MORTE DE LUCAS DA FEIRA

Falei de Lucas da Feira

Em outro cordel passado

Um escravo cangaceiro

Que teve um braço amputado

Pelos regimes insanos

Já com quarenta e dois anos

Antes de ser executado.

Na senzala foi criado

Num engenho da Bahia

Um jovem de liderança

Que crescia dia a dia

Mesmo sem educação

Aos pais pedia a bêncão

Todo dia com alegria.

A família recebia

Maus tratos por todo lado

Com isso Lucas da feira

Tornou-se tão revoltado

Que a ninguém obedecia

De vez em quando fugia

Quando estava agitado.

Ficou no mato entocado

Em casa não voltou mais

A escrava Dona Maria

Sofria muito sem paz

O seu pai também chorava,

Por ele o filho voltava,

Mas ele não voltou mais.

Por aqueles carrascais

Seu destino proclamou

Lembrando os pais que sofriam

Sem saber onde ele andou

O capitão perseguia

Porém ele prosseguia

Com a vida que sonhou.

Outros negros convidou

Para se organizar

Não quis ir para o quilombo

Pois queria se vingar

Daqueles que o torturavam

Muitas vezes o surravam

Por prazer de maltratar.

Na mata a perambular

Esqueceu a escravidão

Por certas necessidades

Lucas tornou-se um ladrão

Roubava propriedades

E animais nas herdades

Pra sua alimentação.

O terror da região

Com vinte anos de idade

Fugitivo e perseguido

Só queria liberdade

Isso ele não conquistou

E revoltado ingressou

Na vil criminalidade.

Formou uma sociedade

De forasteiros temidos

A maioria eram negros

Todos escravos fugidos

Do ferro e peia nos lombos

Até mesmo de quilombos

Onde estavam protegidos.

Saqueadores temidos

Não conheciam fraqueza

Assaltavam as famílias

Rodeadas de riqueza

Roubavam o que conseguia

E os roubos repartia

Sem nenhuma avareza.

Os senhores da riqueza

Com um ódio que explodia

Inquietos com os roubos

Que o bando cometia

Se reuniram enfim

E resolveram por fim

Àquela selvageria.

Quando um do grupo caía

Nas mãos desses potentados

Esses negros tão valentes

Seriam logo enforcados

Chegando ao fim da carreira

E seus corpos na fogueira

Seriam logo queimados.

Os crânios eram postados

Num poste em exposição

Outros foram dizimados

Com ódio e perseguição

O cerco foi se fechando

E Lucas se desviando

Escapando da prisão.

Durante a perseguição

O negro Lucas da Feira

Encontrou-se com um homem

Conhecido por Ferreira

Sujeito sem coração

Que assassinou um peão

Com pauladas na moleira.

O tal Cazumbá Ferreira

Da justiça era empregado

Mas por causa desse crime

Do cargo foi afastado

Entrando na capoeira

Juntou-se a Lucas da Feira

Como foi aconselhado.

Porém o falso aliado

Soube da premiação

Quem capturasse Lucas

E levasse pra prisão

Bom conceito ganharia

E ainda receberia

Pomposa compensação.

Já se sabe que a traição

Nem Jesus pôde livrar

Lucas já desconfiava

Até da sombra ao andar

Mesmo no mato fechado

A traição estava ao lado

Com o nome de Cazumbá.

Esse resolve entregar

Lucas para um pelotão

Em troca de quatro contos

E da sua remissão

Pois se isso acontecia

O tal Cazumbá teria

Do juiz o seu perdão.

Fazia parte da traição

Dividir todo dinheiro

Com todos da captura

Do tal Lucas desordeiro

Com a intenção de incentivar

Quem pudesse tocaiar

Pelo mato o tempo inteiro.

Viram um vulto num palheiro

Caminhando cauteloso

Olhando desconfiado

Pois o negro era tinhoso

Mas de repente esquivou-se

E numa moita abrigou-se

Igual um cão bem raivoso.

Um estalido nervoso

Chamou do negro atenção

Pois estando sempre alerta

Viu uma movimentação

E saiu em disparada

Entrou na mata fechada

Conseguindo a salvação.

Mas numa contradição

O Lucas foi baleado

Deixou sua arma e fugiu

Para não ser massacrado

Seu sangue marcando o chão

Por isso sua prisão

Era um fato consumado.

Por Cazumbá foi cercado

Fortemente perseguido

Ainda fecharam o cerco

Mas ele havia fugido

Por estar debilitado

Foi finalmente encontrado

Porque havia fugido.

Escutaram um gemido

Onde Lucas se escondia

Logo um tiro lhe acertou

Onde outro já havia

Ele caiu desmaiado

Por isso foi agarrado

Sofreu muita tirania.

Padecendo de agonia

Pra vila foi carregado

No outro dia o ferimento

Já estava gangrenado

Devido o tiro atingido

Onde já estava ferido,

Por isso foi amputado.

O seu braço foi cortado

Por médico da região

Ali na vila de Feira

Na frente da multidão

Mesmo forte como um bravo

Todos riam do escravo

Que sofreu mutilação.

Quando soube da prisão

Dom Pedro então desejou

Conhecer o desordeiro

E ele foi pra Salvador

De lá pro Rio de Janeiro

Viagem de um mês inteiro

Por ordem do Imperador.

Quando do Rio voltou

Novo juri foi formado

Confirmando-se a sentença

Em que Lucas foi julgado

Por jurados escolhidos

Então ficou decidido

Que ele seria enforcado.

Joaquim Cordeiro apontado

E de carrasco serviu

Na hora do enforcamento

O condenado ainda riu

Deixando o povo abismado

Dos olhos do enforcado

Nenhuma lágrima saiu.

Pois Lucas muito insistiu

Pra nessa terra lutar

Pelos escravos irmãos

Toda a vida sem parar

E teve um final tão vil

Mas a história do Brasil

Ninguém poderá mudar.

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 12/07/2015
Reeditado em 14/07/2015
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