Frei Dimão concita Kathmandu à oração

Se a noite não passaste

em oração recolhida

no Recanto será que entraste

aquele antro de alma perdida?

Eu passei a mão no rosário

com a mais alta devoção

rezando pelo relicário

que beijaste em comunhão

Minha batina surrada

num momento eu levantei

para dar uma amenizada

no calor que enfrentei

Para hoje tenho um programa

que irá te agradar

fá-lo-emos em plena cama

onde eu irei te exorcizar

Mas antes eu preciso

que andes de norte a sul

pois faz bem ao meu juízo

um comprimidinho azul

Junto as ardorosas preces

me faz um bem esse remédio

vem bem se não te esqueces

ele te livra até de assédio

E enquanto opera o Satanás

juntos iremos enganá-lo

comigo bem operarás

se só fizeres como (m) eu falo

Es discípula virginal

um exemplo de boa menina

tens dotes a dar com o pau

se incorporas minha doutrina

Das ovelhas tresmalhadas

deste pervertido Recanto

és do Pai das mais amadas

digna de seguir homem santo

E se o Pai me deu sacro dote

em prática devo botá-lo

mas urge que teu decote

se cubra como eu te falo

Esquecerás o xaxado

o samba, também a rumba

fechar-te-ei em cadeado

numa estreita catacumba

E nem mais penses em forró

pra não despertar-me o tsuru

senão cai divino toró

ao cantar de Castanha e Caju

Apresentar-te-ei ao bom Noé

que é um servo de boa marca

e lá com bastante fé

na sua arca ele te embarca

Quanto ao meu cajado

irás poli-lo com todo zelo

ele anda muito breiado

e temo que perdendo apelo

Depoiis do néctar sagrado

compungida irás provar

ele anda meio melado

mas com força irá jorrar

Quanto às cuecas minhas

de boa esfrega necessitadas

impolutas, quero-as limpinhas

e num bom ferro bem passadas

Hoje é sábado santificado

por isso do Recanto fujas

evita assim todo pecado

bem como o pio das corujas

Fazendo assim o que te prescrevo

terás tudo o que é preciso

pois contigo hoje devo

penetrar contigo no paraíso

De Monay faz sua sabatina e, em exemplo em que me espelho, do frade velho, segue o evangelho:

Passei a noite entoando canções\\

Recolhida entre o edredom\\

Entre as coxas tantas monções\\

Entretanto é tu que tens o dom\\

Teu rosário beijei incauta//

Mas me deste o ofertório//

Compus até na tua pauta//

Diante desse lindo risório//

Sim, meu adorado santo\\

Agrada-me esse convite\\

E não sinto tanto espanto\\

Só deixe-me te dar o arrebite\\

Nada disso, Dimão querido//

Nas nossas preces somos dois//

A procurar consolo já tido//

E nossa saliência não precisa de comprimido//

Os assédios não me seduzem\\

Apenas a reza de meu santo\\

Que aos anjos até reluzem\\

E tudo só me mostras o encanto\\

De satanás nada eu quero//

Mas de ti até o teu turíbulo//

Então deixa de lero-lero//

Que com você, tudo eu engulo//

Numa segundinha, de Monay segue absorvendo a ladainha:

Meus dotes deixo no decote\\

E mostro ao frei toda a faceirice\\

Mas não vá com muita sede ao pote\\

Que sou a mais santa na brejeirice\\

Sou-me arredia já lhe falei//

Portanto quero que me repreendas//

E me junte a sua lei//

Que seguirei sem nenhuma contenda//

Quero me cobrir com teu manto\\

Deixe-me na sua clausura\\

Ate que eu tenha esse santo\\

Que irá me castigar dita dura\\

Quero muito é testemunhar//

Recitar a gênese desse enredo//

Dançar xaxado e depois comungar//

Fazer do meu frei o meu segredo//

Do tsuru eu sou e sempre serei\\

Essa ave maravilhosa e penuda\\

E agora vamos direto ao rei\\

Só não vá ressuscitá-la na encruza\\

Noé é meu amigo fiel//

Botou os bichinhos na arca//

Não deixou nenhum deles ao leu//

Até as piranhas fizeram fuzarca//

Teu cajado eu sempre zelo\\

Deixo lustroso feito cera\\

Mas atenda ao meu apelo\\

Essa anja merece tua beira\\

Provarei do teu valioso mel//

Até desfalecer embriagada//

Sou aquela que faz do anel//

Como a freira faz de madrugada//

Nesse sábado iremos orar, meu Dimão\\

Ainda assim entrarei no Recanto\\

Posto que sei das almas que aqui estão\\

Esperando pela minha salvação\

\Farei o que o meu mestre mandar//

Até com narguilé irei aos céus//

Mas necessito de teu divino manjar//

Antes que me perca num bordel//

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 11/10/2014
Reeditado em 11/10/2014
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