OS PRIMOS GÊMEOS

I

Eu tenho um primo gêmeo
Que comigo é parecido,
Pois a mãe dele é irmã
Do meu paizinho querido,
Minha mãe, por outro lado,
É irmã do concunhado,
Pai de meu primo fingido.

II

Quiça eu tenha esquecido
Ou então faço confusão,
O fato é que o meu primo
Era tal qual meu irmão,
Comigo se parecia,
Até o padre confundia
Na hora da comunhão.

III

Por mais de uma ocasião,
Levei a pior, no entanto,
O prejuízo que eu tive
Eu não sei dizer o quanto;
Era eu tido na escola
Como um Caxias carola
Por estudar muito e tanto.

IV

O meu primo, entretanto,
De estudar gostava não,
Só que na hora das provas
Aproveitava a ocasião,
Pra minha grande desdita,
Trocava-me a folha escrita
E obtinha aprovação.

V

Por ser eu um bonachão,
A pior sempre levava,
Era o primeiro da classe
De tanto que estudava,
Em toda prova, porém,
Meu primo tirava cem,
Eu baixas notas tirava.

VI

No fim quase reprovava,
A todos dando vexame ,
Pelas trapaças do primo,
Ficava eu para exame
E ele passava direto,
Mas eu por agir correto,
Quase perdia o certame.

VII

Na idade do desmame,
Ou seja, da juventude,
Um emprego eu arrumei,
Dedicando-me o que pude;
Horas extras também fiz
E outra vez fui infeliz
Somente por ter virtude.

VIII

Cheio de vida e saúde,
O tempo eu vi passar
Três meses de experiência,
Fim de tudo eu vi chegar;
Nada tinha recebido
Durante esse período
Mas eu não fui reclamar.

IV

Mandou-me apresentar
No escritório o meu patrão;
Lá fui eu, trêmulo e tímido,
Com o coração na mão,
Ouvindo voz da experiência:
- Você mostrou competência,
Só que existe um senão.

V

Nunca houve um ladrão
Trabalhando nesta empresa,
O primeiro eu vejo agora
Diante de minha mesa;
Três cheques que assinei
Quem adulterou, eu sei,
Di-lo-ei com mais clareza.

VI

Você, com mui sutileza,
Soube os cheques alterar,
Só para obter vantagem
E à minha custa folgar;
Provou-me ser competente,
Mas não quero uma serpente
Picando o meu calcanhar.

VII

Não me adiantou explicar
Que havia algo errado,
Pois que era o meu primo
Que tinha o golpe armado;
Do emprego fui despedido,
Sem ter nada recebido
Do meu tempo trabalhado.

VIII

Três meses de ordenado,
Que com meu suor ganhei,
Meu primo os recebeu
Pela razão que eu direi:
Por parecer-se comigo,
Sem porém ser meu amigo,
Mas um dia eu me vinguei.

IX

Pelos ditames da lei
Eu fui até processado
Como estelionatário
Tão só por ter trabalhado
Sem receber pagamento,
Meu primo,com mal intento,
Tinha tudo malversado.

X

Contratei um advogado,
Que da fria me livrou
E meu tempo de trabalho
Foi o Doutor que ganhou,
Porém com contentamento
Do meu primo o casamento
Contar tudo agora eu vou.

XI

No dia que ele casou
Eu tinha ido pescar,
De volta pra minha casa,
Tomei cachaças num bar
E arrumei lá uma briga,
Porém no final da intriga
Eu fugi para o meu lar.

XII

Resolvi me aprontar,
Vesti o terno mais novo,
Fui depressa para a igreja,
Fiquei no meio do povo
Para assistir ao casório
De quem casou no cartório,
Sendo na igreja o renovo.

XIII

Como atrasava o noivo,
Dirigi-me ao altar,
Onde estava o vigário
Cansado de esperar;
Logo a noiva foi chegando,
Dela fui me aproximando
Para os seus lábios beijar.

XIV

Bem longe, noutro lugar,
Ficou o primo na saudade;
A polícia que rondava
Pelas ruas da cidade
Meu primo gêmeo prendeu,
Pensando que era eu,
Briguento sem amizade.

XV

Abençoado pelo padre,
Da igreja eu saí casado
Com a noiva de meu primo,
Aquele cabra safado,
Que tanto me fez de trouxa
E ficou de cara frouxa
Atrás das grades trancado.

XVI

Assim me senti vingado
E o primo de cara feia
Lá ficou preso na cela
Três noites de lua cheia,
Enquanto eu tive alegria,
Meu primo gêmeo curtia
Os três dias de cadeia.

XVII

Não participou da ceia,
Segregado foi da grei;
Depois da festança toda
Com a bela eu viajei,
Fui passar lua de mel,
Num belo quarto de hotel
Com a virgem me deitei.

XVIII

Dias depois eu voltei,
Viajando de avião
Com a morena do lado,
Sem desconfiar da traição
Porque estava bem feliz;
Uma desculpa que fiz
Aceitou sem objeção.

XXIX

Entreguei-lhe um cartão
Com telefone e tudo,
Era o endereço do primo
Só que eu por ser sortudo
Sumi e não mais voltei;
Fiz do meu primo um rei
Bem coroado e boi cornudo.

XX

Depois eu soube de tudo:
Que a noiva seduzida,
Sentindo-se bem casada,
Vive feliz e iludida;
Sou pai de um filho seu,
O outro é do primo meu
E ela é a mãe querida.

XXI

A Mãe Terra está ferida,
Tem no coração a chaga
Porquanto seus filhos brigam,
Irmãos se odeiam na saga;
Todo mundo quer ter paz
Sem saber que o mal que faz
Mais cedo ou mais tarde paga.