SANTA DICA DE LAGOLÂNDIA - UMA LENDA GOIANA

Meu Brasil cheio de lendas

Sempre a me surpreender

Nos lugares onde eu passo

Sempre há uma a conhecer

E há notícias de outras mais

Dessa vez é de Goiás

A que eu quero descrever.

Não é só de ouvir dizer

Nas paradas pela estrada

A lenda do Boi de Ouro

Também é bem comentada

No Estadão de Goiás

E eu pretendo com outras mais

Um dia deixar registrada.

Mas essa história passada

Que em lenda se transformou

Não é conversa fiada

Nem causo de interior

Contado por brincadeira,

É história verdadeira

Que envolve fé e amor.

Quando tudo começou,

Mil novecentos e três

Dezessete de janeiro

O dia, o ano e o mês,

Nasce uma linda menina

Para cumprir sua sina

Que a natureza lhe fez.

Com sete anos, talvez,

Pouco menos, pouco mais,

A menina esmoreceu

Perdeu seus sinais vitais

O seu corpo enrijeceu

A tez empalideceu

Sem dar de vida sinais.

Pirenópolis, Goiás,

Este fato aconteceu

Na Fazenda Mozondó

Onde a menina nasceu

Onde ocorreu esse fato

E em versos faço o relato

Do jeito como se deu.

Benedita o nome seu

Sobrenome Cipriano

Gomes, apelido Dica

Um nome bem soberano

Que fez história na vida

E é muito conhecida

Naquele sertão goiano.

Voltando ao primeiro plano

A morte da inocente

Ao preparar-lhe a mortalha

Sentiram o corpo tremente

Teso mas suando frio

E em três dias ressurgiu

Viva da morte eminente.

Assim repentinamente

A notícia se espalhou

Como se fosse um milagre

Que ali se realizou

E aquela humilde morada

Antes pouco visitada

Em um caos se transformou.

De todo interior

Fosse em qualquer direção

Apareciam romeiros

Pedindo cura e oração

À criancinha inocente

Que virou pra toda gente

Uma tábua de salvação.

Entre fé e devoção

Feitiço, cura e meisinha

Benedita foi crescendo

Foi se tornando mocinha

E naqueles arredores

Legiões de adoradores

Até de bem longe vinha.

E a romaria advinha

De toda parte do Estado

Até de Minas Gerais

Que era bem aproximado

Em suas terras se instalando

De tanta gente chegando

Já formou-se um povoado.

Por ela era comandado

Toda leva de romeiro

Logo tornou-se uma líder

Pra todo e qualquer «diqueiro»

As regras instituiu

E o primeiro que aboliu

Foi o uso do dinheiro.

Fariseu interesseiro

Atrás de vender santinho

Se fosse praqueles lados

Já voltava do caminho

Pois ela não admitia

Negócio em qualquer quantia

Nas terras do seu domínio.

Recebia com carinho

Todos que ali chegava

Rezava missa inteirinha

Bons conselhos ela dava

Fazia curas milagrosas

Doenças mais perigosas

Com reza ela curava.

Precisando ela operava

Sozinha, sem ajudante

Com a ajuda de Dr. Fritz

Sem ferramenta cortante

Recebia com certeza

O espírito de uma princesa

E também de um comandante.

Uma cristã praticante

Dotada de realeza

A chegada do Messias

Esperava com certeza

Pra trazer com sua crença

Cura pra toda doença

Fim para toda pobreza.

Foi assim que sem surpresa

Ela conseguiu unir

Mais de quinze mil fiéis

Dispostos a lhe seguir

Entre eles, mil e quinhentos

Com fardas e armamentos

Pra sua vida garantir.

Quem se acercasse dali

Seria revistado em tudo

Todo aquele contingente

Virou tema para estudos

Políticos inconformados

Viu naquele aglomerado

Uma Segunda Canudos.

Dica indiferente a tudo

Seguia sua missão

Atraindo mais fiéis

Do Cerrado ao Chapadão

De Mato Grosso e Goiás

Bahia e Minas Gerais

Chegavam em profusão.

Aquela situação

Incomodava a imprensa

Jornais goianos, mineiros

Taxavam de desavença

Contra a religião

Até o clero em questão

Achava aquilo imprudência.

Dica em sua inocência

Continuava a missão

Rio do Peixe em suas terras

Foi chamado Rio Jordão

Seus seguidores com fé

A protegiam de qualquer

Tentativa de prisão.

Polícia na região

Se declarou impotente

O governo do Estado

Mandou logo um contingente

Pra Dica capturar

Aos seus fiéis desarmar

E desmanchar o ambiente.

O clima ali ficou quente

Com aquela situação

O chumbo cortava os ares

Vindo em toda direção

Dica para os amparar

Mandou a todos cruzar

As águas do Rio Jordão.

Com toda essa confusão

Daquele espernegue feio

Apenas três defensores

Morreram no tiroteio

Pois as balas se encontravam

E no impacto faiscavam

Com Santa Dica no meio.

Contam que no tiroteio

As balas se dirigiam

Ao encontro do seu corpo

Batiam nela e caíam

Ela não se defendia

Chumbo que nela batia

No solo se derretiam.

Quanto mais a perseguiam

Mais a luta era em vão

Os fiéis a defendiam

No meio da confusão

Mas não adiantou nada,

Ela foi capturada

E levada pra prisão.

Porém a população

O governo pressionou

Depois de investigações

O justiça não encontrou

Nada que a incriminasse

E terminando o impasse

Santa Dica liberou.

Ainda condecorou

Isso é fato verdadeiro

Com a patente de cabo

Do Exército Brasileiro

Com ela foram fardados

Quatrocentos comandados

Com sentido missioneiro.

Seu povo era muito ordeiro

Mal sabia se expressar

Uma palha em um dos pés

Ela mandou amarrar

Para ensinar a gentalha

Pé com palha, pé sem palha

Para aprenderem a marchar.

Dica resolveu casar

Aos vinte e cinco de idade

Seu marido em Pirenópolis

Foi prefeito da cidade

E cinco filhos depois

Ainda adotou mais dois

Pra sua felicidade.

Com muita capacidade

Seu marido, um jornalista,

E a tropa dos «pés com palha»

Participa e conquista

Com Dica na direção

Da grande Revolução

Constitucionalista.

Jornais e até revista

Chegaram a publicar

Uma cena inusitada

Na Ponte do Jaraguá

A ponte estava minada

E Dica com sua cambada

Teriam que atravessar.

Dica então mandou vendar

Os olhos dos seus soldados

Foi passando um por um

Tomando muito cuidado

Sem uma bomba estourar

Até o último passar

O rio para o outro lado.

E tendo todos passado

Sem uma bomba explodir

Chegaram os inimigos

Começaram a investir

Querendo a ponte cruzar

Dica começou rezar

E viram a ponte ruir.

Muitas conversas ouvi

Sobre Dica e seus diqueiros

Enfrentou Coluna Prestes

Duelou nos tabuleiros

Evitou que eles passassem

Por Goiás e duelassem

No Triângulo Mineiro.

Muito contam seus diqueiros

De tudo que ela fazia

Como andar sobre as águas

Gente que sobrevivia

Depois de já ter morrido

E outros acontecidos

Que à boca rota corria.

Até que chegou o dia

Do seu juízo final

Mil, novecentos setenta

Acometida de um mal

Em Goiânia, bem me lembro

Dia nove de novembro,

Está escrito em edital.

Fizeram seu funeral

Como ela desejou

Nas terras de Lagolândia

Povoado que ela criou

Sob uma gameleira

Aquela santa guerreira

Finalmente repousou.

Esse local se tornou

Um centro de romaria

Uma praça e duas ruas

Onde gente todo dia

Vem rezar agradecida

Por uma graça recebida

E até por idolatria.

Hoje sua moradia

É igreja com altar

Santa Dica é uma imagem

Para todos adorar

Seu túmulo edificado

Num local bem sombreado,

Que a gameleira está lá.

Mandaram edificar

Na praça um monumento

Com a estátua de Dica

Perante um solene evento

Pirenópolis é orgulhosa

De ter uma milagrosa

No seu reconhecimento.

Hoje é grande o movimento

Por aquela região

Lagolândia, Pirenópolis

Mozondó e Rio Jordão

Terra de gente fiel

E em poesia de cordel

Eu fiz minha narração.

Brasília, 17/01/2015

SÉRIE LENDAS BRASILEIRAS - VOLUME 29

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 12/07/2015
Reeditado em 20/11/2022
Código do texto: T5308311
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