OS TRÊS FILETES DE OURO

I

No tempo de antigamente

Havia um homem pobre,

Cuja esposa teve um filho

Destinado a ser nobre

Para um dia ficar rico,

Possuindo muito cobre.

II

Numa choupana nasceu

Esse menino sortudo

A parteira disse aos pais:

- Sou fada e tenho estudo,

Acaba de vir ao mundo

Um varão que terá tudo.

III

Será ele o imperador

Tão somente por casar

Com a bela princesinha

Filha de um grande Czar,

O tirano, no entanto,

Isso não vai aceitar.

IV

Dito e feito, logo o rei

Soube dessa profecia

E foi ter com o casal

Na manhã de certo dia

Propondo: - Levo a criança

Para a minha moradia.

V

De início aqueles pais

Não queriam concordar

Mas o rei tanto insistiu

E ouro e prata quis dar

De modo que o casal

Não conseguiu recusar.

VI

Deram o recém nascido,

Confiando no destino,

Se nasceu com boa sorte

Aquele belo menino

Com certeza ele teria

A proteção do Divino.

VII

O rei levou a criança

E a colocou num cestinho

De juncos todo trançado

E se desviou do caminho,

Parou às margens dum rio

Que movia um moinho.

VIII

Botou o cesto no rio

E aquele menino lindo

Foi descendo rio abaixo,

Sono tranquilo dormindo,

E um moleiro avistou

O berço que vinha vindo.

IX

Naquele pobre casebre

Outro filho foi chegando,

E o moleiro satisfeito

Com a esposa o abraçando,

Adotaram o menino,

Junto aos demais, criando.

X

Passados dezoito anos,

O rei tudo descobriu,

Soube que o menino pobre,

Que ele jogou no rio,

Um soldado belo e forte

Era um guerreiro bravio.

XI

Enviou o rei ao casal

Uma missiva dizendo:

- Estou longe do castelo,

Numa guerra e temendo

Que não retorno ao lar,

Minha morte antevendo.

XII

Um valoroso soldado

Deve levar à rainha

O testamento que fiz,

Sobre toda a vida minha,

Ela o irá recompensar

E dele será madrinha.

XIII

Os pais não se opuseram

E o bravo jovem partiu,

Com aquela carta em mãos,

Logo um bosque anteviu,

Entre as árvores perdeu-se

E a voz da coruja ouviu.

XIV

Vinha de uma cabana,

Uma bruxa perguntando:

- De onde vem e aonde vai,

Não quero aqui pernoitando,

Pois é um covil de ladrões

Meu rancho de contrabando.

XV

O rapaz não se importou

Porque cansado estava,

O envelope que trazia

Para uma fada entregava,

Foi direto para a cama,

Logo dormindo, sonhava.

XVI

Uma quadrilha chegou

E já querendo saber

Porque aquele estranho

Dormia no alvorecer;

Feiticeira abriu a carta

E o chefão pôs-se a ler.

XVII

Na carta o rei dizia

Que o jovem portador

Haveria de ser morto

Por soldado de valor;

Então o rei dos ladrões

Pensou: - Não tenho pudor.

XVIII

- Rasgo agora esta carta

E uma outra escreverei,

Mandando que a rainha

Cumpra de mim nova lei,

Ordeno que o portador

Case c’oa filha do rei.

XIX

Quando o dia amanheceu

O pobre jovem rumou,

Levando a nova carta,

Num castelo ele chegou,

Onde a linda princesinha

Por esposo o aceitou.

XX

Ela lendo o testamento

Que o moço lhe entregou,

Sequer pode duvidar

Do seu pai, que a criou;

Pelo portador da carta

Na hora se apaixonou.

XXI

O rei, porém, retornou

E logo foi informado

Que aquele jovem pobre

Estava mui bem casado

Com sua filha querida,

Reinando no seu reinado.

XXII

Interrogou a rainha

Sobre o acontecido,

Por que tudo acontecera

Desse modo invertido;

E a mãe rainha disse:

- Acho isso divertido.

XXIII

Eu exijo que tu leias

A carta que recebi,

Não tendo que duvidar

Que eu a recebi de ti,

Aqui está, eu te entrego

Tua carta que só eu li.

XXIV

Vendo o rei que sua carta

Havia sido trocada

Chamou o moço e disse:

- A sua cara é descarada,

Eu lhe exijo explicação

Acerca dessa charada.

XXV

- Nada sei - disse o rapaz

Se houve falsário ou ladrão;

Então o rei lhe impôs

Que cumprisse uma missão

Pra ficar com a princesa

Dona de seu coração.

XXVI

Teria o moço que ir

À caverna de um gigante,

Que tinha uma cabeleira

Toda de ouro brilhante;

Três fios de seus cabelos

Trouxesse ao rei arrogante.

XXVII

O moço seguiu viagem,

Numa cidade chegou,

Onde o guardião da porta

Para ele perguntou:

- Por que a fonte da praça

Há pouco tempo secou?

XXIII

Disse o moço: - Tudo sei,

Conto-lhe quando voltar;

O guarda lhe respondeu:

- Um camelo vamos dar,

Carregado de ouro puro,

A quem a resposta dar.

XXIX

O moço seguiu adiante

E chegou noutro lugar,

Cujo guardião da cidade

A ele foi perguntar:

- Por que a macieira de ouro

Secou em nosso pomar?

XXX

Disse ele que a resposta

Daria noutra ocasião,

Quando voltasse da viagem,

Após cumprir a missão;

Chegou às margens dum rio,

Viu o barqueiro de plantão.

XXXI

Este foi lhe perguntando

Por qual razão ele tinha

Que transportar no seu barco

Toda pessoa que vinha,

Fosse de dia ou de noite,

De manhã ou de tardinha

XXXII

O moço lhe prometeu

Que a resposta lhe daria,

Quando por ali passasse

De retorno algum dia,

Foi e achou a caverna

Do gigante que dormia.

XXXIII

Na gruta foi recebido

Por uma velha encurvada,

A madrinha do gigante,

Feia bruxa encantada;

Perguntando o que queria,

Deu enorme gargalhada.

XXXIV

- Quero levar ao meu rei,

Mas terão que ser furtados

Dos cabelos do gigante,

Louros e encaracolados,

Três fios de ouro puro

Em sua cabeça trançados.

XXXV

Porém antes de voltar,

Eu quero saber também

Três respostas às perguntas

Que me fizeram além,

Porque sei que a explicação

O gigante as sabe bem.

XXXVI

O moço contou à bruxa

As três interrogações,

E a velha lhe garantiu

Que as daria sem senões,

Do gigante ela obteria

Todas preciosas lições.

XXXVII

Antes, porém, foi dizendo:

- Saiba que sou sua amiga,

Vou lhe fazer um favor,

A ninguém você não diga,

Pois terei que transformá-lo

Numa pequena formiga.

XXXVIII

Imediatamente o moço

Virou formiga saúva,

Formando um formigueiro

Sob a cama da viúva;

Alguns meses se passaram,

Veio a colheita da uva.

XXXIX

O gigante que hibernava

Acordou logo em seguida,

Estava com muita fome

E foi pedindo comida,

Sua madrinha serviu-lhe

Um prato de formicida.

XL

Antes, porém, ponderou:

- De você um sábio afamado

Eu quero saber por quê

Três noites tenho sonhado,

Para mim é um mistério

E o quero ver decifrado.

XL

Meu primeiro sonho foi

Com uma praça tão linda,

Cuja fonte se secou

E está tão seca ainda,

Para isso eu quero ter

Sua resposta advinda.

XLI

O segundo sonho meu

Foi com um pé de maçã,

Que dava frutas de ouro,

Mas secou numa manhã

Antes que um transeunte

As colhesse com afã.

XLII

Terceiro sonho que tive

Parece mais um feitiço:

Levava gente um barqueiro,

Num eterno compromisso,

De uma margem à outra

Sem gostar desse serviço.

XLIII

O gigante orgulhoso,

Enquanto saboreava

O seu prato delicioso

E, sem saber que estava,

Ingerindo um veneno,

À bruxa respostas dava:

XLIV

- A fonte secou porque

Há um sapo lá sugando

A água toda da mina,

E ninguém está notando,

Mas se alguém o matar,

Voltará ela jorrando.

XLV

Quanto ao pé de maçã,

Um rato rói-lhe a raiz,

Porém se ele for morto,

Voltará o povo feliz

A colher maçãs de ouro,

Digo e ninguém desdiz.

XLVI

O barqueiro é um tolo,

Só que se fosse esperto,

Daria o remo a outro,

Tornar-se-ia um liberto,

Isso é tudo o que digo

E eu sei que estou certo.

XLVII

Dito isso, o gigante,

Fechando os olhos morreu,

Mas a formiga que estava

Escondida, apareceu:

Era o moço que sabia

Tudo quanto aconteceu.

XLVIII

A bruxa lhe deu três fios

Dos cabelos do gigante,

Eram todos de ouro puro,

Cada um o mais brilhante,

E o moço agradecido

Despediu-se e foi avante.

XLIV

Fez o caminho de volta

E disse para o barqueiro:

- A resposta vou lhe dar,

Porém me leve primeiro

À outra margem do rio,

Digo tudo por inteiro.

L

Na outra margem o moço

Ao barqueiro disse assim:

- Basta dar o remo a outro

Que seu mister terá fim,

Feito isso estará livre,

Muito agradecido a mim.

LI

Chegou ele na cidade

Onde a macieira morria,

E o guardião o abraçando,

Até chorou de alegria,

Já que uma boa notícia

O moço a todos trazia.

LII

Somente matando o rato

Que de tarde até a manhã

Rói a raiz da macieira,

Pois que este é seu afã,

Para impedir que de ouro

Não mais produza maçã.

LIII

Revelando o segredo,

Um guarda afiou a espada,

Foi e traspassou o rato

Numa noite enluarada,

Noutro dia a macieira

Amanheceu floreada.

LIV

Seguindo o itinerário,

Noutra cidade chegou

E o guardião da porta

Sua resposta cobrou,

Querendo saber por que

A bela fonte secou.

LV

Ele disse: - Há um sapo,

Bebendo a todo instante

Toda a água da fonte,

Entretanto, doravante,

Se esse sapo for morto,

Volta a fonte ser jorrante.

LVI

Multidão amotinou-se

Porém houve o mais ligeiro

Da turba ensandecida

Que chegou antes, primeiro;

Costurou boca do sapo

Como faz bom costureiro.

LVII

Novamente a bela fonte

Jorrou águas no jardim,

Que ficou todo florido

De rosas, cravos, jasmim,

Enquanto o pé de ipê

Florescia até que enfim.

LVIII

Montado em um camelo,

Levando bastante ouro,

Seguiu o moço em frente

Com todo aquele tesouro,

Mas tudo ele entregou

Ao sogro, tirano mouro.

LIX

Interrogou-lhe o Sultão:

- Onde achou essa riqueza?

Ao que o moço respondeu:

- Isso que ponho na mesa,

Eu consegui facilmente,

Tão só por ter esperteza.

LX

Foi nas margens de um rio,

Só que está do outro lado,

Um barqueiro o levará

Ao tesouro encantado,

Porém o que ele oferece

Não pode ser recusado.

LXI

Disse o rei: - Eu vou agora,

Porquanto é o momento,

Prometo que ao voltar,

Com ouro e contentamento,

A minha filha vou dar

Pra você em casamento.

LXII

O Rei foi e não voltou,

Depois explico a razão,

Pois sobre os pais do moço

Devo dar explicação,

Porquanto o casal pobre

Também tinha coração.

LXIII

Na verdade, dois casais

Fazem parte da história,

Um deles gerou o moço,

Só que não teve a glória

De o criar, porquanto o rei

Roubou o filho e memória.

LXIV

Foi um casal de moleiros

Que acolheu o rapaz,

Criaram e o educaram,

Como gente boa faz,

Porém ambos os casais

Eram de amor e paz.

LXV

Mas a saga continuou

Com aquele moço forte:

Trouxe ao castelo os pais

Que o geraram com sorte,

Levou também os moleiros

Que o livraram da morte

LXVI

Vamos ver o que ocorreu

Com o tirano orgulhoso,

Que encontrou o barqueiro

Por ser muito ambicioso,

Entretanto ele obteve

A sorte do ganancioso.

LXVII

Assim que entrou no barco,

O barqueiro lhe entregou

Os dois remos que impunha

Que o Czar não recusou,

Remando com todo orgulho,

Na outra margem chegou.

LXVIII

Quando o rei quis se livrar

Dos remos, achou-se preso,

Enquanto seu genro reina

Com toda justiça, ileso;

O rei ainda é barqueiro,

Transportando o indefeso.

LXIX

A vida é uma lição,

Ai de quem não aprender,

Quem errar o rumo certo

Terá que retroceder,

Para acertar o seu passo

E fazer volta volver.

LXX

Diz a lenda que até hoje

Aquele rei é refém

Dos remos em suas mãos,

Mas não encontra ninguém

Que queira o lugar dele,

Até não sei quando. Amém.