Senhor
1
Eu sou Senhor de Teodora;
A razão vou lhe explicar
Detalhadamente agora
Em décima singular:
Meu motivo não é feio,
Nem vim à vida a passeio,
A minha história é meu guia;
Foi bem longa a caminhada.
Após a curva outra estrada,
Outra luta, outra alegria.
2
Com força desconhecida
De bem-te-vi na mangueira,
Sorvendo a seiva da vida
Quase sem eira ou beira,
Rego a semente plantada;
Meu anzol não pesca nada,
Mas resta o pulo do gato:
-Sou poeta sonhador...
Não vou deixar tanta dor
Fazer-me gato e sapato.
3
Busco pela estrada a fora,
Um resultado melhor.
Vou andando, o tempo é agora;
Essa luta eu sei de cor.
Não sou cativo sem jeito;
Armazenei no meu peito
Fé... E a gangorra a girar.
Sou cão que late de dor,
Conheço a lida, o labor,
Sei como me comportar.
4
Com faca, flecha e machado,
Na palma da minha mão,
Um corre-corre danado,
O que me causa tensão;
Não quero entrar pelo cano,
Porque sou um ser humano;
No carrapicho me arranho,
Sofro de açoite, tormento.
-vai coração eu aguento;
Sou um lutador tamanho!
5
Tive que estudar bastante
Em um quarto emprensadinho,
Praticamente sozinho.
Meu pavilhão tremulante,
Com um pouco de humildade,
Justiça e felicidade,
Deixando um traço luzente,
Mão calejada, dorida;
Traz a todos, traduzida,
Minha conduta excelente.
6
Assim se deu nos Torrões,
No Município de Picos:
Muita seca nos grotões
E falta de pastos ricos,
Trabalhando na lavoura,
Francisco Xavier de Moura,
Lucia Maria dos Santos,
Por cima de seca e risco,
Tiveram José Francisco
E Teodora M. dos Santos.
7
O irmão de minha mãezinha
José Francisco de Moura,
Vivia dentro da linha,
Um guerreiro na lavoura.
Mas foi logo convocado,
De Teresina enviado
Ao contingente da guerra,
Na Força Expedicionária.
E essa tropa voluntária
Foi lutar em outra terra.
8
Sem saber seu paradeiro,
Minha mãe imaginava
Toda tarde no terreiro
Que seu irmão já voltava.
Com imaginação farta,
Lia e relia uma carta
Onde Francisco dizia
Coisas alegres e feias,
Que vivia em terras alheias,
E as agruras que sofria:
9
“Escapo de uma explosão,
E lanço um suspiro longo;
Preservando a posição,
Eu fui salvo pelo gongo.
Hoje não ouço a codorna,
Nem se deita a tarde morna,
Sabor um tanto salobre...
Mais uma tarde que morre,
Sem almofada que forre
O sino em último dobre”.
10
“-Aguente o tranco, seu moço,
O assunto está encerrado...
Se nesse angu tem caroço,
Se isso é certo, ou se isso é errado...
Sem amor nada se ajusta;
Só Deus sabe o que nos custa.
De coração, não se anule...
Vem do roçado de milho
O locupletado atilho,
E um cafezinho no bule.”
11
“Nem cruzeiros, nem patacas,
Sem ter água no cantil;
Por essas cercas e estacas,
Não topo em nenhum plantio.
Só procuro e não me canso;
O cisne não vira ganso,
Nem alhos e nem bugalhos;
Cobra cascavel me veste;
Hoje eu sou cabra da peste,
Peneirado dos cascalhos.”
12
Eu nasci em Trinta e Quatro,
Às dez horas da manhã,
Num lugarejo no mato,
De paisagem, gente chã...
Com dois anos, eu perdi
O pai que nem conheci!
-Como nasci em Floriano?
Minha mãe migrou, depois
Da seca de Trinta e Dois
Que lhe causou muito dano.
13
Vieram os anos Quarenta;
E eu com oito anos de idade,
Tinha cabelos na venta,
Era “homem de verdade”,
Com vontade e fortaleza,
Para ajudar na despesa,
Já queria me virar.
E morando ali vizinho,
No Sítio Buritizinho
Comecei a trabalhar.
14
Seu Cazuza, fazendeiro,
Um grande senhor de engenho,
Pagava-me algum dinheiro
Pelo meu suado empenho.
Por uns mirrados pastéis,
Frutas e quinhentos réis,
Era o valor do meu dia.
De enxada e foice na mão,
Do suor tirava o pão...
E isso me dava alegria.
15
No ano de Quarenta e Cinco,
Eu já me encontrava lendo;
Fui frequentar uma escola
Que lá estava acontecendo.
A minha mãe me ensinou,
O conhecimento entrou,
Empreendi outra jornada:
Menos de um mês de frequência,
Encontrei eficiência
Nessa escola improvisada.
16
Eu pagava qualquer preço
Por essa chance importante;
No Povoado Cabeço
Três quilômetros distante,
Uma escola funcionava:
João Belarmino ensinava
De maneira improvisada.
Era tudo que eu queria;
Foi grande a minha alegria
Pela leitura alcançada.
17
Sendo pobre lavrador,
Sem condição de pagar
O preço de um professor,
Tive então que me afastar.
Na minha luta rural,
Terra, trabalho braçal,
Fui plantar em terra alheia.
Com o couro no sol quente,
Da colheita farta somente
Sobra a lavoura de meia.
18
Tanta luta e sofrimento
Para prover o meu pão,
Usando como instrumento
Só uma enxada e um facão.
Na minha terra querida
Com duas irmãs, a vida,
Mesmo sem grande fartura,
Corria em tranquilidade:
Um lar com felicidade,
E a mãe cheia de ternura.
19
Mesmo na dificuldade,
Com muitas humilhações,
Não parei com a vontade
De buscar novas lições.
Então, sempre que podia,
E o ganho me permitia,
Frequentava um novo evento.
E na labuta da terra,
Eu enfrentava outra guerra
Buscando o conhecimento.
20
Cheguei ao curso primário,
Criticado por parentes
Que viam no meu fadário
Só esforços deprimentes.
Riam-se do meu vigor;
Desprezavam o valor
Que eu dava para o saber.
Em meio a festas, bebida,
Diziam curtir a vida
E eu não sabia viver.
21
Mas eu sempre lhes falava
Dos meus planos, no futuro.
E a turma me criticava
Com asco e desprezo duro.
E eu dizia: na verdade,
Quando eu for autoridade,
Com fruto do meu labor,
Terei parte merecida,
Poderei viver a vida,
Serei chamado Senhor.
22
Aos amigos parecia
Que eu sonhava como um louco;
Os esforços que eu fazia,
Para eles eram tão poucos.
Diziam: “-Para com isso,
Com seu dia de serviço
Só dá para ser servente”.
Porém eu não desisti,
No tempo certo eu parti,
Com um plano à minha frente.
23
Num domingo ensolarado,
Às sete horas da matina,
Depois de haver embarcado
Com destino a Teresina;
Maio de Sessenta e Dois,
Algumas horas depois,
Chegava a lugar estranho.
Eu fui para me alistar
Na Polícia Militar;
Meu esforço foi tamanho.
24
Praça Saraiva, Quartel;
Cidade imensa, espantosa,
Mas tão doce como mel,
Manjar, graça venturosa.
Para meu maior orgulho,
No dia doze de julho,
Um dia de quinta-feira,
Malgrado o pouco recurso,
Fui aprovado em concurso,
Começou minha carreira.
25
Em pouco tempo, cresci
Na Polícia Militar.
E ao mesmo tempo senti
Minha vida melhorar.
Quem desacreditava
E também me criticava,
Dava a mão à palmatória.
Aquele tempo de dor,
De enxada, de lavrador,
Já faz parte de uma história.
26
Hoje, idoso, aposentado,
Rememorando as conquistas,
Digo: “-Fui abençoado;
Bênçãos eternas, mistas.
Fui Escrivão, Delegado,
Só não quis ser Deputado,
Porque não era meu plano.
Se eu quisesse disputar
Vaga de parlamentar,
Seria eleito todo ano.
27
Casei-me com Catarina
Pereira da Conceição.
E como bênção divina,
Despetalou-se o botão.
E nos onze anos nos trilhos,
Nasceram-nos sete filhos,
E outra família se fez.
Da roça para a carreira,
Não foi corrida ligeira,
Mas eu faria outra vez.
28
A minha história em resumo,
Em sinopse ou trecho grácil,
Só ficou sempre no prumo,
Porque ela nunca foi fácil.
Não nasci em berço nobre,
A minha mãe era pobre,
Agarrei a melhor chance.
Conquistei minha nobreza,
Contrariei a natureza,
Pus o mundo ao meu alcance.
***
RITEMAR PEREIRA
26/09/2014.
Poema experimental. Não sou cordelista, às vezes, por ousadia, percorro nessa bela estrada, tentando progredir, apesar dos percalços encontrados ao longo do trajeto.