Quem será o pai da criança
Eu nasci em Rio Torto
No ano de sessenta e dois
O meu pai era já morto
Numa cornada de bois
Minha mãe me deu à luz
Já o dia ia fundo
Sua vida se reduz
A pôr filhos cá no mundo
Com pai morto e mãe chorada
O que iria acontecer
Minha mãe era esquentada
Precisava abastecer
Frio o morto ela aqueceu
Que foi preciso chamar
O bombeiro Sadeceu
Para a chama apagar
No rescaldo do incêndio
Nasceu irmã Clementina
Mais prosa para o compêndio
Mais língua sibilina
Neste escândalo de aldeia
“Parir sem ser vivo o home”
Nas mulheres fica a ideia
Que um dos seus homens a come
“Meu home não pode ser
E não é destas vergonhas”
Eu ainda estou pra ver
Mata-bichos e peçonhas
Muitas línguas viperinas
Em galope de cavalo
E home agarrado às crinas
Passa um ano e novo filho
Que obriga o mulherio
A apertar nó e atilho
Com tão grande desvario
Qualquer um era suspeito
Inclusive o mais sisudo
De se deitar no leito
E nas mantas de veludo
De quem é, de quem será
Era a pergunta da gente
A correr de lá pra cá
Num mexerico bem quente
Foram falar com o padre
Para abafar o escândalo
“Fique sabendo comadre
Eu não sei quem deu badalo”
“Por certo sabe da dita
Pois a ouve em confissão”
O padre transpira e hesita
Respondendo em prontidão
Com o ninho atrás da orelha
Num enorme vozeirão
“Não faça de mim aselha
Oiça bem o meu sermão”
“Do confesso nada digo
Nem poderia dizer
Remeta-se ao seu postigo
Coisa de Deus deve ser”
“A bênção padre me vou
Cumprir minha penitência
Sossegada não estou
Desculpe minha exigência”
Rua fora foi cismando
Nas palavras que ouviu
Seu cérebro foi pensando
E pronta resposta deu
“Filhos merecem estima
E se o pai não dá o nome
É porque veste a batina
Ai, meu Deus que o padre a come!”