CANUDOS RELIGIÃO OU FANATISMO

Tenho escrito muitos versos

Por este chão brasileiro

Sobre lenda, cantadores

Histórias de cangaceiro

Mas neste eu quero mudar

Porque pretendo falar

Sobre Antônio Conselheiro.

Um beato brasileiro

Nascido no Ceará

Tornou-se bem conhecido

Por viver a mendigar

Proferindo seus sermões

Reunindo multidões

Para bons conselhos dar.

Em resumo vou contar

Onde Conselheiro andou

Quem eram os seus parentes

Com quem tanto ele brigou

Mas terminou consagrado

E foi homenageado

Por tudo que praticou.

Houve quem imaginou

Que Conselheiro era ruim

Justificando porque

Ele teve um triste fim

Até debocharam dele

Mas pessoas como ele

Sempre tem um triste fim.

Lá em Quixeramobim

Antônio Mendes nasceu

Nos sertões do Ceará

O Conselheiro cresceu

Cheio de felicidade

Mas aos seis anos de idade

A sua mãe faleceu.

A familia conheceu

Que ele era decidido

Bom amigo, bom irmão

Ótimo filho e marido

Extremamente educado

Mas quando estava enfezado

Era igual leão ferido.

Era muito conhecido

Pela força e honradez

Apesar dos sofrimentos

Muitas coisas ele fez

Honestamente viveu

E quando seu pai morreu

Ele agiu com altivez.

Assumiu de uma vez

Os negócios sem malícia

Casou-se com uma prima

Logo espalhou-se a notícia

Que o deixou desiludido

Pois ela tinha fugido

Com um soldado da policia.

Logo ele virou noticia

Andando pelo sertão

Vagando pelas cidades

Fazendo sua pregação

E foi se tornando velho

Anunciando o Evangelho

Buscando sua salvação.

Famílias pelo sertão

Seguiram o Conselheiro

Que reformando capelas

Ganhavam algum dinheiro

Para comprar alimentos

Outros tantos provimentos

E não virar bandoleiro.

Com os fiéis, sem paradeiro

Entrava em cada cidade

Mostrando às multidões

Sua popularidade

Arrebanhando seu povo

Do idoso ao mais novo

Guiando-os à verdade

Já vinte anos mais tarde

Sua peregrinação

Rompeu o sertão baiano

Seguindo em oração

Sofrendo toda mazela

Lá ergueram uma capela

Pra cumpri sua missão.

Habitantes do sertão

Seguiam o pregador

Os pobres desesperados

Viam nele um Salvador

Até que numa «corrutela»

Pra aumentar a novela

O desfecho começou.

O vigário não deixou

Ele fazer pregação

E pelas autoridades

Sofrendo perseguição

Começou o seu revés

Fugindo com seus fiéis

Em prol da população.

Soube da perseguição

Dos governos federais

Cobrando altos impostos

E taxas municipais

Por todo chão brasileiro

Enraivou-se o Conselheiro

E queimou os editais.

Um juiz e policiais

Foram logo informados

E pediram um batalhão

Com trinta e cinco soldados

Para enfrentar o revés

Mas Conselheiro e os fiéis

Já estavam preparados.

E o combate foi travado

Na cidade de Tucano

Acabando de uma vez

Com aquele maldito plano

Tendo como resultado

O tenente e os soldados

Terem entrado pelo cano.

Pressentindo um novo plano

Para serem atacados

Conselheiro com os seus

Seguiram preocupados

Levando família e tudo

E nas terras de Canudos

Acamparam bem cansados.

Num terreno abandonado

De um local quase deserto

Construiram suas casas

Ali era ponto certo

Fariam seu paradeiro

Com Antonio Conselheiro

Residindo ali por perto.

Outrora aquele deserto

Foi um grande catingueiro

E apesar de longas secas

Era muito hospitaleiro

Ali naquele horizonte

Nascera o Belo Monte

Cidade de Conselheiro.

Ele organizou primeiro

Cada grupo uma função

Começaram a produzir

Mandioca, milho, feijão

Na pecuária também tinha

Bovino, cabras, galinha,

E porcos na criação.

Vigias de prontidão

Com suas armas de lado

Também na lida diária

Foice, facão e machado

E não havia o descarte

De espingarda e bacamarte

Com tudo bem ajustado.

Também era organizado

O trabalho artesanal

Faziam roupas de couro

Cestas, redes e bornal

Das mulheres esses brilhos

E cuidavam dos seus filhos,

Tudo era natural.

As casas eram de pau

A pique e amontoadas

As ruas eram labirintos

De formas desordenadas

Armadilhas verdadeiras

Para servir de trincheiras

Caso fossem atacadas.

Era comum a chegada

De flagelados romeiros

Criminoso arrependido

Pobres, velhos e romeiros

Prostitutas, lavradores

Pequenos agricultores

Artesãos, até padeiros.

Procuravam Conselheiro

Por comida e por trabalho

Mas Antônio para eles

Era sempre um quebra-galho

Conselheiro os apoiava

E a todos auxiliava

Com pão, comida e agasalho.

Conselheiro com trabalho

Cativava essa gente

Fazendo o mal virar bem

Convertendo ateu descrente

Com meisinha milagrosa

Convertendo alma nervosa

Cuidando corpo doente.

Estava sempre presente

Na capelinha rezando

Cercado dos seus romeiros

A todos aconselhando

Naquela comunidade

Tudo em total liberdade

Quatro anos íam passando.

A religião pregando

Ensinando o bom caminho

Tratava bem seus romeiros

Com zelo, amor e carinho

Sem trapaças, sem engodos

E por isso era que todos

O chamavam de Santinho.

Crescia pelo caminho

A fama do conselheiro

Aumentava as romarias

Vindas do sertão inteiro

Chegavam em profusão

Em busca de proteção

Vindo até do estrangeiro.

O instinto interesseiro

A cobiça e a proteção

Dos que nada produziam

Em prol da população

Vinham também no roteiro,

E por isso o Conselheiro

Se pôs em observação.

Contra aquela situação

A igreja se levanta

E por causa do beato

Que aos romeiros encanta

Vai descaindo em revés

Por perder os seus fiéis

Fugidos pra Terra Santa.

Até o bispo de espanta

E cria uma comissão

Praexaminar o «porquê»

De tamanha devoção

Para acabar os boatos

E esclarecer os fatos

Depois da investigação.

O beato, sem razão,

As suas ordens perdeu

Foi suspenso pelo bispo

O povo se enfureceu

Ficaram enfurecidos

Contra os votos recebidos,

Mas Antônio obedeceu.

As ordens que recebeu

Era que naquele instante

Saísse daquelas terras

Para viver bem distante

Por descalabro tamanho

Estaria sem rebanho

Daquela hora em diante.

Veio um padre doravante

Para aquela região

Substituir Antõnio

Porém a população

Com o bispo revoltada

Enfrentou com mão armada

Foi a maior confusão.

Houve uma revolução

Onde morreu até gente

Defendendo Conselheiro

Num fanatismo doente

Mais e mais se revoltavam

Sem saber que praticavam

Uma luta inconsciente.

Conselheiro persistente

Continuava rezando

Cercado de sertanejos

A todos aconselhando

Contra ação violenta

Nessa batalha sangrenta

Por qual estavam passando.

O tempo foi se passando

Nessa situação tensa

Aumentando as romarias

Engrossando a desavença

Provocando desespero

Enquanto o Conselheiro

Esperava a recompensa.

Voltou com sua sapiência

Em Canudos acolhido

E chegando em Belo Monte

Foi muito bem recebido

Com orações e louvores

Por todos os seguidores

Solenemente aplaudido.

Um carrego adquirido

De madeira em Juazeiro

Para cobrir a igreja

Feita pelo Conselheiro

Foi pago o combinado

Mas depois de acertado

Nem madeira nem dinheiro.

O povo de Juazeiro

Quando soube da notícia

Preparou-se alarmado

Para enfrentar a polícia

Em defesa da cidade

Temendo uma calamidade

Por parte da tal malícia.

Mas não passou de notícia,

Ninguém foi a Juazeiro

O juiz e um tenente

Por um plano traiçoeiro

Saquearam Uauá

Fazendo o povo pensar

Ser obra de Conselheiro.

De todo lado romeiros

Atacaram o batalhão

Armados de espingarda

Foice, pistola, facão

Rifle, revólver, punhal

Até pedaço de pau

Bacamarte e mosquetão.

No final da confusão

O grupo foi derrotado

João Grande venceu a vários

Ficando muito cansado

Por vencer o inimigo

Dizendo:- Desse perigo

Estamos aliviados.

Pajeú endiabrado

Lutava valentemente

A sua faca afiada

Degolava muita gente

Soldados iam morrendo

No momento mais horrendo

Diziam:- Seja clemente!

Todos os sobreviventes

Pediam logo perdão

Porque foram enganados

Sofrendo forte pressão

Se os outros provocavam

Na luta eles entravam

Não podiam dizer não.

Beatos de prontidão

Começaram a lutar

Com tanta arma no corpo

Alguns mal podiam andar

Foi morto pra todo lado

E em pânico os soldados

Correram pra debandar.

Na cidade de Uauá

Nenhum soldado voltou

Luis Viana ainda disse:

«Essa guerra não findou

Quem pensar assim que pense,

Ah, malditos canudenses.

Vocês não sabem quem sou!»

Major Febrônio «surtou»

Ensaiando a pontaria

Canhôes e metralhadoras

Até que chegou o dia

De mandioca virar nabo,

A porca torcer o rabo

E ver onde o gato mia.

A volante chegaria

Com seiscentos soldados

Conduzindo boas armas

Munições, homens treinados

Gente daqui e de além

e os canudenses também

Esperavam bem armados.

Tiroteio começado

João Grande se destacou

Tinha a rapidez do raio

Um só tiro não errou

Caia dois de uma vez,

Pelo estrago que fez

Conselheiro o admirou.

Pouco tempo se passou

Em local muito distante

Uns beatos numa estrada

Toparam com a volante

Uns cabras desassombrados

E o combate foi travado

Violento e fulminante.

Com a equipe já arfante

E a matança terminada

Tendo sido perseguidos

Dia e noite pela estrada

Todos com a cara no pó

A equipe do major

Saiu toda derrotada.

Outra tropa avançada

Mas só balas recebiam

Uns agarrados aos outros

Como laranja caiam

Sem saber como, morrendo,

Nada estavam entendendo

Quem atirava não viam.

Nada eles conseguiam

Como loucos atiravam

Por ordens do Coronel

Toda Canudos cercavam

Totalmente alucinados

Porém caiam varados

Todos os que avançavam.

O Coronel presenciava

Toda aquela mortandade

Recuou com sua tropa

Deixando morta a metade

Os vivos já bem cansados

Foram saindo humilhados

Não retornando á cidade

Meses depois, na verdade

Mais ataques receberam

Como das primeiras vezes

Os que avançaram morreram

Os outros vendo a desgraça

Na fome, frio e chalaça

Deixaram a luta e correram.

As romeiras e romeiros

Estavam encurralados

Passando ali vários dias

Numa vala entrincheirados

Como feras acuadas

Sempre muito bem armadas

A espera de soldados.

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 12/07/2015
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