O DIABO BRASILEIRO

I

O príncipe dos demônios,

Numa reunião mensal

Que já era sistemática

Naquele reino infernal,

Após ler o relatório,

Que vinha do purgatório

Ficou bravo no final.

II

Sendo ele o autor do mal,

Cujo nome era Glutão,

Intrigou-se c’oa pesquisa

Quis saber por que razão

Infernos eram lotados

Por cem mil homens casados

Pra cada um só solteirão.

III

Ninguém deu explicação

E assim foi deliberado

Que um dos diabos haveria

De ser no mundo encarnado;

Uma moça escolheria,

Com ela se casaria

Para ser homem casado.

IV

Na mesa jogou-se o dado

Pra ver a sorte primeiro,

Porém esta recaiu

Sobre um diabo brasileiro

De todos já conhecido,

Por ser o nosso querido

Vampiro Bento Carneiro.

V

O Bento aceitou ligeiro,

Afinal quem que não quer

Desposar uma donzela

Para torná-la mulher?

O Carneiro veio ao mundo

Com o nome de Raimundo

Para o que der e vier.

VI

Sem titubear sequer,

Já renasceu com saudade,

Aparentando somente

Trinta anos de idade,

Mas naquele vem e vai,

Escolheu o Paraguai

Para achar sua beldade.

VII

Assunção foi a cidade

Por ele bem escolhida,

Lá depressa enamorou-se

De uma índia querida

E com ela ele casou-se,

Degustou o que era doce,

Veio amargura em seguida.

VIII

A mulher era enxerida

E bastante fofoqueira,

Além de não trabalhar

Era muito gastadeira,

Tanto que o dinheiro

Do pobre Bento Carneiro

Não parava na algibeira.

IX

Por ser brava e grosseira

Não havia empregado

Que suportasse a patroa

Naquele belo sobrado,

Mas o Bento por ser bom

Pagava até o batom

Que era desperdiçado.

X

Tempos depois, saturado,

Bento resolveu fugir

E, assim deliberando,

Após o sol ressurgir

Ele foi pra outras bandas

Atrás de samba e cirandas,

Sem pensar mais no porvir.

XI

Mas como antes de partir

Achava-se endividado,

(Por causa de sua bela)

Ele foi logo cobrado

Por todos os seus credores

E teve só dissabores,

Sendo até processado.

XII

Fugindo desesperado,

Encontrou-se com Dirceu,

Homem culto e ladino

Que ajudar-lhe prometeu,

Escondendo-o no palácio,

Pois que assim achou fácil,

Fez tudo ao alcance seu.

XIII

No país que o acolheu,

Bento Carneiro contou

Sua origem e quem era

Para quem o amparou,

Prometeu enriquecê-lo

Com afinco e desvelo;

Era um diabo, confessou.

XIV

Quase um mês se passou

E uma notícia correu,

Que a filha de um padre

Com o Diabo se entendeu;

Ela estava possuída,

Jurando dar sua vida

Pra reaver o que perdeu.

XV

O seu pai era o Dirceu,

Ex padre excomungado,

Mas ele clamou a Bento

Este veio de bom grado

Dizendo: - Vou resolver

Seu problema, mas vai ser

Conforme o combinado.

XVI

“Eu lhe pago até dobrado,”

Disse ao Bento o ministro,

“Só quero ver minha filha

Liberta desse malquisto!”

Respondeu o Diabo Bento:

- Liberto-a num momento,

Embora eu não seja Cristo.

XVII

Entretanto, depois disto

Eu voltarei ao inferno,

Onde eu sempre fui feliz

No verão e no inverno,

Porém antes da eleição,

Vou estar junto ao povão

Querido do Pai eterno.

XVIII

Eu sou um diabo de terno,

Bento Carneiro Raimundo,

Quero outra vez Silva lá,

Que é a chave do mundo,

Eu fugi de minha esposa,

Aquela esperta raposa

Que me deixou furibundo.

XIX

Tive um desgosto profundo,

Mas você me ajudou,

Por isso expulso o demônio

Que em sua filha incorporou,

Vou deixar você em paz

Para roubar, se é capaz,

Do jeito que planejou.

XX

Só que o exorcismo falhou,

Mas era um faz de conta,

Porque era o próprio Bento

Que fazia aquela afronta,

Possuindo a jovem bela

Sem querer sair mais dela,

Gozava e a deixava tonta.

XXI

Porém Dirceu logo apronta

E acha uma solução,

Pedindo para o caseiro

Fazer churrasco de chão,

Haveria uma quadrilha

Para dançar em Brasília

Na noite de São João.

XXII

Chegou junho, o mensalão,

Ou seja, um grande mês,

Passando assim ser chamado

Dali por diante de vez,

Já que ficou bem notório

Com danças e foguetório

Diante do povo freguês.

XXII

O Diabo, muito cortês,

Sendo Bento abençoava

Com a sua mão esquerda

A cada um que chegava,

Mas o caseiro de olho

Foi ficando ali de molho,

Ninguém pra ele ligava.

XXIV

Só que ele desconfiava

De todos e da quadrilha,

Que a estas tantas estava

Ladrando igual matilha

Na dança do arrasta-pé

E ele ali qual um Mané,

De Dirceu amando a filha.

XXV

Viu furtivamente a pilha

De dinheiro, um montão,

Que estava ali correndo,

Passando de mão em mão;

Por ser honesto bradou:

- Diabo Bento amaldiçoou

A festa de São João!

XXVI

Dirceu teve indigestão,

Por isso apressou seu plano

Gritando: - Uma paraguaia

Chegou atrás do “hermano”,

O Diabo Bento Carneiro,

Seu marido brasileiro,

Pra levá-lo de aeroplano.

XXVII

Ligeiro como um cigano,

O Diabo entregou o jogo,

Perdeu na dança o compasso,

Sem proferir nenhum rogo,

Gritou para o Pai eterno:

- Estou de volta ao inferno,

Pois lá tem cama de fogo!

XXVIII

No mundo eu tive um sogro,

Uma sogra e uma mulher,

Vi que a classe política

Rouba do povo o que quer,

Porém mulher não aguento,

Assinado: Diabo Bento...

É o relatório a Lúcifer.