Eu, a morte.
Sou a morte, sim senhor,
Em mim sou a realeza
Não distingo o sofredor
De quem fez grande proeza
Também não retiro a dor
De quem cometeu vileza.
Sou a morte, assim me acusam,
Mas sou eu o dom da vida
Se da sorte alguns abusam
Ou se fugiram da lida
Se os maus conselhos usam
Isso faz vida perdida.
Não se esqueça que a morte
De ser boa ela é capaz
Ela retira a má sorte
Pode devolver a paz
Mesmo sendo muito forte
De matar é incapaz.
Sempre se ouviu dizer
Que se morre de acidente
Que também pode morrer
Quando o pulso ninguém sente
Que se pode falecer
Se o olhar está ausente.
Nunca porém vai ouvir
Que se morre de morrer
Se disser tente sorrir
Diga que é para esquecer
Pois você há de convir
Que morrer é renascer.
Se a morte fosse o fim
De que serviria a vida
Se foi boa ou foi ruim
Se cumpri ou não a lida
O final seria enfim
Simples tempo de uma vida.
Seria também um tempo
Que passamos sem saber
Qual seria o nosso intento
Para aqui vir e viver
Tendo ouro por assento
Ou se longo padecer.
Qual seria o pagamento
Pela nossa honestidade
O porquê do sofrimento
Como corrigir maldade
Afinal seria um tempo
Sem qualquer utilidade.
Certo é que a morte é fim
Daquele corpo enfeitado
Numa caixa de marfim
Com coroas ao seu lado
Perfumado com jasmim
Ou num lençol enrolado.
Esse corpo nunca sabe
Se está ou não a sós
Sequer pede que acabe
Aquele velório atroz
Mesmo que alguém se gabe
Sempre se morre a sós.
O morrer é um tormento
Pra quem vive atormentando
Teme chegar o momento
Para o qual está andando
Vai colher o sofrimento
Que na vida foi plantando.
Mas porém é bom viver
Para ver como sou forte
Eu igualo todo ser
Pequeno ou de grande porte
De mim procure esquecer
Pois eu sou prima da sorte.
Para uns eu causo medo
Para outros dou bonança
Sou do feio um arremedo
Mas também dou esperança
Para alguns eu chego cedo
Para outros na tardança.
De mim muitos se afastam
Por temer os cemitérios
As suas fortunas gastam
Cometendo vitupérios
Entretanto não me matam
Sou de Deus um dos mistérios.