O crucificado.
Se pra ti eu falo asneiras
Para outros sério eu sou
Assim fujo da canseira
Carregando o que restou
De donzelas fiandeiras
Que o destino escorraçou.
Dou coragem pro covarde
Balançar as suas pernas
Sou o fogo que não arde
Mas que aquece as almas ternas
Também sou quem chega tarde
Vindo das vidas eternas.
Tenho pó nas sapatilhas
Que o vento não soprou
Com as quais dancei quadrilhas
E que o tempo apagou
Hoje sigo a andarilha
Que de si não recordou.
Muitas gafes que cometo
São passagens que vivi
Vendendo prenda em coreto
Para quem já esqueci
Sei também o que é medo
De uma sogra que não vi.
Faço a sorte lhe sorrir
Mas lhe nego a sapiência
Mostro o caminho a seguir
Mas lhe tiro a paciência
Estimulo a prosseguir;
Mas escondo a consequência.
Posso as coisas retirar
Também posso devolver
Faço sonhador sonhar
Por querer o não querer
Faço o rico se julgar
Muito tendo, nada ter.
Sou aquilo que tu sonhas
Quero aquilo que tu tens
Faço ter vidas tristonhas
Esperando o que não vem
Dou e tiro mil vergonhas
Sempre em troca de um bem.
Posso ser a violência
Posso ser também a paz
Onde vou levo a ciência
Se a vejo vou atrás
Se não sou a inocência
Sou tampouco um ladravaz.
Posso ter mil preconceitos
De um amor mal resolvido
Portador de mil defeitos
Ser de crime absolvido
Sou, porém, o lar perfeito
Para um par já corrompido.
Se não sou tão sem juízo
Não sou mais que um demente
Se não causo prejuízo
Posso dar vida à semente
Da vitória dou aviso
Para quem luta decente.
Prego a lenda da vitória
Conseguida pela luta
Vou contando a minha história
Onde houver quem me escuta
Sou guerreiro sem memória
Essa é a minha labuta.
Bem sei que minhas asneiras
Deram vida ao meu passado
Se falei com lavadeiras
E comi pão mal assado
Na viagem derradeira
Fui mais um crucificado.