Mudança de pobre
Quando vejo uma mudança
Na minha televisão,
É uma coisa que faz gosto
Ver aquele caminhão.
Um baú todo fechado
Funcionário bem fardado
Pra fazer arrumação.
Empacotam a mobília
Que é pra nada se quebrar,
Nesses plásticos de bolhas
Que gostamos de estourar.
Tudo é feito com destreza
Rico mostra a beleza
Té na hora de mudar.
Depois vão acomodar
Com muito zelo e cuidado,
Um a um dos objetos
Pouco a pouco é encaixado.
Se parece até presente
Pode ir pro oriente
Ali nada é quebrado.
Mas se quer ver desmantelo
É um pobre se mudando,
Digo isso, pois sou pobre
E sei do que tô falando.
Pois contar eu já nem sei
Quantas vezes me mudei
Já não tô mais aguentando.
Vou falar de uma mudança
De um certo amigo meu,
Vivia pra lá e pra cá
Sem ter um cantinho seu.
Acabando com o que tinha
A mobília bem pouquinha
Quase tudo se perdeu.
Muita gente muda à noite
Que é para ninguém notar,
O estado da mobília
Que estão a carregar.
Ele tava era devendo
Foi de noite se escondendo
Para as contas não pagar.
Pra fazer sua mudança
Foi pedir na prefeitura,
Pra arrumarem um caminhão,
Um babão na cara dura
Disse: o prefeito não tá!
Ele então saiu de lá
De outra coisa à procura.
Então muito preocupado
Disse: Deus, o que eu faço?
Quando viu um caminhão
Já sofrido só o cangaço.
Foi o preço pechinchar
O dono quis recusar
Foi vencido no cansaço.
Ao chegar o caminhão
Pra levar a cacaria,
Começaram a jogar
Tudo na carroceria.
Tinha moleque chorando
Pai e mãe também gritando
Pense numa agonia.
Um subiu no caminhão
Começou a arrumar,
Cama de lastro quebrado
Dois tijolos pra escorar
Um sofá já todo mole
Com um buraco que engole
Qualquer um que se sentar.
Depois veio o guarda roupa
Que não guarda quase nada,
Sem ter todas as gavetas
Uma porta esburacada.
E pra esconder da vista
Foto de Amado Batista
No buraco é colada.
Um fogão de quatro bocas
Mas tem quatro só no nome,
Pois só duas funcionam
A ferrugem o consome.
Já tá quase a pifar
Qualquer dia vai deixar
Esses coitados com fome.
Eles vão levar também
Uma mesa de madeira,
Com as pernas já caindo
E com uma buraqueira,
Os cupins estão comendo
Tá a mesa parecendo
Muito mais com uma peneira.
Depois veio a geladeira
Enrolada num colchão,
Com uma mancha de mijo
E com um fedor do cão
Enrolaram com cuidado
Num lençol todo rasgado
A velha televisão.
Um velho som três em um
Que já parou de tocar,
Mas o rádio funciona
Inda se ouve chiar,
Tem só uma caixa de som
Mas o dono diz que é bom
E que fim nunca vai dar.
A mulher trouxe umas plantas
Parecia uma floresta
Plantada em lata de tinta
Balde velho, que não presta
E pra ser maior o mico
Tem caqueira de pinico
Oh, pobreza da mulesta.
A antena parabólica
Levaram sem desmontar,
Pela rua o dono ouviu
Um gaiato a debochar:
Tu tá vendo que canal,
É novela ou é jornal?
Ele mandou se lascar.
A mulher foi na boléia
Pensando tá abafando,
Com o seu braço de fora
O suvaco ventilando.
O pobre do motorista
Já escurecendo a vista
Com o “cc” dela exalando.
Na mudança também tinha
Um cachorro enfiado,
No meio dos cacarecos
Ia lá desconfiado.
E quem via o bicho lá
Sabe que o coitado está.
Indo ali envergonhado.
Foi também uma gaiola
Com um velho papagaio,
O coitado ia gritando:
Devagar se não eu caio.
Eu agora me lembrei
De uma vez que me mudei
Essa foi num mês de maio.
Eu levei meu papagaio
Junto com minha mudança,
Só que eu não esperava
Que podia dar lambança.
Procurei um bom lugar
Pra gaiola colocar
E prendi com segurança.
Mas devido a buraqueira
Que passava o caminhão,
Dava cada solavanco
De doer no coração.
A gaiola se soltou
E de cima despencou
E danou-se pelo chão.
Desci pra pegar gaiola
Mas o louro tava bem,
Apesar de esconchavado
Como quem bateu num trem.
Prosseguimos com a mudança
Depois foi uma criança
Quase que caiu também.
Caminhão foi embalando
Motorista empolgado,
E nos freios nem tocava
Cada vez mais embalado.
A gaiola escapou
O louro caiu e ficou
Dessa vez todo pelado.
Corri pra pegar o coitado
Lá no meio do caminho,
Ele disse: Isso é jeito
De levar um passarinho?
Juro que eu não mereço
Me dê logo o endereço
Deixe que eu vou sozinho.
E voltando ao companheiro
Do qual estava falando,
Quando enfim chegou na casa
O caminhão foi parando.
Quando viram a mudança
Sua nova vizinhança
Já começou fuxicando:
“Isso devem ter corrido
Da favela onde moravam,
Por certo estão devendo
Nas bodegas que compravam.
Pois se fossem gente boa
Não viviam assim à toa,
Em um canto se aquietavam”.
A mulher abriu a casa
Cuidaram em descarregar,
Ligeirinho a mudança
Para logo arrumar.
Tudo então descarregado
O frete ficou fiado
Prometeu depois pagar.
E o motorista disse:
Isso é esculhambação
Se vocês não tem dinheiro
Pra que fretam caminhão
Inda tive que aguentar
Esse fedor de lascar
Do suvaco desse cão.
A mulher se ofendeu
E disse ao motorista
Teu carro só tá o caco
E parece o cão na pista
Fosse dá uma carreira
Levantou tanta poeira
Quase perdi uma vista.
Na hora da arrumação
Tava aquela bagaceira,
Os pratos numa bacia
Era grande a quebradeira,
Com caco pra todo lado
Quase tudo foi quebrado
Pouca coisa tava inteira.
A porta do guarda roupas
Lá chegou dependurada
E a foto do cantor
Da porta foi descolada
E as bocas do fogão
Nele não estavam não
Se perderam na estrada.
Mas nem tudo se quebrou
A TV estava inteira
E também funcionou
Sua velha geladeira
Mas,a mesa esburacada
Chegou mais amolengada
E faltando uma cadeira.
E da cama do casal
Outra ripa se soltou
Quando botaram o colchão
Uma ripa o furou
E a mulher foi pegar
Os tijolos pra escorar
A cama que desmontou.
Quem já se mudou um dia
Em cima de um caminhão,
Sabe que é desse jeito
Do pobre a situação
Mas não tenha dó, amigo
Pois pra o pobre eu lhe digo
Até isso é diversão.
Mas o nome desse amigo
Eu é que não vou contar
Não estou autorizado
Pra seu nome divulgar
Vou sair de supetão
Que o dono do caminhão
Já tá vindo me cobrar.