Frei Dimão doutrina Kathie

Batinas já se acumulam

à espera duma lavação

pecados também pululam

e o esperar é mais tentação

Sei que andaste de seca--e-meca

à procura doutro confessor

quiçá, outro frei Caneca

de vinho, bom bebedor

Uma coisa, porém te concito

e de seu valor tudo sei

é cumprir o divino rito

o dia que retornas à grei

O maligno é insidioso

anda sempre arquitetando

oferece sempre um gozo

pra que caias sob seu comando

O único gozo consentido

é o que se propicia ao casal

carnal, porém é banido

só cabe aqui, o celestial

A freira Nanda me abandonou

partiu rumo a Portugal

e mais além se aventurou

num pecado que é capital

Fiquei, assim à mercê

das ovelhas caridosas

que cuidam dum pobre gourmet

das colheradas piedosas

Vem comigo à sacristia

para pras vésperas te preparar

e o breu que lá antes fazia

com minha vela vais iluminar

Ao cabo terás comunhão

do que será santificado

um bem rolicinho pão

que será por ti alisado

Quanto às ceroulas ensebadas

nela darás logo um jeito

já ficam de pé, as coitadas

após tanto trato desfeito

E se não queres receber

mais um colérico esporro

tu gemerás de prazer

sugando o mais divino jorro

Para o cajado te prepares

para uma boa lustração

ainda que a noite vares

te varará ele, varão.

Kathie, piedosa que é, faz profissão de fé - de reza e de ré:

Tuas batinas são o meu agrado\\

Lavo-as no beiral do rio\\

E depois deito-me nos prados\\

Imaginando o calafrio\\

Andei à procura de outro rito\\

Fui ao terreiro do pai Benedito\\

Espantar tua tara e teu vício\\

Até cantei na roda do grito\\

Sou uma freira bem pura\\

Invoco teu ensinamento\\

Me dê tua bênção na can "dura"\\

E assim ficaremos no firmamento\\

De Satanás já me afastei\\

Não dei ideia ao tinhoso\\

E voltei para a sua grei\\

Mas, depois do gozo foi mais gostoso\\

De gozo celestial\\

já me sinto nos céus\

Comungando na filial\\

Com o frade e também os réus\\

Nanda está prá lá de certa\\

Divertindo-se como pode\\

Na certa, uma freira bem correta\\

E nem pense em ocupar a pobre\\

Das ovelhas sei que ocupas//

Dá trabalho pra danar//

Vê se arranjas outra desculpa//

Para ter com o que se ocupar//

Vou contigo pelo tato//

Começando a segurar//

Tua vela acendo-a no ato//

Porque é boa pra iluminar//

Comungarei com muito afinco//

Pois santificado é o momento//

Depois é só fazer o vinco//

De todo o teu paramento//

E tanto que eu as lavei//

Nem sei se ainda dou conta//

Pois já até me cansei//

E deste jeito, você só apronta//

Dá-me teu esporro divino santo//

Dá-se todo como penitência//

Mas não atrevo-me a fazê-lo//

Por mais que seja" divinessência"//

O teu cajado é sacro ofício//

E para lustrá-lo dou-te a flanela//

Pois de tantos orifícios//

Tu já bem coubeste até numa panela//

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 27/11/2014
Reeditado em 27/11/2014
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