A CIDADE DO CINEMA
A CIDADE DO CINEMA
Estou indignadíssimo. Se a coisa não se resolver nos primeiros dias, vou entrar com uma acção em tribunal e pedir uma indemnização choruda ao nível dos grandes Bushs americanos.
Sinto-me prejudicado, como director da empresa que criei a pensar na Cidade do Cinema. Contratei actores a actrizes, firmei compromissos com vários guionistas, mandei reservar locais de interesse para se filmar tudo o que os grandes realizadores me viessem a exigir. E zás! Que faço agora ao catálogo luxuoso que elaborei com toda essa panóplia necessária à apetência de qualquer mestre do cinema? Era olhar para o catálogo e escolher. Esta minha agencia foi classificada, pela International Queda (leia-se Cueda) do Sr. Toni Morgan, como a mais avançada do Mundo.
Ao pensar na Cidade do Cinema para o Barreiro acabei por arranjar umas amostras de filmes de todo o género, telenovelas de todas as cores, spots publicitários para qualquer produto desde papel higiénico a aviões de combate com ou sem efeitos colaterais, fotos dos cenários naturais aqui existentes e contratos assinados com várias pessoas entendidas na 7ª arte e, ainda tudo o mais que nem se pode imaginar.
Seria muito interessante e económico para os Spielbergs, Coppolas, Camerons, Manoeles de Oliveira ou mesmo para as Marias Medeiros. Poderiam vir e trazer apenas, e só, o objecto mais pessoal: a escova de dentes. Tudo o resto ser-lhes-ia fornecido pela minha empresa: desde casacos, camisas de todas as cores e feitios, e já agora sabores, cuecas, meias, calças, sapatos, mesmo smokings (sempre necessários para qualquer evento mais solene como por exemplo, uma caracolada no Joaquim dos Petiscos, uma reunião da Assembleia Municipal, um derby Luso- Barreirense, um chazinho mais íntimo na Maria Papoila ou um café na Boleira).
Suponhamos que um maluco qualquer se lembrava de fazer um filme cuja história se passaria em África? Cenário: Mata da Machada. Actor principal tipo Tarzan: Francisco Fernandes, o nosso conhecido e estimado comandante da PSP. Actriz principal tipo Jane: Miss Penicheiros. Figurantes: uma visita rápida ao Vale da Amoreira onde tenho muitos amigos e bons. Nem precisaria escolher, oferecer-se-iam todos porque sempre era um trabalhinho diferente do habitual. Mais alguma coisa? Animais selvagens? Ora! Ora! As claques dos clubes da 1ª Liga : leões, tigres, águias, panteras, e até dragões serviriam às mil maravilhas.
Para um filme de guerra: era só levar as câmaras para uma reunião de socialistas locais.
Um filme de cowboys? Canja! Uma visita à noite pelo Barreiro velho incluindo o Bairro das Palmeiras.
Mais facilidade teria Manoel de Oliveira. Como todos nós sabemos que este realizador gosta de filmes que durem várias horas (seis pelo menos) a minha empresa encaminhá-lo-ia para a bicha das consultas nos centros de Saúde. Assunto sério e fita comprida.
Um filme do Hitchcock, tipo “Os Pássaros” (estão lembrados?). Bastava uma voltinha pelo Parque Catarina Eufémia, mostrar uns pacotinhos de “pó” e era vê-los chegar em bando. Até os apanhavam à mão se quisessem e dariam uma lição à Polícia do costume.
Um filme policial, de suspense, género Sherlock Holmes ? Sousa Pereira, o meu director de ROSTOS, é o indicado. Não só pelo seu cachimbo, mas pela perspicácia com que desvenda intrigas políticas. Querem melhor?
Uma amostra de telenovela brasileira onde apareceriam os Zeca Diabos, os Coronéis, as Marias Machadão, os Tonico Bastos, os Zés das Medalhas, os Nacibes ou as Gabrielas? Oh pazinhos… não me lixem…este é o género de artista que se encontra em qualquer esquina da nossa cidade. Com destaque para os coronéis, abundantes nos partidos. Nada comparado com, por exemplo, a dificuldade que me surgiu para mostrar como fazer um 007 à James Bond. Fácil encontrar o James Bond na pessoa de, por exemplo, Pedro Estadão (olho azul, elegante, castigador, não mostra medo porque confia no cabedal e usa como arma mortífera apenas a palavra). Mas as Bond-Girls? Contactei o meu amigo Vítor da Cleópatra e deu-me a escolher numa noite de baile da Pinha. Fiquei desiludido. Não aproveitei uma. Tive sorte no entanto, quando, no regresso de Alhos Vedros, passei pela Teia. Assunto resolvido: Bond-Girls ali é mato. Contrato assinado. As girls da Cleópatra ? Talvez para um filme onde sejam necessários figurantes num campo de concentração. Porque me chamou a atenção um pormenor: estavam todas muito concentradas, enquanto dançavam!
Filmes de amor: contactei a Misericórdia do Barreiro, na pessoa do meu querido amigo Dr. Júlio Freire. Peremptório, apontou-me: Carlos Cabral como galã à disposição e um casalinho de 85 anos, residente, que trocaram alianças há menos de um mês. Fazem parte do meu catálogo.
Argumentistas tenho vários: para filmes portugueses sobre os descobrimentos, José Caro Proença com os Encobrimentos no Descobrimentos (livro à espera de se tornar best-seller). Para um filme de amor, Gonçalo Rego, com o livro espectacular (que é mesmo!) chamado LAURA. Armando Silva Pais: “o Barreiro Contemporâneo” serve para contar as histórias mais mirabolantes desta cidade até aos anos 70. Abdul Cadre, para filmes de ficcionismo, foi o escolhido. Monteiro Leite: os seus livros surrealistas para fitas que ninguém veria, mas que correriam o risco de serem premiadas num qualquer Fantasporto embora eu tentasse enfiar essas fitas no género “Filme da Treta”.
Para os spots publicitários: tenho em armazém os saldos do Tininho. Um achado de qualidade e preço.
Caso venha a ser construída a Cidade do Cinema, conto ainda com António Cabós, Francisco Anaia, Paulo Morgadinho, António Guloso, Taberna do Papagaio, XL Bar Dancing, Mila do Água e Sal, os Moitas, Carecas Bar, Amílcar Romano, Luís Ferreira, Grupo Coral UTIB, BBV, Fábrica do Gelo, a Manilha, Luís Gordo, todas as Juntas de Freguesia incluindo a de Coina e as Igrejas Manás, do Reino de Deus e do 7º Dia. Conto com o novo Centro Comercial, com os Clubes Desportivos e Sociedades de Recreio, com todos os vereadores da Câmara Municipal, com o Senhor Presidente, com a imprensa regional escrita e on-line, entre outras gentes de interesse e com o meu canário, cor de salmão, que dá pelo nome de Passarotti !.
Todos afinal serão úteis: cada um na sua especialidade. A cores ou a preto e branco
Com a chegada constante de tantos irmãos brasileiros habituados como estão às telenovelas do dia a dia no seu país, e à sua vasta experiência de broncas governamentais, pessoal não vai faltar.
Se, por azar do destino a Cidade do Cinema não for para a frente, peço-lhes que aceitem serem minhas testemunhas e me ajudem a ganhar o processo em Tribunal. Se a indemnização vier… podem ter a certeza que, pelo menos o filme “COITADINHOS DE NÓS” será realizado, distribuído, aplaudido e premiado.
Acreditem no meu argumento !