A SAGA DE ZÉ MONTANHA CONTRA O CRAMUNHÃO NO TREM DA MORTE
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Vou contar minha gente
A vida de Zé Montanha
E das suas artimanhas
Cabra vivo e valente
Ele leva a vida sempre
Com vontade e valentia
Sai na noite, sai de dia
Vai buscar o alimento
Pra alimentar os rebentos
A quem nunca deixaria
Ele nunca foge à luta
Homem sempre disposto
A dar à tapa o rosto
Pra qualquer fio da puta
Pois que nada o assusta
Esse homem é pedreira
Vai catar xepa na feira
Vai vender ferro velho
Quebrar pedra a martelo
Vai varre a rua inteira
Cara alegre da moléstia
Pra ele a vida é muito boa
Ele nunca tá à toa
Faz de tudo uma festa
Ajuda a quem não presta
Da comida pro ladrão
Ele até dorme no chão
Pra sua sogra da à cama
Mesmo tendo ele a fama
De ser quem ela detesta
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Sempre um bom sujeito
Nunca arruma confusão
Foge até de discussão
A todos tem muito respeito
Todos dizem: - desse jeito
Ele vai ser um grande pai
Um homem que sempre faz
As vontades da mulher
Um cabra de muita fé
Como não se vê jamais
Mas a vida prega peças
E muda nosso destino
Sendo bom desde menino
Limpo na vida pregressa
Como se fosse uma mexa
A mancha a sua alma
Ele não pôde ter calma
De lidar com a situação
Fez até muita oração
Na igreja bateu palma
Pediu ao Padre Pereira
Que o livrasse desse mal
Que da mão tirasse o pau
Para não fazer besteira
Mesmo que ele não queira
A vergonha é maior
Na garganta tem um nó
Que o faz desesperado
Andando pra todo lado
Se sentindo muito só
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Ele andava pela rua
Procurando tal matuto
Tal de Ricardo Bruto
Pegou sua mulher nua
Deitada na cama sua
Enroscada no lençol
E quando nasceu o sol
Ele estava chorando
Pela rua ia caminhando
No campo de futebol
Encontrou o desgraçado
Na partida de pelada
Com sua cara safada
Da rodada já cansado
Nem olhou para o lado
E viu José com o pau
Como uma cara de mau
E sangue puro nos olhos
E suando pelos poros
Bateu no cara de pau
No chão Ricardo Bruto
Meio que sem entender
Como foi acontecer
De apanhar daquele puto
E na cidade do pé junto
Ele foi de vez morar
Sem nem mesmo esperar
E daquele dia em diante
Não teve mais a chance
De outro homem chifrar
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Foi então pra sua casa
E com a mulher falou
Que o Ricardão matou
Lá no campo da praça
E selou sua desgraça
Com ela, que o chifrou
Ele foi mais violento
Amarrou-a no jumento
E no meio ela rasgou
Depois foi tomar cachaça
O povo achou estranho
Que aquele homem bom
Que andava sempre no tom
Fizesse crime tão medonho
Para eles era um sonho
E queriam entender
Como foi acontecer
Tal desgraça tamanha
Que a cidade apanha
Para se surpreender
José Montanha, pois
Homem cheio de amor
No auto de seu calor
Acabou logo com os dois
E todo povo depois
Ao saber do ocorrido
O motivo dolorido
Do chifre que ele levou
Ao Montanha perdoou
E ele fugiu corrido
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Montanha andou sozinho
Por longas terras secas
Lutou com moscas e vespas
Por um longo caminho
Nem sequer cachorrinho
Andava a seu lado
Estava desesperado
A procura de um lugar
Que pudesse se deitar
E descansar seu corpo
Que mais parecia morto
De tanto perambular
Eis que no meio do mato
Como se fosse magia
Em plena luz do dia
Que se ocorreu o fato
Que o deixou estupefato
E com cara de bundão
Que ele afunda na mão
Não queria acreditar
Que naquele ermo lugar
Tivesse tal aparição
Uma máquina sombria
Naquela terra rachada
Onde nunca havia nada
Apareça assim de dia
E causando-lhe azia
Com um cheiro tão forte
Que mas parecia morte
Fazendo-o vomitar
Seu estômago enjoar
E entrega-lo à sorte
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Aquela máquina tão feia
Que para ele tão estranha
Que da terra, das entranhas
Faz sangue pular na veia
Eu fogo na cara ateia
Era nada mais que um trem
De vagão tinha uns cem
De onde sai dele um sujeito
Que andando meio sem jeito
Parece procurar alguém
Quanto mais chega perto
Mais o cheiro fica forte
Aquele cheiro de morte
Misturado com dejetos
Trazia não mão um feto
E falando com José
Que não se aguentava em pé
Com um bafo dos diabos
E um futum desgraçado
Misturado com rapé
Disse então o estranho:
- olha José seu rebento
Que em algum momento
Seria do seu rebanho
Que agora eu apanho
E enterro ele no chão
Ao lado desse valão
Pois ele não vai vingar
Que o pai que aqui está
Chora com sangue na mão
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Quem é tu desgraçado?
Que aparece feito cabra
Nessa máquina macabra
Assim todo engomado
Com um jeito de viado
A me fala essa besteira
Caso eu te ouvir não queira
É melhor você ir embora
Que eu a qualquer hora
Enfio-te a peixeira
Tu não vai ser o primeiro
Já matei outro animal
Que pulou no meu quintal
E comeu no meu viveiro
Fez-me corno por inteiro
Desgraçando minha vida
Que talvez nunca consiga
Mesmo que passe os anos
Que eu mudo os meus planos
Eu esqueço esta briga
Então me deixa de lado
Não quero matar você
E você não vai querer
Ter o seu bucho furado
E seu sangue espalhado
Pela terra tão sofrida
E daquela tal barriga
Não ia nascer rebento
A não ser do outro sujeito
Com aquela rapariga
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Que é isso seu José
Não pense mal de mim
Que não sou ruim assim
Assim não vai dar pé
Tenha um pouco de fé
Eu sou um cara legal
A você não faço mal
Nem faria a outrem
Não feriria ninguém
Com um pedaço de pau
Mas você José, fez isso
E eu vim pra te levar
Você vai me acompanhar
Isso é um compromisso
Mesmo que com feitiço
Eu tenha que te amarrar
E para dentro empurrar
Para você vir comigo
Então venha como amigo
Não adianta lutar
Eu sou o maquinista
Vou te mostrar o caminho
Vou tratar com carinho
E tem uma bela vista
E você está na lista
Para essa rápida viagem
E já está ficando tarde
E nós precisamos ir
Vamos sair logo daqui
E para de viadagem
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Escuta aqui seu sujo
Se aqui tem um viado
Um sujeito aboiolado
Esse cabra, xibungo
É você de olho fundo
Com esse jeito afeminado
De quem pelo outro lado
Gosta de sentir o ferro
Que sequer um berro
Você dá esgoelado
Se matei aquela quenga
Defendendo minha honra
Eu não sou morde fronha
E não fujo a uma arenga
Ainda que ela deu a fenda
Pro maldito do Ricardo
Que pulou o meu cercado
Enfiou pau lá no meu forno
Transformou-me num corno
Deixando-me enfeitado
Se eu não mato puto
Se contra ela não agisse
Depois de me botar chifre
Viraria o assunto
De verdade, lá no fundo
Seria corno convencido
José Montanha Florido
O touro manso da cidade
E chamado com vontade
-Vem cá, Montanha chifrudo!
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Com toda a discussão
O homem impaciente
Olhou José de repente
E mudou sua feição
Jogou a máscara no chão
E logo se apresentou
Ela não era um viado
Era mesmo o diabo
Disfarçado de homem bom
Que mudou também o tom
Do que era conversado
- Escuta aqui Montanha
Estou cansado disso
Meu ouvido não é penico
Vamos parar de manha
Minha mão você apanha
Que pro trem nós vamos
Que eu tenho meus planos
E preciso ir embora
Vamos trilhos a fora
E depois nós afundamos
Esse aqui é o trem da morte
Levo almas pro inferno
Eu sou o cão eterno
Sou conhecido no Norte
Levo fraco, levo forte
Levo quem quiser levar
Para no inferno queimar
Sua alma agora é minha
Deixe dessa ladainha
Vamos logo viajar
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Como fosse um feitiço
Eles estavam no trem
Indo direto para o além
Rápido como um esguicho
Nos vagões vagavam bichos
Pessoas presas por correntes
E um homem que sem dente
Comia restos do chão
A colher eram as mãos
Estava tudo tão podre
Não respirou enquanto pode
Quase parou seu coração
Em outro vagão branco
Sentada em uma cama
Nas veias entravam lama
A velha ria num canto
Um velho estava em planto
Porque a velha ia morrer
Ele não tinha como correr
Seu pé preso com prego
E com um olho cego
Sentiu que ia falecer
O trem na escuridão
No meio da tempestade
Parecia ser bem tarde
Não era dia mais não
E chegando ao portão
Do que era o inferno
Tinha um leão de terno
Acorrentado no pescoço
Leãozinho pele e osso
Parecia subalterno
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Mesmo estando lá embaixo
Zé montanha não se abate
Mesmo que fosse em marte
Ou lá nos países baixos
- Minha cabeça não abaixo
Dizia nosso querido
Se me bater eu revido
Vocês não cheguem perto
Pois no saco eu acerto
E deixo todos caídos
Vou lutar até a morte
Com qualquer um que vier
Vou na mão, bato com pé
Não acredito em sorte
Olhem bem para meu porte
E sintam medo de mim
Numa guerra sou assim
Não fujo de uma disputa
Sou uma fera numa luta
Rasgo tudo em pedacinho
Isso aqui é um engano
Esse não é meu lugar
Aqui eu não vou ficar
Nem um dia, nem um ano
Não sou santo sou profano
Mas fiz tudo possuído
Assim não teria sido
Se não fosse esse diabo
Esse mequetrefe safado
Quem tivesse agido
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Sempre vem com esse papo
Eles são sempre inocentes
Mentem que nem sentem
Eles nunca são culpados
Sempre olham par o lado
E dizem que foi o diabo
Eu não tenho culpa não
Só por ser o cramunhão
Sempre eu que levo a culpa
E esses filhos da puta
Recebem a comunhão
Ora veja se eu posso
Aturar o disparate
Desse matador covarde
Que bateu nele com pau
E ainda jogou sal
Nas feridas do coitado
Que estava ensanguentado
No gramado do campinho
Estirado ali sozinho
Com o crânio rachado
E ela antes de morrer
Teve sua carne rasgada
Sem ter sido julgada
Pra tentar se defender
Pra explicar pra você
O que tinha ocorrido
E pedir para o marido
Para não fazer aquilo
Mas o louco bicho grilo
Matou e não deu ouvido
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Montanha:
- Que conversa é essa
Que você me diz agora
Isso é um papo furado
Ou é de se jogar fora?
Pra criar mais confusão
Para eu não ir embora?
Diabo:
- O que foi que eu falei
Pra você ficar assim?
O que eu disse não sei
Saia de perto de mim
Sua alma já é minha
Vamos dar nisso um fim
Montanha:
- Se a minha alma é sua
Porque matei o carcará
A dele também é sua
E onde é que ele está
Tinha que estar aqui
Pelo chifre me botar
Diabo:
- Ele ainda vai chegar
Portanto não fique triste
Sua alma eu peguei
Porque na sua testa existe
O passaporte pro inferno
Que são os pares de chifres
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Montanha:
- Mas eu também não a vejo
Foi ela que me traiu
Trair também é pecado
Assim o Judas caiu
Isso tá cheirando a mentira
Que da sua boca saiu
Diabo:
- É que ela tá em pedaços
Pela peia do jumento
Mandei-a pra remendar
Ver sangue eu não aguento
Ela logo vai chegar
E acabar com o tormento
Montanha:
- Eu tô me sentindo esquisito
Parece que eu tô sonhando
Diabo com medo de sangue
Isso eu tô estranhando
Agora eu tô me lembrando
Porra, tu tá me hipnotizando
Diabo:
- Estou mesmo Zé Montanha
Mas tu tá em minhas mãos
Não vai poder sair daqui
Tu não vai escapar não
Com os chifres da tua testa
Não tem absolvição
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Montanha:
- Se isso é uma hipnose
Então nada aconteceu
Não houve chifre nenhum
E Dorinha não morreu
E também na minha testa
Nada nunca floresceu
Assim sendo diabo
Chibungo, cramunhão
Filho de chocadeira
Bastardo do cão
Minha alma não é sua
E me ouça com atenção
Se para entrar no inferno
A testa tem que tá enfeitada
Eu não posso ter estada
E nem usar este terno
Pra dormir o sono eterno
Posso voltar pra minha Dóra
Porque já passou da hora
E estou cheio de saudades
Com muitas felicidades
Vou ver o nascer da aurora
E assim José Montanha
Voltou para sua amada
Botou vidro na calçada
Colocou no muro banha
Para evitar gente estranha
Pôs cercas eletrificadas
Aumentou a sua armada
E matou Ricardo Bruto
Pra evitar que aquele puto
Comesse da sua cocada