A canoa furada
Embarquei numa canoa
Para um pouco passear
Fiquei sentado na proa
Olhando o tempo passar
Percebi que o tempo voa
Quando estamos a divagar.
Fui remando devagar
Pra conhecer a lagoa
Não quis passear no mar
Porque a maré enjoa
E comecei a pescar
Na margem de água boa.
Na lagoa havia peixes
Sapo boi e cobra d'água
Havia ramos em feixes
Muita lama sob a água
E por causa do desleixo
Vi que havia muita mágoa.
Quando um peixe fisguei
Ouvi minha consciência
A dizer que o que pesquei
Foi a presa da ciência
Do anzol que inventei
Pra trair sua inocência.
Eu fiquei ali pensando
Por que estava a me culpar?
Eu estava só pescando
Sem nenhum mal eu causar
Quando me vi afogando
E a canoa a afundar.
Percebi o casco vazando
Isso eu não tinha visto
Senti o ar me faltando
Então eu me lembrei disto
Eu estava passeando
E nada mais do que isto.
Então eu pensei no peixe
Que fisgara no anzol
Que pedia não me deixe
Morrer sob a luz do sol
Se o negar nunca se queixe
De apagar o seu farol.
Eu pensei nesse momento
Por que matar animais
Sempre existe um alimento
Que sustenta muito mais
Não conhece o sofrimento
Que o homem sempre faz.
Nisso vi um pescador
A lançar a sua rede
Era jovem no labor
Eu um dia o vira adrede
Reclamava do calor
Disse que sentia sede.
Dei a ele o meu cantil
Perguntei se tinha fome
Ele me olhou gentil
Perguntou qual o meu nome
No seu olhar infantil
Havia um sofrer de homem.
Perguntei onde morava
Ele disse tão somente
Não saber aonde estava
E que era um paciente
Do hospital que só tratava
De quem estava demente.
Eu lhe disse: vem comigo,
Também sou um pescador
Quero ser seu novo amigo
Acabar com a sua dor
A você darei abrigo
Sem fazer nenhum favor.
Ele disse: é perigoso,
Sou fugido da polícia
Eu não sou pernicioso
Mas nunca tive malícia
Também não sou vicioso
Já passei pela perícia.
Vi a canoa afundando
Resolvi vir ajudar
Se estiver me procurando
Pode agora me entregar
Gritos estou escutando
De quem veio me pegar.
Eu lhe disse: sou amigo
De quem tem amor no peito
Por amor eu sempre brigo
O que faço é sempre aceito
Para o que falam eu não ligo
O amor não vê defeito.
Vamos juntos para casa
Você é meu convidado
Vamos esquentar na brasa
O feijão bem temperado
Meu relógio não atrasa
Em casa sou esperado.
Tenho pouco pra viver
Meu castelo é o meu lar
O que ouvi vou esquecer
Ninguém vai te procurar
Sou escravo do dever
Meu dever é trabalhar.
Eu estou despreparado
Pra lhe dar esconderijo
Mas você será tratado
No lugar que eu dirijo
Também será respeitado
Isso é coisa que exijo.
Hoje ele está curado
É o meu auxiliar
Sempre é requisitado
Para vir me ajudar
Tira do seu ordenado
Um pouquinho pra guardar.
Diz que é para o futuro
Pois pretende se casar
Encontrou o amor puro
Quando estava a se tratar
Já saiu do quarto escuro
Tem alguém a lhe esperar.