ou talvez rabugento? E, precisamente hoje você está com uma cara boa.

– “Uma cara boa”? [Risos] Sim, sim. Quero dizer, de uns anos para cá as coisas vêm funcionando melhor para mim. Acho que as responsabilidades fazem de você mais consciente do que está acontecendo e alerta para o que é necessário ser feito. Ficar à toa o tempo todo pode te levar à loucura, você sabe.

– Isso cheira à mulher. [Risos] Há uma nova patroa na casa?

– Bem, o fato de estar com alguém não necessariamente prova que tudo será melhor, mas definitivamente lhe dá outras perspectivas.

– Conte mais sobre essa garota.

– É uma garota. Não vou dizer que é uma garota como qualquer outra, porque ela provavelmente cortaria minhas bolas e daria de comer para os cachorros. [Risos] Mas estou em uma fase mais leve ultimamente. Digo, nós temos praticamente nada em comum e nossas opiniões costumam divergir bastante sempre que surge um tema diferente, mas isso é bom, na medida certa, porque nos obriga a pelo menos tentar entender o outro lado, sabe? É uma coisa boa, na verdade.

– As atividades do cotidiano mudaram bastante? Quero dizer, nos contos, você sempre menciona as festas que odeia, as pessoas que odeia, as músicas que odeia. De que forma isso, essa nova situação, faz com que você se sinta deferente, e isso afeta o estilo da escrita?

– [Risos] São muitas perguntas aí...

– Bom...

– Eu entendi, eu entendi. Bem, não estou tão maníaco-agressivo como em anos anteriores, o medo da intimidade está bem menor, bem como as manifestações de raiva... talvez não seja tão bom para quem lê as coisas que escrevo, mas tem sido bom para mim. Digo, estar com alguém assim e se entregar, tem sido uma das experiências mais bizarras que já aconteceram na minha vida. Toda vez que faço alguma surpresa ou trago o café da manhã na cama e ela abre um sorriso de contentamento... bom, isso me assusta um pouco. [Risos] Acho que isso acaba influenciando nas próprias estórias. Nós, recentemente, encontramos um lugar muito legal perto de casa. A gente sobe um morro por uns vinte minutos e, quando chegamos lá em cima, podemos ver a cidade toda. É incrível. A gente coloca um lençol na grama e fica observando o pôr do sol e conversando e, muitas vezes, apenas admirando a natureza ao nosso redor. Ou então saímos bem cedo nos finais de semana e nos mandamos para algum parque, somente para sentarmos e fazermos um piquenique ou algo do tipo. Depois, nós voltamos para casa e ela vai para a cozinha preparar alguma coisa. Minha tarefa é sempre a de levar a louça, então eu fico deitado na cama tocando violão enquanto ela experimenta alguma receita nova. É simplesmente ótimo.

– Sobre todos esses novos blogs de literatura, você sabe, toda essa gente nova aparecendo e mostrando para o mundo suas coisas... você não acha que, com a internet, se tornou um pouco mais difícil sobreviver em meio à tanta competição? Porque qualquer um, hoje, pode colocar em algum site o próprio trabalho. Não existe mais a dependência de editoras e agentes e toda aquela história.

– Sim. Talvez seja um desafio maior. Talvez não, eu não sei. Ao mesmo tempo em que há um turbilhão de gente boa por aí, com talento autêntico e com vontade de continuar no ramo, também há aqueles que só estão atrás de fama ou dinheiro ou querendo pegar garotas com essa pinta de “artista” e essa merda toda. Meu maior medo é que as pessoas simplesmente desistam de procurar coisa boa, depois de tanto dar de cara com material de péssima qualidade.

– Quando veremos um livro seu em uma estante de livraria?

– Meu Deus, eu não sei. [Risos] É um pouco assustador pensar nesse tipo de coisa, sabe, uma exposição tão grande. Claro, a internet é um meio de propagação, mas os livros parecem ser mais concretos.

– Você sempre cita ‘Trópico de Câncer’, do Henry Miller, como seu livro favorito, mas eu li de algum lugar que você, de fato, nunca o leu por inteiro. É verdade?

– Sim, é verdade. [Risos] Já tentei por diversas vezes, mas sempre acontecia alguma coisa. Acho que, no final das contas, eu me apeguei tanto ao livro, que tenho medo de continuar lendo e acabar esbarrando em algum capítulo ruim ou algo do tipo. Prefiro mantê-lo no meu Top 5 e continuar com o mistério.

– Para finalizar, alguma dica para os que estão pensando em começar a escrever?

– Sim, sente e escreva alguma coisa todos os dias, até a bunda sangrar.

– Senhoras e senhores, Leo Grisso, que demonstra ser um cara muito mais legal do que àqueles personagens.

– [Risos] Obrigado.