Pena de Talião.
Sucumbi numa cilada
Amarrado ao pelourinho
Mesmo sem saber de nada
Sendo um simples ribeirinho
Minha casa foi queimada
E eu largado sozinho.
Eu falei não saber nada
Jurei ser um inocente
A cena foi preparada
Alcatrão sob o sol quente
Minha pele foi queimada
Lenta e profundamente.
Meus amigos me traíram
Diziam não conhecer
Da minha pena sorriram
Antes mesmo de eu morrer
Quando morto eles me viram
Tentavam tudo esquecer.
Uma leva de meninos
Vinha vindo da escola
Vinha um de pouco ensino
Que sempre pedia cola
Ele entrou no meu destino
Pondo cinzas na sacola.
Eu fiquei admirado
Vendo a abnegação
De alguém quase iletrado
Que sofria um aleijão
Fazer por alguém queimado
O que faz para um irmão.
O menino olhava o corpo
E dizia bem baixinho
Você não é homem morto
Está vivo e não sozinho
O que vê naquele toco
É a vingança do meirinho.
Eu ouvia claramente
O garoto a me falar
Apesar de inconsciente
Conseguia lhe escutar
Me dizia estar presente
Numa ceia no altar.
Quando recobrei do susto
Alguém mais apareceu
Era um jovem que a custo
Disse ser amigo meu
Disse que eu fui injusto
Com alguém que não nasceu.
Eu tentei compreender
Tão difícil afirmação
Eu disse filho não ter
Porque casei ancião
Mas cumpri o meu dever
Dando à família o pão.
Ele disse ser verdade
Eu dizer ter dado o pão
Mas seria uma inverdade
Eu dizer ser ancião
Eu na minha mocidade
Faltei com a obrigação.
Eu de nada me lembrava
Esperei ele explicar
Ele disse que eu estava
Numa casa a namorar
Entretanto eu não casava
Pra família não formar.
Nessa minha negativa
Eu faltei à obrigação
A minha vida afetiva
Sofreu interrupção
No final fiz tratativa
Só para ter distração.
Ele disse que eu estava
Cumprindo a minha missão
Disse que me admirava
Pela minha emulação
Mas aquilo que eu passava
É pena de Talião.
Eu também fora meirinho
Também nisso eu fracassei
Criei muito burburinho
Pra fazer cumprir a lei
Amarrado ao pelourinho
Foi um crime que paguei.
Pra poder mudar de vida
Teria de suportar
O que houve na partida
Vendo o meu corpo queimar
Ter a família dividida
E também vê-la sem lar.
Eu fiquei envergonhado
Não sabia o que fazer
Ele é bem informado
E sabia o que dizer
Eu fiquei preocupado
Com o que pode acontecer.
Perguntei o que fazer
Pra mudar o meu destino
Ele me estendeu a mão
Disse que aquele menino
Fora um dia meu irmão
Que eu deixara em desatino.
Depois dessa explicação
Resolvi acreditar
Que cumpria uma missão
Pra poder me elevar
Resolvi pedir perdão
E seguir meu caminhar.