O judeu.

Minha terra está distante

La pras bandas do Oriente

Trago na capa o alfanje

Pra me proteger de gente

E também falei pro monge

Do medo que a gente sente.

Cheguei aqui sem dinheiro

Por isso eu virei mascate

Andei junto com o tropeiro

Comendo pão com tomate

E depois virei vendeiro

De sabão de abacate.

Minha carga era pesada

Mas a carregava só

Minha mala era quadrada

Toda coberta de pó

Minha roupa era suada

Debaixo do guarda-pó.

Minha comida era leve

E de pouca consistência

Minha passagem era breve

Tinha pouca paciência

Não podia fazer greve

Disso tinha consciência.

Se almoço ofereciam

O tempero era ruim

Era pouco o que tinham

Estava tudo no fim

Isso tudo eu ouvia

Mas negava ser assim.

Não havia grão-de-bico

Mas comia feijão branco

Mantinha o costume antigo

De não por dinheiro em banco

Ser me chamavam de rico

Fingia pegar no tranco.

Se o jornal eu recebia

Só eu conseguia ler

Para alguém era agonia

Aquela escrita aprender

Mas aquele era o dia

Que pra mim era viver.

Se falavam enrolado

Mesmo assim eu entendia

Se eu vendia fiado

Quase sempre eu recebia

Mas se eu comprava fiado

Via de regra eu sumia.

Muitas vezes dei calote

Meu caminho eu mudei

Na cachaça do pipote

Muita água coloquei

Me escondi no caixote

Pra negar o que comprei.

Na velhice tive grana

Mas não sei se compensou

Foram muitas filigranas

Que o tempo acobertou

Depois eu me vi na grama

Ela é tudo o que restou.

Renato Lima
Enviado por Renato Lima em 24/08/2014
Código do texto: T4934836
Classificação de conteúdo: seguro