A PELEJA DO MATUTO COM O MAR.

Eu sou um sujeito assim

Chapeu de couro alpercata

Pito na malha do milho

Carrerego água em lata

Subo e desço ladeira

Conheço a catingueira

Separo o leite da nata.

Dentro de mim eu tenho

A terra a chuva e a semente

Só como do meu roçado

Só sinto o que o chão sente

O sangue que corre em mim

É a seiva do capim

Que nasce da terra quente.

Porém a vida dá voltas

E ela deu voltas em mim

Eu vou contar uma istória

Assim tim tim por tim tim

De uma viagem que fiz

Que escapei por um triz

Por um tantinho assim.

Tenho um primo estudado

Que veio me visitar

E depois de uns três dias

Começou me perguntar

Se eu tinha vontade

De conhecer a cidade

E tomar banho de mar.

Eu nem liguei pra pergunta

E respondi sem enteresse

Minhas vontades eram poucas

Que a vida me oferecesse

Mais não temi o desafio

Não tenho medo de rio

Quanto mais de um mar desse.

Mais na verdade leitor

Eu nem fazia sentido

Se o mar era raso ou fundo

Se era curto ou cumprido

Pois sempre vivi na tuia

O meu banho era de cuia

Num barreiro encardido.

No rio eu ia pescar

Logo de madrugada

Não me importava com a vida

Pensava muito em nada

Ouvindo a água bater

Não pensei que pudesse ter

Um rio de água salgada.

Meu primo disse assim:

Minhas ferias chegou ao final

Já que eu vim lhe visitar

Na sua terra natal

Queria ter o prazer

Do primo conhecer

As terras da capital.

Só se for agora

Respondi sem pensar

Dessa vez eu desencanto

Sem ter medo de arriscar

Vou saber nesse alvoroço

Se é salgado ou insoço

Esse tal de banho de amar.

Desarmei a minha rede

Catei roupa no varal

Duas camisa de brim

Uma calça de tergal

Meu chapeu minha botina

Meu pente e brilhantina

E me danei pra capital.

Saimos eu e meu primo

Ele um moço formado

Eu não passava de primo

Matuto desconfiado

Sem saber pra onde ia

O que ele fazia eu fazia

Mesmo assim fazia errado.

Quando chegamos na "estação"

Eu já tava meio torto

Eu disse: é a rodoviária

Ele disse: é o aeroporto

Eu disse: eu desconfio

Nós vamos é de navio

Eu não nado tô é morto.

Ele disse: primo se acalme

Que as coisas tão é mudando

Daqui pra frente é tranquilo

Você vá se acostumando

Tá vendo aquele avião

Depois que sair do chão

A gente vai é voando.

A gente vai é o que?

Se disapregar do chão?

Rapaz você tá é doido

Eu não sou gavião

Se esse bicho quebrar

Matuto não sabe voar

Desse jeito não vou não.

Primo não tenha medo

O moido é garantido

Voa alto mais não cai

E tu vai ser bem servido

Falou de uma aeromoça

Que dava em prato de louça

Uns biscoitinhos sortidos.

O avião fez carreira

Com nos dois dentro amarrado

Eu pensei que ele ia

Viajar aterrizado

Mais lá no fim do caminho

Ele empinou o fucinho

E vôo desenfreado

E pra encurtar a istória

Chegamos na capital

O chão era só cimento

Não se via um capiau

Era um povo diferente

Do povo da minha gente

Da minha terra natal.

Não vi um xéxeu cantar

Nem troper de uma boiada

Nem uma venda se quer

Pra gente tomar coalhada

Mais lá no meu canto eu tinha

Meu feijão minha farinha

Com carne de bode assada.

Meu primo deu com a mão

Um carro apareceu

Não sei de onde ele veio

Nem o que aconteceu

Só sei que o motorista

Cheio de golpe de vista

Com nos dois se escafedeu.

Chegamos ao destino

Era tarde de estiagem

Dasapiamos do carro

Com muito enfado e bagagem

Eu fui logo perguntando

A onde estamos chegando?

"Você tá em Boa Viagem".

Eu tava em Boa Viagem

Com muita fé e esforço

A morada do meu primo

Era mesmo um colosso

Era lá no último andar

Que a gente pra olhar

Dava uma dor no pescoço.

Um prédio muito carboso

De vidro bem reluzente

A porta abria e fechava

Era só ficar na frente

Com a pisada do pé

A porta vendo quem é

Obedecia a gente.

Me lembrei do meu torrão

Como era desigual

A casa alta que tinha

Era feita ao natural

Sem riqueza e sem estarro

Feita pelo joão de barro

Em cima de um pé de pau.

Subi no elevador

Que é uma caixa de aço

Quando o bicho disparou

Quase que eu perco um braço

Minha vista ficou rala

Me abracei com a mala

Com medo de ir pro espaço

Quando o medo passou

Eu já tava nas alturas

De lá de cima eu só via

Tudo em miniaturas

Me deu câimbra e rodei

Quase que apaguei

Vi foi tudo nas escuras.

Meu primo rindo de mim

Começou me perguntar:

"Como é que um cabra desse

Pode assim se amofinar

Parece rapa de tacho

Quero ver se tu é macho

Amanhã no banho de mar.

Jantei depois fui dormir

Em um quarto bem arejado

Mais porem eu já estava

Pra lá de desconfiado

Se o vento balançava

E se aquele prédio estava

No chão bem enfincado.

A noite foi uma beleza

Dormi sem ouvir barulho

Sabia que no outro dia

Cheio de pose e orgulho

Eu iria conquistar

As águas daquele mar

De mergulho em mergulho.

Me lembro como se fosse hoje

Era um domingo animado

Tava meu primo e eu

Em um barzinho sentado

Eu um pau de arara

Com óculos preto na cara

E um calção enfeitado.

Chegou a hora esperada

Eu pensei em minha mente

Me levantei fui saindo

Pisando na terra quente

Aí quase me acabo

Pulei feito burro brabo

Ia pra traz e pra frente.

Quando eu vi que ia

Ficar sem a sola do pé

Dei um salto mortal

E fui cair na maré

Eita agonia do diacho

Mergulhei de água a baixo

Parecia um jacaré.

Fiquei meio desconfiado

Olhando assim para o povo

Parecia um pinto fraco

Vindo da casca do ovo

Eu tava pintando o sete

Quando levei um bufete

Que eu afundei de novo.

A onda me deu no queixo

Eu cai já bem cansado

Com a boca aberta engoli

De água um bom bocado

Foi ai que eu notei

Pelos goles que tomei.

Que o tal mar era salgado.

Salgado ruim e covarde

Oceano cangaceiro

Não respeita caipira

Nem gosta de forasteiro

Eu digo e não volto atrás

Aqui eu não volto mais

Mar salgado maloqueiro.

Foi guando sai da água

Como o bravo sai da guerra

Os olhos da cor de fogo

O calção cheio de terra

Abria a boca e tremia

Tossindo eu parecia

Um cabrito guando berra.

Nessa peleja medonha

Lembrei do meu arraial

Vi meu riacho tranquilo

Sem onda fazendo o mal

Eu pensando naquilo

Meu banho tinha estilo

E a água não tinha sal.

A água se levantou

Curvou-se em cima de mim

Me enrolou com a lingua

Quase que chego ao fim

Me cuspiu lá na areia

Eu tava com a boca cheia

De um mato feito capim.

O manejo foi feroz

Que eu tava travando

De um lado eu sem ter culpa

Do outro o mar me culpando

Só porque eu não temia

Por cima da água eu via

Ele com raiva espumando.

Faz pena um mar tão bonito

Imenso e tão resoluto

Que dá morada aos peixes

Ser tão cruel e astuto

Só porque não sou da praça

Me derruba e ameaça

E briga com esse matuto.

Se eu tivesse o poder

Que tem o nosso Senhor

Tirava todo o teu sal

Te dava outro sabor

Realizava um milagre

Te enchia de vinagre

Só pra tu ver quem eu sou.

Saí da água engilhado

Com o ouvido entupido

Os braço só o bagaço

O corpo todo moido

Uma dormência nos dente

Se eu não fosse valente

Por certo tinha morrido

Mais tenho o corpo fechado

A inveja não me bole

Emboscada não me pega

Não sou um sujeito mole

Jararaca piso em cima

Doença não se aproxima

Nem esse mar me engole.

Fui falar com o meu primo

Que por certo já sabia

Aquilo que eu passei

Ele já passou um dia

Por isso que ele não quis

Fazer aquilo que fiz

Brigar contra água fria.

Me vendo naquele estado

Ele quis me acalmar

E disse: você não tem o costume

De tomar banho de mar

Mais tenha a alma ancha

Que eu comprei uma lancha

Que é pra nos dois passear

Primo eu lhe considero

E digo de viva voz

Eu agradeço o passeio

Na sua lancha veloz

Mais do jeito que está

Se a lancha entrar no mar

O mar vai é lanchar nos.

Vou embora amanhã

Essa é minha decisão

Tá aqui óculos preto

A sandália e o calção

Isso não me engancha

Nem o mar nem sua lancha

É melhor que meu sertão.

tá certo lá não tem luxo

Nem prédio com elevador

As casas lá são de taipa

Para cada morador

Do chão brota o alimento

Não é esse chão de cimento

Onde não nasce uma flor.

A praia lá não se viu

Por mais singela que fosse

A água não dá pancadas

Só o jumento dá coice

O meu riacho é pequeno

O rio de lá é sereno

E a água dele é doce.

Ebenézer Lopes
Enviado por Ebenézer Lopes em 11/01/2015
Reeditado em 04/02/2015
Código do texto: T5098589
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.