O elo perdido
Eu nasci numa masmorra
Um local frio e sem luz
Pedi, minha mãe, não morra
E retire-me da cruz
E também de mim não corra
Ao amor nunca fiz jus.
Eu então adormeci
E senti um forte abraço
Viu que a mãe que escolhi
Tinha um antigo traço
De alguém que conheci
Numa vida de percalço.
Dormindo revi um circo
Vi a fera dormitando
Vi alguém fazendo bico
Pra poder sair do bando
Vi alguém desconhecido
Uma serpente domando.
Vi a renda da cortina
Sendo na água lavada
Vi o céu que descortina
O raiar da nossa estrada
Vi o sol que tem por sina
Clarear a madrugada.
Vi um par de alianças
Pendurado na janela
Vi a dor da esperança
Presa numa taramela
Vi a força da constância
No fundo de uma gamela.
Vi a tranca da porteira
Presa por uma corrente
Vi na ponte a corredeira
Que ameaça levar gente
Vi na fronte da parteira
O sinal do sol nascente.
Vi no átrio da igreja
Um rapaz insinuante
Era de pouca beleza
Andava cambaleante
Repetia o assim seja
De um modo ultrajante.
Vi meu pai sentado ao longe
Esperando-me chegar
Vestia roupa de monge
Pra tentar se disfarçar
Com a espada de bronze
Convidou-me pra lutar.
Eu era um recém nascido
Mas estava a divagar
Não tinha nenhum sentido
O que estava a imaginar
Seria o elo perdido
Que me fazia lembrar?
Procurava na lembrança
Alguma vida longeva
Apesar da ignorância
Não era somente treva
Vi então a importância
Do que a memória leva.
Vi na sorte que eu traçava
Minha mãe como a antiga
Cortesã que eu obrigava
A servir de rapariga
Ela hoje me abraçava
Antes era uma inimiga.
O meu pai era um ladrão
Que furtava pelo vício
Saiu da escravidão
Mas fugiu do compromisso
Era agora um pobretão
Sem família e sem serviço.
Nessa hora uma senhora
De grande sabedoria
Disse que chegara a hora
De aprender o que eu faria
Tudo recomeça agora
Começou seu novo dia.
Uma luz resplandeceu
No portal daquela cela
Novamente escureceu
Só restou a luz da vela
O meu elo apareceu
Eram restos de sequela