Caravela da saudade.
No natal a caravela
Parte rumo ao infinito
Não tem motor e nem vela
É movida pelo agito
Das mãos de todas aquelas
Que vão atender o aflito.
Nessa nau vai a saudade
Vai amor, vai a paixão,
Vai a dor, a amizade,
Vai pedidos de perdão
Vai o pão da caridade
Que alimenta a gratidão.
Vai também a flor-de-lis
Que nasceu no lamaçal
Vai a paz do infeliz
Que pra si plantou o mal
Vai a sorte de quem diz
Que não teme o seu final.
Vai a sorte do planeta
Que o homem condenou
Vai a criança espoleta
Que o seu tempo aproveitou
Segue o som de uma corneta
Que o anjo do bem tocou.
Vai pedido do ingrato
Que em si somente pensa
Vai pena do condenado
Viu que o crime não compensa
Vai a dor do amargurado
Que perdeu a recompensa.
Segue um facho de luz
Que ilumina o seu caminho
Ele sempre ao bem conduz
Nunca leva ao descaminho
É uma força que reduz
O que existe em desalinho.
Ilumina o mar aberto
Ilumina o azul do céu
É um sol a descoberto
Que do escuro tira o véu
É sempre um caminho certo
Pra não se andar ao léu.
Essa nau perdeu a quilha
Mas não perde a direção
Passa de ilha em ilha
Pra cumprir sua missão
Não navega uma só milha
Flutua no coração.
É caravela de luz
Com destino definido
Só em vê-la se deduz
Que ali não há banido
Somente justos conduz
Como sendo um corpo unido.
Leva em si a união
Que existe em cada um
A entrega do timão
É feita pra qualquer um
Se no mar cai um irmão
Nela sempre cabe um.
Na nau dos desesperados
Ninguém entra por prazer
Ali todos são culpados
Cada um tem o dever
De usar o seu passado
Para o presente fazer.
Porém a nau capitânia
Guia todos sem deixar
Ainda que momentânea
De confiança inspirar
Nela vai a coletânea
Do que temos a expiar.
Toda caravela parte
Para um destino além
De onde vem a maior parte
Daquilo que nos convém
Essa é a melhor parte
É de lá que o amor vem.
Caravela da saudade
Eu um dia também quis
Embarcar a falsidade
Contentar-me com o que fiz
Mas a fé e a lealdade
Me instaram a ser feliz.