O MINEIRO E O ITALIANO

I

O caso que vou narrar

Meu avô sempre contava,

Deu-se no interior paulista

Onde ele habitava

Na zona rural do Estado

Num pacato povoado,

Próximo de Caçapava.

II

Mineiro é gente brava

Só que não provoca guerra,

Um italiano vizinho

Era um ladrão de terra

E da noite para o dia

Mudou o marco que fazia

Divisa ao meio da serra.

III

Quem pratica o mal se ferra,

Aqui não foi diferente,

O italiano avançou,

Mineiro cercou-lhe a frente

Sem ser besta que dá coices

Evitou briga de foices

Buscou justiça somente.

IV

Deus sempre está presente

E julga qualquer disputa,

Fica ao lado dos fracos

E estes vencem a luta,

Quando agem honestamente

Contra quem for prepotente

Parecendo fera bruta.

V

Vejam que idéia astuta

Teve o mineiro ao seu jeito,

Contratou um advogado

Pra defender seu direito,

Mas antes do julgamento

Fez ele triste lamento

Com grande aflição no peito.

VI

Na cama quando me deito,

Disse ele ao advogado,

Não durmo e nem descanso

Viro-me pra todo lado,

Posso estar sendo infeliz

Mas eu acho que esse juiz

É fácil de ser comprado.

VII

A ele dou um capado

Que está gordo no chiqueiro,

Você vai falar com ele

Dizendo que este mineiro

Tem dez filhos bem pequenos,

Conta a estória mais ou menos

Só que o presente é certeiro.

VIII

O advogado matreiro

Deu uma bronca no coitado

Dizendo: - Você não sabe

Que está pensando errado,

Esse juiz eu bem conheço

É um paulista de apreço

Vai nos ferrar no julgado.

IX

Deixe o porco de lado

Não caia nessa besteira,

Pois o juiz é rigoroso

E cuja vida é ordeira;

Se você lhe der presente,

Esteja disso ciente:

Perderá essa carreira.

X

Não existe outra maneira,

Senão os meus argumentos,

Sei como lhe defender

Aquiete seus pensamentos,

Porco gordo para o juiz

Não o deixará feliz

E você perde os tentos.

XI

Não quero ouvir lamentos

Confie só no meu plano,

Sou um grande advogado

E você é um fulano;

Do juiz, esqueça-se dele,

Se der o porco pra ele

A vitória é do italiano.

XII

Chegava o fim do ano,

Quase perto do Natal,

O mineiro então teve

Uma idéia genial:

"Vou ganhar e não à-toa

Enviarei uma leitoa

Para o juiz no tribunal".

XIII

O italiano era o tal,

Dinheiro tinha de sobra

Roncava como um leão

Silvava qual uma cobra,

Gorducho comia e bebia

E bem tranqüilo dormia

Sem sonhar com a manobra.

XIV

Mineiro pôs mão à obra,

Chegou o mês de fevereiro

E o dia do julgamento

Agitou-o por inteiro;

Deu a sentença o juiz,

Ele bastante feliz

Foi contando seu dinheiro.

XV

Depois de pagar primeiro

Disse ele ao advogado:

- Fiz conforme lhe falei,

Nosso juiz foi enganado,

Você fez bela defesa,

Porém a minha esperteza

Influenciou o julgado.

XVI

O doutor muito intrigado

Respondeu: - Não acredito

Que o juiz se vendeu,

Ou então errou o veredito

E eu lhe afirmo agora:

Jogo meu diploma fora

Se no angu não tem mosquito.

XVII

Mineiro não quer conflito,

Então contou o seu plano:

- O juiz foi atraiçoado

Sem causar-me nenhum dano,

Eu tive uma idéia boa

Mandei pra ele a leitoa

No nome do italiano.

*Este caso, que ouvi quando criança, não sei se é verídico ou não. O fato é que mais tarde escutei outras versões, com uma ou outra variação, mas sempre ressaltando a sabedoria cautelosa e calculada do povo mineiro. Achei por bem fazer também a minha e aí deixo mais este cordel para apreciação dos queridos leitores.