Peleja no meio da feira

Peleja de Fábio Mozart e Sander Lee na feira de Itabaiana

F. Mozart:

Encontrei Sander Lee por entre o povo

Declamando uns poemas “pés quebrados”.

Com poetas assim tão alquebrados

Eu não me sinto bem nem me comovo.

Seu cantar já não traz nada de novo,

É um tolo, um néscio, um pateta

Sem razão, sem lógica e sem meta.

Eu garanto, daqui pro fim da feira

Vou mostrar quem é mestre de primeira

Vou rasgar seu diploma de poeta.

Sander Lee:

Se insistir nessa forma de cantar

São contados os seus dias de cultura

Vai morar numa cela velha escura

Pra saber um poeta respeitar

Canta ruim pra caramba seu Mozart

Palmilhando em frase abjeta

Já a minha do povo é predileta

Persistindo essa verve fofoqueira

Eu garanto, daqui pro fim da feira

Vou rasgar seu diploma de poeta!

F. Mozart:

Conheci Sander Lee tomando cana

Aprendendo com o mestre Xudu

Esgotou todo o estoque de Pitu

Até hoje o vate não engana

Três ou quadro versinhos ele afana

E decora de forma incorreta.

Sem vergonha, ele se locupleta,

Escondendo autoria verdadeira.

Eu garanto, daqui pro fim da feira

Vou rasgar seu diploma de poeta.

Sander Lee:

Esse tempo passou, não bebo mais,

Descobri o prazer de andar sóbrio

Resolvi me livrar de tanto opróbrio

Que sofri com amigos carrascais

E o Fábio Mozart é um dos tais

Onde senta o povo desinfeta

Na sarjeta rasteja e vegeta

E no vômito lambuza a focinheira

Eu garanto, daqui pro fim da feira

Vou rasgar seu diploma de poeta.

F. Mozart:

Aprendi com o mestre Biu Salvino

A cantar com vigor e com destreza,

No banquete da arte ponho a mesa

E componho com alma de menino.

Ser um craque da glosa é meu destino,

Faço gol de trivela e bicicleta.

Com meu canto, poeta ruim se aquieta

Ou sai doido, bufando na carreira.

Eu garanto: daqui pro fim da feira

Vou rasgar seu diploma de poeta.

Sander Lee:

De poeta mirim não tenho medo

E gigante aqui eu não conheço

Biu Salvino até que reconheço

Mas você para mim é um arremedo

Na minha mão você vira é brinquedo

Minha verve erudita e seleta

Não se iguala à sua fala incompleta

Desfiando um rosário de besteira

Eu garanto: daqui pro fim da feira

Vou rasgar seu diploma de poeta!

F. Mozart:

Eu confesso também que já bebi

Muita água que juriti não toma

Nem por isso fico cagando goma

Como esse fingido Sander Lee

Presunçoso assim eu nunca vi

Gente falsa comigo pega a reta

Só me envolvo com artista e com esteta

Mesmo assim vou lhe dar uma canseira.

Eu garanto: daqui pro fim da feira

Vou rasgar seu diploma de poeta.

Sander Lee:

Esse Fábio Mozart é invejoso

E não pode enxergar uma estrela

No seu charco de lodo quer prendê-la

Revelando um caráter tenebroso

Mas eu vou te ensinar, ó cão raivoso,

Vou passar para ti uma dieta

Pau no lombo pra ver se te aquieta

No teu nível de cantador fuleira

Eu garanto: daqui pro fim da feira

Vou rasgar teu diploma de poeta!

F. Mozart:

Para ser um poeta repentista

Você falta ter verve e galhardia

O que vejo em você é picardia

E portanto aconselho que desista.

Em respeito ao seu mestre, abaixe a crista

Pois eu vou lhe ensinar a Alfa e Beta

Mesmo vendo que a arte não lhe afeta

Já que o burro não vai à cumeeira.

Eu garanto: daqui pro fim da feira

Vou rasgar seu diploma de poeta.

Sander Lee:

Para mim tu não passas de um pavão!

É melhor desistir do teu intento

Pra cantar é preciso ter talento

Aconselho a deixar essa ilusão

Se não vais mendigar água e pão

Sem jamais alcançar a tua meta

Pois a tua gagueira é quem veta

E te impõe o fracasso por bandeira

Eu garanto: daqui pro fim da feira

Vou rasgar teu diploma de poeta!

F. Mozart:

Você foi no passado a besta fera

Que andou relinchando no inferno

Coisa de assombrar rapaz moderno

Em teatro chinfrim, de baixa esfera.

Quero ver se você se considera

Para ter uma vida mais correta.

O destino já lhe virou a seta

Para o lodo da tumba derradeira.

Eu garanto: daqui pro fim da feira

Vou rasgar teu diploma de poeta!

Sander Lee:

Cantador fracassado é uma tristeza

Traz vergonha para a categoria

Só de ouvir já me dá grande alergia

E por isso eu o trato com frieza

Seu versar não traduz qualquer beleza

É a erva daninha que alfineta

Mas o tal poetastro encasqueta

Num cantar indigesto de topeira

Eu garanto: daqui pro fim da feira

Vou rasgar seu diploma de poeta!

F. Mozart:

Mudemos a baionada

Como reza a tradição

Passando para a sextilha

Afine seu violão

Pode botar em ré médio

Pra acompanhar meu rojão.

Sander Lee:

Eu sou da opinião

Que medroso leva é peia

Eu como seu professor

Vou meter-lhe a correia

Aprenda a improvisar

Senão jogo-o na cadeia!

F. Mozart:

Sander Lee, que coisa feia!

Cadê sua educação?

O mote agora é a feira

Sem tapa nem pescoção.

Se não tiver bom guardado,

Aposente o violão.

Sander Lee:

Cabra, não perca a razão

E guarde bem o seu tino

Vamos voltar para a feira

Que eu vi quando menino

Desde o tabaco cheiroso

À blusa de linho fino...

F. Mozart:

Com fineza e trato certo

Vamos cantar nossa loa,

Relembrando os velhos tempos

Dessa nossa terra boa

De onde saímos todos

Pra morar em João Pessoa.

O meu pai e minha mãe,

Arnaud e dona Iraci,

Já venderam cereais

Na terra de Sander Lee

Na grande feira da terça

Da qual tratamos aqui.

Na feira de Itabaiana

Cantava Manoel Targino

Com o grande Ivo Soares

Poeta que o destino

Reservou tão pouca glória,

Genial desde menino.

Tangendo as notas singelas

E cantando como um sábio,

Vivia Manuel Xudu

Com harmonia no lábio

Ensinando poesia

A Sander Lee e a Fábio.

Eu costumava com gosto

Curiar a noite inteira

Ouvindo o grande poeta

No ruge ruge da feira

Tomando cana e zinebra

Comendo som de primeira.

Como as águas da nascente

Do meu rio Paraíba,

Essa poesia pura

Subia de céu arriba

Com a gente aqui na terra

Tomando mé de tubiba.

Porque depois de beber

Duas garrafas de cana,

A gente fica sensível

Com trovador tão bacana,

O mais hábil repentista

A cantar em Itabaiana.

Sander Lee:

Numa disputa insana

Vi Mocinha de Passira

Com Otacílio Batista

Incitando a sua lira

Lá na barraca de zinco

De seu Aurino caipira

A minha alma admira

Esses poetas cantores

Que se enfrentam nos versos

Como reais lutadores

E eu ainda os considero

Excelentes professores

Vi na feira agricultores

Vendendo a produção

Que tiveram em um ano

Por pouco mais de tostão

Confesso, Fábio Mozart,

Que doía o coração

Vem-me à recordação

O velho Cine Ideal

Porque no dia da feira

Que fato sensacional

Íamos à matinê

Pro faroeste banal

Mas não havia outro igual

Para aquela nossa infância

O tempo em que a força

Influi com tal petulância

E o cabra sabe de tudo

Apesar da ignorância

Como lembro a elegância

Da mulher de Belarmino

D. Rosita tratava

O cliente com tal tino

Que eu lhe tirava o chapéu

Ainda sendo um menino

O respeito é divino

Mas falo que a natureza

Pintou em Dona Jaíde

Espécime de beleza

Um caráter ilibado

Um emblema de pureza

Se a alma não está presa

Voa com muita alegria

Para lembrar de Galego

Um gestor que se dizia

Ser o prefeito do povo

E o dono da Malharia

Não existia Luzia

Magazine, é natural,

Mas se comprova na loja

De seu Arlindo Cabral

Que naquele tempo era

Vendedor fenomenal

Seu Lourenço do Jornal

Na bicicleta montado

Corria a cidade toda

Com ar de politizado

Porque lia as manchetes

Do Pasquim tão censurado

Deixam-me emocionado

Essas lembranças da feira

Dos montes de abacaxis

De cada mulher fateira

Da calçada da igreja

E da nossa bebedeira...

F. Mozart:

Essas lembranças da feira

No meu coração sensível

De alma triste e dolorida

Quase queimando o fusível

Desse trovador barato

Falando do impossível

Que é o pensar plausível

Do poeta de Assaré:

Prefeito sem prefeitura,

Isso impossível é;

Prefeitura sem prefeito,

Isso é verdade e dou fé.

Naquele tempo de Zé

Silveira e outros troianos,

A cidade, alvo de inveja

Dos irmãos pernambucanos,

Brilhava como Rainha

Conjeturando seus planos

De crescer todos os anos

No progresso social.

Criou raiz nessa terra,

Infelizmente, o mal.

Ganância e putrefação

Em virulência fatal.

É fim de feira, afinal,

O que se vê na cidade.

É rio fora do leito,

Desrespeito, crueldade.

E por capricho da sorte,

Vem tudo em duplicidade.

Quatro anos de maldade

É pouco, botam mais quatro.

Portanto, Itabaiana

Vai virando esse teatro

De cidade abandonada

Que assim mesmo idolatro.

Vive nesse anfiteatro,

Sempre humilde e paciente,

O meu irmão conterrâneo,

Uma beleza de gente,

Criativa, sonhadora,

Mas, infelizmente, crente

Em promessa renitente

De liderança fingida

Que vai pra feira comprar

Consciência amortecida

Por qualquer quatro tostões

O futuro delapida.

A juventude perdida

Na droga e alienação

Quer conectividade,

Acesso à educação,

Banda larga de justiça,

Tecnologia e pão.

Mas voltemos à visão

Da feira de Itabaiana

Que foi tese de mestrado

Em geografia humana

Na USP lá de São Paulo

Em tese provinciana

Que nossa lide explana

Nessa Pós-Graduação

De Eduardo Pazera,

Um mestre em educação,

Doutor em geografia

Que nos deixa uma lição

Sobre a socialização

Dessa feira nordestina,

Pois não é só compra e venda,

Conforme ele mesmo ensina,

Local privilegiado

Em relação cristalina.

Sander Lee:

Meu pensamento atina

Para uma briga na feira

No “Remanso do Luar”

Na ponta de uma peixeira

O escritor Reginaldo

Conta-nos dessa maneira

Na ala da macaxeira

Zé Carlos ficava olhando

As mulheres se abaixarem

O produto observando

Quando a saia levantava

Suas calcinhas mostrando

Agora estou lembrando

Da pomada milagrosa

A banha do Peixe Boi

Da ferida perigosa

Ao trauma psicológico

Que cura maravilhosa!

Uma cota caridosa

Seu João da Juventude

Para o Abrigo dos Velhos

Pedia com atitude

E a sacola enchia

Dizendo: “Deus lhe ajude!”

A memória não me ilude

A feira era uma festa

E no grande “Shopping Center”

Aquela gente honesta

Ali comprava de tudo

Numa ação imodesta

O pensamento me presta

Auxílio fenomenal

Ao ver Monsenhor Miranda

Fumando Continental

Revólver sob a batina

Aquele padre era o tal!

Muita cantoria havia

Na Feira do Bacurau

Os cantadores bebendo

Papuda com bacalhau

Haja prosa e poesia!

Parnaso de alto grau!

Também tinha o lado mau

Acorria o ladrão

Para vender os seus furtos

Na feira de troca, então

Quando a polícia passava

Era pau com as “duas mão”

Caminhão mais caminhão

Ali chegava de tuia

Os matutos assentados

Numa grade de imbuia

E o “quilo” da farinha

Era medido na cuia

O povo diz aleluia

Olhando tanta fartura

Uma colcha de retalho

Formava aquela estrutura

Ainda bem que a feira

É o fomento da cultura!

F. Mozart:

A broa, (que gostosura!)

O bolinho e o sequilho

De Antonio Felizardo

Manjares feitos de milho

Da culinária famosa

Passando de pai pra filho.

Era de se ver o brilho

Da feira hoje afamada,

Começava na segunda-feira

E varava a madrugada.

Na feira tinha de tudo

Pra gáudio da matutada.

Atravessava a cidade

Até às margens do rio,

Saindo da linha férrea

No inverno ou no estio,

Com sortimento abrangente

De candeeiro a pavio.

De feijão, de rapadura,

Sapato, roupa e colchão,

Fritas, legumes, arreios,

Mangaio, sela, gibão,

Tinha até freio pra gato

Como reza a tradição.

Até bainha pra foice

Se encontrava na feira.

Arroz doce de Luzia,

Essa afamada doceira,

Manjar da rapaziada,

Da culinária era esteira.

O bolo de seu Felipe,

O famoso requeijão,

Ficaram muito famosos

No mercado de então.

Tinha o picado de porco

Com lapada de quentão.

Uma outra tradição:

Carne torrada e toucinho,

Galinha de cabidela

Acompanhada de vinho

De caju ou jururbeba.

E o paletó de linho

Era a roupa predileta

Dos notáveis do lugar

Que, dizem, queimavam cédulas

De cem réis no lupanar,

Demonstração de riqueza

Do profano secular.

Sander Lee:

Já eu costumo dizer

Que pobre não passa fome

Na feira de Itabaiana

Com pouco dinheiro come

Macaxeira e batata

Por isso honro o seu nome

Nego enche o abdome

Naquele cair da tarde

Porque tudo entra “no queima”

E o preço baixo arde

Quando o homem pobre compra

Sua “feira” sem alarde

De fato não é covarde

A Feira da minha terra

Pela mão do agricultor

Desce o produto da serra

Milho, farinha, beiju

E a triste fome soterra

O bom cabrito não berra

Diz o dito popular

Mas o povo da caatinga

Tem na arte de falar

Sua grande valentia

É o jeito de abalroar

O poeta popular

Faz do verso a sua arma

Cabra forte, sem frescura,

Que desconhece o carma

Cada folheto que canta

A dor do povo desarma

A sua arte alarma

Prospectando cliente

Vai-se fazendo uma roda:

Gente ruim, gente decente,

Menino, velho, doutor,

Ateu, anarquista e crente

Seu cantar emoliente

Amolece o coração

Vai tocando cada alma

Aquela doce canção

Um circunstante decora

Um verso pra sedução

Depois eu volto a visão

Para a Feira de fato

Como é que coisa tão feia

Faz delicioso prato

Se juntar à fava branca

Abro a boca e dou um “trato!”

Minha origem é o mato

Ainda lendo Rousseau

E pra quem torce o nariz

Uma banana eu dou

Em Itabaiana é assim:

Se bateu, cabra, levou!

Sei que saudoso estou

Da minha terra tão bela

Aonde o bem-te-vi

Roubou a tinta amarela

Pra enfeitar sua roupa

E completar minha tela...

F. Mozart

A urupema e gamela

Simbolizando o mangaio

Marca maior dessa feira

Junto com couro e balaio

Com o mercadão do sexo

Na Rua 13 de Maio.

A memória, como um raio,

Leva à cena social

Dessa feira nordestina

Sua arte artesanal

Sua origem econômica

E cultura sem igual.

Começou com um curral

Antiga feira de gado

Da Itabayanna de então

Um simplório povoado

Às margens do Paraíba

Ficava localizado

No caminho do roçado

Para o brejo e o sertão

Dos vaqueiros tangerinos

Na longa penetração

Desse gado pioneiro

Para aquela região.

Dessa aglomeração

Surgiu este povoado

Nas margens de um bom rio

Matando a sede do gado

Florescendo uma aldeia

Como humilde arruado.

Depois do tempo passado

Desde a Missão do Pilar

Como nos conta a História

E cultura do lugar

Foi se formando esta feira

Que veio bonificar

O progresso do lugar

Com a sua economia

Onde vultosos negócios

Eram feitos todo dia

Sendo que na terça-feira

Chegava a mercadoria

Do varejo e hospedaria

Era aberta ao visitante

Que jogava seu dinheiro

Nesse meio circulante

Causando grande progresso

Essa riqueza abundante.

Economia arrogante

Dos reis do gado vacum

Que acendiam charutos

Ostentação incomum

Com notas de cem mil réis

Sem obséquio nenhum.

De batata a jerimum,

Carne seca, mel e fava,

Até panela de barro

Que o povo fabricava,

O comércio prosperou

Entre aquela gente brava.

Enquanto o gado desbrava

Criando prosperidade

Já a civilização

Chegava nesta cidade

Com jornais, livros, escolas

Dando notoriedade

Sander Lee:

Falo da sociedade

Na sua idade madura

A loja de Saturnino

Tinha grande estrutura

E no tempo de Nabor

Se conhecia fartura

Pecuária, agricultura,

Oriundas do lugar

Preenchiam o mercado

Suscitavam lupanar

Dinheiro corria a rodo

Diz Adauto (ao engraxar)

O sino a badalar

Anunciando a hora

Dona Amélia no mercado

Buscando a sua melhora

Bacalhau, carne de charque,

Embrulhava sem demora

Petronilo vende a tora

Para o palco circense

Dr. Washington ouvindo

Uma valsa vienense

Arnaud Costa estudando

Velha prática forense

Topada quase convence

Com o disco da Paixão

Zé de Joca passa ébrio

Dirigindo o caminhão

E a Dona Menininha

Ensina e vende Caixão

E toda fascinação

Vinha do Cine ideal

Anthony Steffen dispara

Com mira fenomenal

Vejo em Ennio Morricone

Maestro sensacional

Sophia Loren é real

À cobiça do menino

E a Brigittte Bardot

Faz do mundo feminino

Um céu nascendo na terra

Aguçando o meu tino

Lá vem seu Mané de Tino

Atrás de Artur Fumaça

A Barraca da Verdade

Cujo cerne é fazer graça

Baeta dá em Diaba

Uma pisa em plena praça

Zé Maria chama Graça

Para ajudar no cartório

Seu Silva impede Maurício

Reis ficar no dormitório

De ler o Israelzinho

Foi parar no sanatório

Pra que esse mictório

Perto da Delegacia?

Desmerece a cidade

E afasta a freguesia

Assim, Jair e Jaíde

Vão mudar a Drogaria

Vem o mágico Alegria

Tirar dinheiro da planta

Galinha de capoeira

Com inhame para a janta

Agora lembro Aderlindo

Bebendo whisky com fanta

A saudade agiganta

Toda essa minha memória

Não sigo a cronologia

Para contar a história

Vou oscilando entre os tempos

Sem a formal divisória

Ainda lembro a vitória,

Quando doze anos tinha,

De Batista Santiago

Que em cima do Jeep vinha

Como quem diz para o povo

Agora a ordem é minha

Itabaiana, a Rainha,

Que teve jornal diário

Atraía, certamente,

Quem tinha ardor literário

Mas ofertava também

O sal do seu balneário...

Na Feira de Itabaiana

Eu também vi esses cegos

De cantadores a pregos

Era um cenário bacana

De perfume a banana

De gelada a trancelim

De mágico a amendoim

O teatro da verdade

Que vendo a tua saudade

Suscitou saudade em mim

Contigo tomei cachaça

Nas barraquinhas de zinco

Uma beleza, não brinco,

Tanta peleja, que graça!

Esta saudade a traça

Jamais pode corroer

Meu pensamento a correr

Volta para aquela feira

Pra ele não há barreira

Que o impeça de ver

E vejo Arlinda do peixe

E vejo o homem borracha

Zé Mariano se acha

Vendendo feijão em feixe

Zé Costa com almofreixe

Lotadinho de Cordel

Penca Preta no bordel

Bebendo cana com fava

E Fábio Mozart estava

Trabalhando o seu cinzel

Vi seu Luis do feijão

Joca da carne de charque

As putas no desembarque

Vi Berto da União

Vi bucho, vi camarão,

Zé Dudu do Botafogo

Vi o marchante Pirogo

O café do Teve Jeito

Carioca do confeito

E seu Adonis do jogo

Tem inhame, macaxeira,

Tem a feira do mangaio

Inda se vende balaio

Cinturão e cartucheira

Tem sela e tem peixeira

Quartinha, forma de barro

Bêbado com quem esbarro

Se tudo isso carrego

Mas é a visão do cego

A mais forte que agarro.

F. Mozart:

Na feira de Itabaiana

Vi uma papagaiada:

Uma mulher deslumbrada

Comprando voto e banana

Feito cobra caninana

Carregando um deputado,

Um locutor, um soldado

E dezoito puxa-sacos.

Passeata de macacos,

Comício mal ajambrado.

Vi um pobre condenado

Pedindo esmola na cuia.

Fruta podre aquela tuia,

Sujeira pra todo lado.

Um surdo-mudo calado

Com vontade de cantar,

Balançando o maracá

Numa pancada bacana.

Na feira de Itabaiana,

Uma é ver outra é contar.

Vi carne no alguidar,

De bode, boi e galinha,

Vi Maria e vi Aninha

Vendendo seu munguzá.

Vi Joquinha do Preá

Assando carne de charque,

Vi Tadeu no desembarque

De uma venda, bebinho.

Vi Luciano Marinho

Sivucando lá no parque.

Eu vi Jessier Quirino

Mangando da matutada

Em fantasia ilustrada

Com astúcia de menino,

Falando de Zé Granfino

Até o Biu Penca Preta,

Mostrando toda faceta,

Paisagem do interior.

Eu vi tudo, sim senhor,

Vi até a coisa preta

De Buliu, a espoleta

Do cabaré de Topada.

Avistei minha moçada

Porque parei a ampulheta

Do tempo, numa mutreta,

Num lance mágico criar

Um protótipo, avatar

Do genial Pingolença

Reafirmando a crença

Do feitiço do lugar.

Vi Pingolença na feira

Fazendo seus belos truques

Entre toada e batuques,

Com a morena faceira

Que é a porta-bandeira

Dos índios de seu Mocó.

Um palhaço que tem dó

Da rapariga rameira,

Perseguida, peniqueira

Do tempo de minha avó.

Vi o branco paletó

Do compadre Zé Ferreira

Andando no meio da feira

Afinando o mocotó

Escutando o arigó,

Receitando uma meizinha,

Comprando fava e farinha

Pra alimentar Sanderli

Tudo isso aqui eu vi

Com olhos da Carochinha.

Eu vi no meio da feira

Meu compadre Gilberlan,

Um cabra de quem sou fã,

Um caboclo de primeira

Aparando a cabeleira

Do batuqueiro Davi,

Marido de Sueli,

A professora de dança,

Mulher de perseverança

Pelo folclore daqui.

Vi Joca da Juventude

Com Lourenço do Jorná

Num tremendo bafafá

De grande magnitude

Cobrando certa atitude

Do prefeito “Meu querido”

Em um tremendo alarido

Por causa de uma fatura

Não paga na Prefeitura

Referente a pão dormido.

Vi caboclo alienado

Sendo discípulo e devoto,

Confiando, além do voto,

O seu pensar amestrado,

Como cativo e soldado

De político venal,

Trocando um quilo de sal

Pelo voto mercenário.

Esse povo salafrário

É raiz do nosso mal.

Na feira de Itabaiana

Avistei Zé Cu de Taba

Derramando aquela baba,

Enchendo as tripas de cana.

Zé Carniça se abana

Com abanador de palha

Adquirido na tralha

Desse Lula do Mangaio,

Vereador que é raio

Na rapidez da batalha

Porque ele nunca falha

Em ajudar a pobreza.

Encontrei João Pé de Mesa,

Afiando uma navalha

Pra cortar bucho canalha

Que com ele se meter.

Vi um poeta beber

Cachaça lá em Ponei

Arripunando da lei,

Sofrendo sem merecer.

Esse poeta altaneiro

Atende por Eliel,

Faz poesia a granel

De assunto corriqueiro,

De saudade anda cabreiro

Com banzo de sua terra.

O bom cabrito não berra

Mas canta verso afinado.

O poeta é um danado

E sua língua não emperra.

Benedito da Maloca

Mais Beto da União

Com Moacir do Caixão

Eu vi na feira de troca

Com a bexiga taboca

No comércio de cigano.

Avistei Beto Palhano

Tomando mel de tubiba,

Rua abaixo, rua arriba,

Com fardado e com paisano.

Sander Lee:

Lá no antigo mercado

Zé comia na barraca

Para matar a ressaca

E Saturnino, abastado,

Tomava cana com ‘gado’

E caldinho de feijão

Crepitava o tição

Num velho fogão lareira

Em Itabaiana, que a feira

É a maior da região

A Dona Laura, da venda,

Que é a mãe de Neizinha

Vende a melhor farinha

Rapadura pra merenda

Um bom queijo de fazenda

Milho, tempero, agrião

A minha satisfação:

Caldo de cana caiana

Que a feira de Itabaiana

É a maior da região

Pedro da mercearia

Tem grande variedade

E tudo que é novidade

Ele traz com alegria

A Dona Amélia sorria

Vendendo mel e sabão

Manoel Sebastião

Um matuto de primeira

Em Itabaiana, que a feira

É a maior da região

Zé Cobal sagaz despista

Do severo olhar do pai

E se escondendo vai

Na velha ‘Loja Paulista’

Arnaud, o grande cronista

Não perde a ocasião

De ouvir um bom baião

Comprando uma porcelana

Que a feira de Itabaiana

É a maior da região

O Nelson Mamão Furado

Examinando o leite

Nega logo o seu aceite

A quem tem adulterado

Chama Batalhão, soldado,

Pra resolver a questão

Derrama o leite no chão

Perto da mulher rendeira

Em Itabaiana, que a feira

É a maior da região

Em Tonha, fina modista

A juventude vestia

Para lá também eu ia

Consultar a estilista

Vestir-me feito um artista

Era uma sensação

Boca de sino, blusão

E uma fala urbana

Que a feira de Itabaiana

É a maior da região

O pai de Damião Ramos

Era modista também

Ali sem comprava bem

A lembrança conservamos

Que algum dinheiro juntamos

Compramos com emoção

De veludo um macacão

Lá na Loja “A Barateira”,

Em Itabaiana, que a feira

É a maior da região

F. Mozart:

Você nunca mais glosou

Nem louvou Itabaiana

Ficou com medo do ronco

Da onça suçuarana

Poeta ruim é assim

Fala fino e não me engana

E nessa luta insana

Vou lhe puxar a terreiro

Pra fundar academia

Pelo mês de fevereiro

Do ano 2015

Vá afinando o pandeiro.

Sander Lee:

Mozart, meu canto é ligeiro

Feito colibri no ar

Se esse tal de direito

Tem me impedido cantar

Mas com as férias chegando

Irás ver o que é glosar

.

Meu canto é de espantar

O mais portentoso vate

Impressiona uma estátua

E um cachorro que late

E quem gostar de bom ouro

Terá o melhor quilate!

F. Mozart:

Então ficamos empate

Nesse joguinho de rima

Porque na minha viola

Futucando a corda prima

Sai cada som de repente

Que até velório anima.

Rua abaixo, rua acima,

Vamos vender o cordel

Que poesia matuta

Tem gosto de doce mel

Tanto é benquisto na igreja

Como aclamado em bordel.

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Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 19/07/2015
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