O grito do inocente.

Quando um inocente grita

Ninguém vai lhe acudir

O seu grito quebra a brita

Pro seu mundo construir

E aqui fica esta escrita

Para todo mundo ouvir.

O meu grito é o desespero

Por um mal que eu não causei

Me jogaram em um vespeiro

Do qual nunca reclamei

Também sou o derradeiro

A negar que concordei.

Sou um ás no meu ofício

Um honrado artesão

O trabalho é o meu vício

E também meu ganha-pão

Se fiquei sem meu serviço

Nem por isso sou ladrão.

Sob a luz de uma lanterna

Venci noites trabalhando

Se a vida é coisa eterna

Eu com ela estou lutando

Encontrei muita baderna

Mas estou sempre cantando.

Tive a minha companheira

Só a ela dei valor

Conheci outra rameira

Mas neguei-lhe o meu amor

À mulher trabalhadeira

Dei a vida sem favor.

Tive falsos companheiros

No trabalho que exerci

Foram vários galhofeiros

A olhar pra mim e rir

Mesmo assim eu fui ordeiro

Para a paz eu existi.

Para os filhos dei conselhos;

Aos amigos respeitei;

Para alguns eu fui espelho;

Para outros fracassei;

Ante Deus fui de joelhos;

Receber mais que o que dei.

Aos compadres dei bom dia

Às comadres proteção

Aos incultos o que eu sabia

Aos caídos dei a mão

Aos soberbos eu daria

Muita ajuda e oração.

Apesar de tudo isso

Sou refém da falsidade

Retirado do serviço

Fui levado pra cidade

Algemado, porém disso

Sem qualquer necessidade.

Processado e condenado

Sem direito a reclamar

Um promotor mui irado

Só queria condenar

Um juiz sempre calado

Nunca me deixou falar.

Um advogado obreiro

Nunca viu esse meu drama

Foi às vezes enfermeiro

Visitando-me na cama

E no fim, por derradeiro

Conquistou a minha dama.

Condenado inocente

Recolhido á prisão

Acabei por fim doente

Sem direito à injeção

Acabei virando um crente

Para ter compensação.

Pras mentiras que eu ouvi

Sempre tive os argumentos

Para as moças que eu vi

Dirigi maus pensamentos

Para os guardas que eu não vi;

Dirigi meus xingamentos.

Fui deveras comportado

Mas no fim nada valeu

Tive o corpo massacrado

Pela dor que não doeu

Fui um preso afamado

Que a si mesmo nada deu.

Fiz meu voto ao Senhor

Pratiquei a caridade

Tive um homem por pastor

Que falava em santidade

E no fim causou furor

Por viver leviandade.

Como um preso inocente;

Sou das leis um ressentido;

Sei também que muita gente;

Para mim tampou o ouvido;

Dessa o desejo ardente;

Sempre foi calar meu grito.

Renato Lima
Enviado por Renato Lima em 06/09/2014
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