NOVA NAU CATARINETA
NOVA NAU CATARINETA
Da proa parece que vejo
O Tejo correndo p’ro mar.
A brisa é como um doce beijo
E me traz as notícias de lá.
O forte cheiro dos cravos de abril
Que ora se espalha pelo ar
Por certo deverá passar
Também sobre o céu de Brasil.
Sobe, sobe gajeiro
No topo desse mastro real
P’ra ver se vês terras de Espanha
E areias de Portugal
Vê se ainda há espadas
Ou divisas de algum general.
Vê se consegues ver o El Cid
Em sua cavalgada triunfal.
Senhor, eu lá distante vejo
Uma estranha procissão passar,
Um verde-amarelo cortejo,
Onde todos estão a clamar
Por tempos novos em seus hinos
E de tão cansados de esperar
Vão os jovens, velhos e meninos
Os seus sonhos conquistar.
Sobe, sobe gajeiro
No topo desse mastro real
P’ra ver se vês terras de Espanha
E areias de Portugal
Vê se ainda há espadas
Ou divisas de algum general.
Vê se consegues ver El Cid
Em cavalgada triunfal.
Senhor, eu cá do alto vejo
A procissão tomar as praças
E novos ventos benfazejos
Sopram sobre a imensa massa.
É um povo inteiro que se abraça
E entoa cânticos triunfais
Tangendo p’ra longe os seus ais
Das longas noites de desgraças.
Sobe, sobe gajeiro
No topo desse mastro real
P’ra ver se vês terras de Espanha
E areias de Portugal
Vê se ainda há espadas
Ou divisas de algum general.
Vê se consegues ver El Cid
Em cavalgada triunfal.
Senhor, eu vejo lá distante,
Além do mar uma multidão
Que precisa seguir adiante
E mantém a esperança à mão
E tenta acordar um gigante
Que se encontra caído no chão
E que implora que ele levante
Mas ele não levanta não.
Sobe, sobe gajeiro
No topo desse mastro real
P’ra ver se me trazes boas novas
Ou notícias de temporal
Vê se ainda há espadas
Ou divisas de algum general.
Se já findou a agonia
Ou se já é tempo de carnaval.
Senhor, na multidão que vejo
Há quixotes e também mosqueteiros
Sanchos, zumbis e, do Alentejo,
Brancos, e afro-luso-brasileiros
Que embora tenham alma de poeta
são tão pacíficos como os cordeiros
Seguem os ditos dos profetas
Mas escutam os santos dos terreiros...
Sobe, sobe gajeiro
No topo desse mastro real
P’ra ver se me trazes boas novas
Ou notícias de temporal
Mas olha, vê se o que dizes
É o que realmente vês
Pois o que agora dissestes
Chega às raias da insensatez.
Senhor, olhando agora vejo,
Não as areias de Portugal
Nem Espanha ou terras do Alentejo
Mas um imenso carnaval
que invade praças, ruas e os bares,
e leva ao povo uma imensa alegria
Veja! é o Zumbi que saído dos Palmares
virou destaque no meio da folia.
Senhor, minha visão se esvai
E já quase nada posso ver
A luz é pouca, pois a noite cai
Olha o sol vai desaparecer
Eu quase escuto o imenso ai
Que todos desejam dizer
Também desejam alguém, um pai
Que os faça renascer.
Sobe gajeiro sobe
No topo desse mastro real
P’ra ver se vês terras de Espanha
Ou areias de Portugal
P’a ver sinais de outras terras
E que não seja mais um devaneio
Mas fala a verdade afinal
Pois em nada que disseste creio.
Vamos juntos, mestre e companheiro
Ao topo desse mastro real
E olhemos o horizonte inteiro.
Olha gajeiro, eu vejo afinal
Nobres e reis que no cativeiro
Ainda dançam como no carnaval
Serão homens ou serão carneiros?
Será um sonho ou tudo isso é real?
Vamos gajeiro, desçamos
Do topo desse mastro real
Olha, agora já sei onde estamos,
Pois, consegui descobrir afinal
Que a nossa Nau Catarineta
Não aportará em Portugal
A nossa nave é só um cometa
Que se perdeu no mar sideral.
E o canto que canto agora,
Cantar, juro, não gostaria
Mas não me sobraram alegrias
Pois todas elas eu perdi
E nos mundos que conheci
Gastei o meu tempo em horas
A minh’alma triste ainda chora
E seu pranto é maior que os daqui.
Desçamos, mestre e companheiro
Do topo desse mastro real
Jamais veremos a Espanha
Ou volveremos a Portugal
Olhe! Já vem vinda a tempestade
O vento forte varre os confins do céu
Caminhemos para a eternidade
O oceano será nosso mausoléu.
(Belém, novembro de 1974)