Ramalhete espiritual de Frei Dimão para Kathie

Enquanto o Recanto dorme

vem comigo à oração

preenchendo a cartilha conforme

deu-nos o Pai inspiração

Verifico o hábito teu

para ver se se amarrotou

comigo escreveu e não leu

penitência braba já dou

Quero de início saber

se bem cumpriste as lições

se recitaste com prazer

jaculatórias sem senões

E se à noitinha saíste

qual foi tua companhia

pois o Pai fica bem triste

se qualquer ovelha se desvia

E para começo de história

vai logo me dizendo

uma sacra jaculatória

que pro coração é remendo

Tiveste bons pensamentos

e sonhaste com casto anjo

ou abraçaste tormento

próxima dalgum marmanjo?

A noite, escura que nem breu

à tentação se presta

e dela sempre fujo eu

assim como evito fresta

Tenho meu sacro cajado

por solitária companhia

e como temos caminhado

na espiritual alegria

Hoje quero que faças

um passeio à catacumba

onde te darei graças

que perduram além-tumba

Nos escuros corredores

te guiarei com segurança

pra sentires os esplendores

da mais divina esporrança

E quanto mais penetrarmos

no âmago da escuridão

mais presto vamos salvar-nos

contra toda devassidão

E se a chave do sacrário chupas

do mar de lama de salvas

como navegando em chalupas

por águas outrora calmas

Passa assim teu domingo

na mais humilde contemplação

senão terás meu amargo xingo

e na vida, mais turbação

De Monay, pia, só rodopia, e nada fria, abraça a pregação de frei Dimão e, com muita eira e beira se candidata a freira:

Irei contigo, meu padre\

Rezar nessa cartilha\\

Porquanto meu espírito arde\\

E que logo cheguemos nessa trilha\\

Meu hábito inclusive rasgou-se//

Por ocasião desse meu jeito//

Não dei atenção a tua messe//

E logo recebi o teu pleito//

Recitei as tuas jaculatórias\\

Enchi-as na minha boca e as da cúria\\

Sabes que não sou ilusória\\

Portanto tua ave mais pura\\

Saí à noitinha com o frei Dimão//

Pois este quis me dar um dote//

Ele até compôs certa canção//

Quando reparou no meu decote//

Te digo sim, meu santo irmão\\

Falar-te- ei na minha simplicidade\

\Essa nobre e sutil jaculação\\

Que seja santificada a nossa felicidade\\

Meus pensamentos são puros//

Sonho com padres rezando//

E depois aceito os enduros//

E meus joelhos vão se dobrando//

Mas não fujo das noites escuras\\

E não deixo entrar tais cismas\\

Tentações têm nas brancuras\\

De certas abençoadas batinas\\

Esse cajado já abriu o meu mar/

/Pois foste bem duro e respeitado//

Agora eu o sinto no patamar//

Aonde as moças rezam um dobrado//

Vamos então à catacumba\

\Onde queres me levar\\

E ai despachamos a macumba\\

E a enviamos pro Neimar\\

Dos escuros vem as luzes//

Bem ao fundo há a esperança//

E já sinto os estertores//

Dessa grande esporrança//

E que nos salve essa pajelança\\

Dessa devassidão sem pudor\\

Então venhas com tua lança\\

Para que cheguemos ao Redentor\\

E no santuário dessa tua língua//

Nem preciso chupar a chave sacra//

É só me tomares sem míngua//

E consagrar-me na tua via-láctea//

Meu domingo será de abstinência\\

Convocarei os freis, os padres e os bispos\\

Mas se tiveres um tanto de paciência\\

Mostrarei o meu umbigo\\

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 12/10/2014
Reeditado em 12/10/2014
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