A madrugada
Sou a fria madrugada
Vem comigo a ilusão
Já fui muito cortejada
Por quem busca ostentação
Hoje sou triste noitada
Para quem tem solidão.
Da noite eu sou a parte
Que do dia se aproxima
Sou do sono a melhor parte
Para o sonho da menina
Para o viajor que parte
Sou parte da sua sina.
Para o vaqueiro sou hora
Pro patrão dou a ganância
Todo dia nasce agora
Trazendo nova esperança
No romper da nova aurora
Recomeça a alternância.
Quem me dera ter a luz
Para o dia iluminar
Ser um dia o que conduz
Claridade pro altar
Ou então ser quem produz
Simples raios de luar.
Porém eu, a madrugada,
Tenho segredos guardados
Vi criança abandonada
Pelos pais apaixonados
Vi a moça fracassada
Dar o corpo por trocados.
Vi parteiras dedicadas
Dando conselho ao casal
Vi mulheres educadas
Escrevendo pro jornal
Vi contendas começadas
Pelo que vai no bornal.
Vi festança e vi tristeza
Vi mordazes caminhantes
Vi vidas com aspereza
Vi cantares delirantes
Vi rapaz contar proezas
Pro amor principiante.
Vi incêndio na colina
Na floresta e pradaria
Vi a vingança por cima
De quem fora pra orgia
Na janela vi cortina
Escondendo anomalia.
Dei caminho ao navegante
Dei trabalho ao carvoeiro
Dei destino ao caminhante
Fiz o tempo do tropeiro
Fiz sonho ser importante
Para quem não tem dinheiro.
Fiz botão abrir em flor
Fiz o cantor descansar
Dei bom dia ao lavrador
Que chegou pra trabalhar
Dei mais dia pro doutor
Muitos doentes curar.
Dei pensar ao condenado
Recolhido na prisão
Que apesar do seu estado
Busca a recuperação
Passa o dia atarefado
Quer voltar pro seu torrão.
Simples raio de luar
Traz lembranças permanentes
Daquele longe lugar
Onde estão nossos parentes
Também de onde encontrar
Conhecidos maldizentes.
O luar já foi também
Inspiração pro artista
Que pra si tinha ninguém
Apesar da longa lista
Também nunca teve alguém
Que lhe desviasse a vista.
O luar hoje é passado
Ganha só ingratidão
Tem o destino traçado
Vai viver com a solidão
Mas é bem remunerado
Pelo homem do sertão.