O judeu.
Minha terra está distante
La pras bandas do Oriente
Trago na capa o alfanje
Pra me proteger de gente
E também falei pro monge
Do medo que a gente sente.
Cheguei aqui sem dinheiro
Por isso eu virei mascate
Andei junto com o tropeiro
Comendo pão com tomate
E depois virei vendeiro
De sabão de abacate.
Minha carga era pesada
Mas a carregava só
Minha mala era quadrada
Toda coberta de pó
Minha roupa era suada
Debaixo do guarda-pó.
Minha comida era leve
E de pouca consistência
Minha passagem era breve
Tinha pouca paciência
Não podia fazer greve
Disso tinha consciência.
Se almoço ofereciam
O tempero era ruim
Era pouco o que tinham
Estava tudo no fim
Isso tudo eu ouvia
Mas negava ser assim.
Não havia grão-de-bico
Mas comia feijão branco
Mantinha o costume antigo
De não por dinheiro em banco
Ser me chamavam de rico
Fingia pegar no tranco.
Se o jornal eu recebia
Só eu conseguia ler
Para alguém era agonia
Aquela escrita aprender
Mas aquele era o dia
Que pra mim era viver.
Se falavam enrolado
Mesmo assim eu entendia
Se eu vendia fiado
Quase sempre eu recebia
Mas se eu comprava fiado
Via de regra eu sumia.
Muitas vezes dei calote
Meu caminho eu mudei
Na cachaça do pipote
Muita água coloquei
Me escondi no caixote
Pra negar o que comprei.
Na velhice tive grana
Mas não sei se compensou
Foram muitas filigranas
Que o tempo acobertou
Depois eu me vi na grama
Ela é tudo o que restou.