ANTES E DEPOIS.
Antes que venha a lua
E eu minguante esteja
Eu vou sair pelas ruas
Oferecendo em bandeja
Um verso qualquer quebrado
Moído, ralo inspirado
Rimado em porta de igreja.
Antes que a amiga mão
Me bata a porta atrevida
Eu abrirei os ferrolhos
Do portal da avenida
E tocarei no cortejo
Com as cordas do meu desejo
Os repentes da minha vida.
Antes que a onça faminta
Me tire o couro pintado
Vou beber água do céu
No chafariz encantado
Vou pintar da cor de sangue
Todo rebento do mangue
Pela lama batizado.
Antes que tu querida
Me beije de furta-cor
Eu me vestirei de couro
Castanho, cheiro e sabor
Tu minha santa um colosso
Eu teu beato mais moço
Rezando reza de amor.
Antes que venha o inverno
E o alagado plangente
Vou tanger minhas amarras
Por cima da terra quente
Se secarem por inteira
Cobrirei com a poeira
Do vento da minha mente.
Antes que venha o nada
Eu vou fazer de tudo
Para que nada aconteça
No mais lógico absurdo
Sem senso ou explicação
No caos da assombração
Meu punho é meu escudo.
Antes que em teu rosto veja
O meu sorriso se abrir
Afiarei os meus sonhos
No bico de um colibri
E voarei sem esforço
Pra dentro do calabouço
No fundo do meu existir.
Antes que a ilusão me traia
Essa mentirosa bandida
Vou na cacunda da paz
Pra longe dessa atrevida
Como um monarca da sorte
Antes que me morda a morte
Eu engolirei a vida.