I
Pintou rebu no inferno

Um parangolé danado
Quando o diabo avisou:
Creiam, não estou “bolado”,
Vai ter eleição de cargos
E tudo bem planejado.
 
II
Inferno republicano
Com dorso federativo
De norte, sul, leste a oeste,
Em rol associativo
Com gente de muita gana
No pé do cargo eletivo.
 
III
Três poderes democráticos
Cada qual, no seu quadrado.
Com o demo no comando
Tem a câmara e o senado
Pra partido falastrão,
Preguiçoso e abonado.
 
IV
Deputado e vereador
Na demanda do varejo.
Pra ninguém chupar os dedos
Na fila do gargarejo.
A vaca tem muitas tetas
E pra todos, um gotejo.

V
No topo tem presidente.
Governador de punhado.
Prefeito se perde a conta
Só capeta bem talhado.
Quem mesmo de olhos abertos,
No inferno é rapinado.
 
VI
Satanás executivo
Pra tomar conta da banca.
Raposa no galinheiro
E pra espantar, nem carranca.
Só tem bobo desarmado
Magro no osso e pelanca.
  
VII
Só tem beco sem saída.
Se ficar o bicho come
Nem correr vai resolver.
É cupim com muita fome
Que muita madeira rilha
E toda prata carcome. 

VIII
Aqui tem capeta forte
Satã de muito mister.
Até rei levou rasteira
E pra ninguém tem colher.
Milico ficou mais tempo
No final tomou clister.

IX
No começo do mandato
Vai ser levado nos braços.
Ir pela porta da frente
Muita festa e “buzinaços”.
Ao final sai pelos fundos
No magote de ricaços.

X
Pra ninguém ficar parado
De dois em dois anos, tem.
A festa do troca, troca:
Quando o zaino diz amém.
Sem paletó e gravata
Da lei do voto, refém!
 
XI
Fica dito que votar
É direito conquistado
Entretanto de verdade
É compromisso ditado
Se não votar paga multa
E tem direito pilhado.
 
XII
Aos dezoito vai pro tacho.
Com dezesseis, se quiser,
Provar do fogo mais cedo.
Mas, se tal nica fizer,
Nasceu para ser bocó
Se ao mico não se opuser.
 
XIII
O voto é pra ser secreto
Eleitor deve saber
Mas vem a mídia bizarra
A colher intrometer,
Divulgando muito cedo
O rol de quem vai vencer

XIV
O partido tem um número
Candidato também tem
Assim como no xadrez
Pra controlar o vaivém
Daquele que vai aos ferros
E d’outro que diz: tô bem!
 
XV
Uma sopa de letrinhas
Pra aturdir eleitorado
Cada partido uma sigla
Pra ficar bem misturado
O alfabeto é pequeno
Para tanto aglomerado.
 
XVI
Tem quem se diz democrata
Também tem socialista
Outros combinam as duas
Numa tisana alquimista:
Um, é dos trabalhadores,
Outro apenas, trabalhista.
 
XVII
É legal ter ficha limpa
Mas, na hora da verdade,
Capeta salta de banda:
Diz ser tudo falsidade
Intriga de opositores
De gente sem lealdade.
 
XVIII
A CPI é chamada
Pra tudo investigar
Mas, em casa de compadres,
Não há nós pra desatar.
Numa menção de louvor
Traz mimo pra encerrar.

XIX
Na hora da propaganda
Tudo é bem dividido
Quem é grande fala mais
E chocho vai espremido
O grande fica gigante
Pequeno, diminuído.
 
XX
Na eleição dos infernos
E bem fácil encontrar:
Sujo, feio e mal lavado,
Nem precisa procurar
Mau, tinhoso e satanás,
Até cego vai achar.
 
XXI
É zanga da votação
Em qual satanás votar.
Com todos de mesmo peso,
Cara de muito zonar.
Mas se tratando das trevas
Com quem se pode topar?
 
XXII
Não pense sair pra briga,
Açoite que não resolve.
Melhor é gastar tutano
Pois o saber desenvolve.
E as marcas desse caminho,
Sombras que o futuro solve.
 
XXIII
Nada melhor que o silêncio
Como forma de desprezo:
Satanás gosta de bulha
Vai sentir o menosprezo.
Muito mais há por fazer
Pra deixá-lo indefeso.

XXIV
Mas eleição é quermesse
Festa da democracia
Fábula do faz de conta.
Ambição que não sacia
O clã manipulador
Que o cidadão anuvia.
 
XXV
Pra camuflar belzebu
Só bem montada campanha.
Na base de marqueteiro
Que o ferrete, d’ouro banha.
Com cara de “photoshop”
Logo o riso arreganha.
 
XXVI
Nesse jogo vale tudo:
Apelar pra candomblé
Rasga roupa, dedo n’olho,
E calçar no contrapé.
Para sair vencedor
Até mãe toma rapé.
 
XXVII
O programa de governo
Pé de cobra, ninguém vê.
É papo pra boi dormir
Cansado do balancê.
São palavras desbotadas
Repetidas em clichê.
 
XXVIII
Coloca pobre na rua
Pra servir em seu favor:
Ser espantalho “outdoor”
De seus banners, protetor.
Mas é bom ficar esperto
Com satã mau pagador

XXIX
Muito votante canhoto,
Que vende voto, matreiro.
Candidato ao sofrimento
De queimar-se no braseiro
Onde não há 1-9-3
Para esfriar seu trazeiro.
 
XXX
Enche a rua de santinhos
Suja os muros com seu nome
Não esquece também número,
Boa foto e sobrenome.
Uma frase de “slogan”
Que lhe sirva de pronome.
 
XXXI
Na reta vem o pior:
Deixar o bom e conforto
Pra na rua ver a massa.
Chega a pensar em aborto
No cagaço dessa hora
De tamanho desconforto.
 
XXXII
Com roupa bem casual
Sapato já desgastado.
Nada de cromo alemão
No giro pelo mercado,
Ou no sobe e desce morro
Com povo desabonado.
 
XXXIII
Mas tem quem faz tão perfeito
Que no dia de eleição
Defunto chispa da cova
Pra votar por devoção.
Bem-vinda biometria
Fim de tal abnegação.

XXXIV
Esse pleito dos infernos
Mais parece de outra gente.
E por simples semelhança,
Ou casual acidente.
É mera coincidência
De um padecer emergente.
 
XXXV
Não é pra ficar tristonho
Nem lamentar desolado.
Disfarçar também não basta
E menos ficar calado.
Muito tempo vai levar
Pra o inferno ser mudado.
 
XXXVI
Pois, no céu, ou no inferno,
Quem não se dá ao respeito,
Nunca será respeitado.
Sem lutar por seu direito
Vai penar por toda a vida
Sem nunca encontrar jeito.