Vida de circo
Eu deixei de ser artista
Pra viver na calmaria
Já não sou malabarista
Desisti da companhia
Encontrei na trapezista
Alguém pro meu dia a dia.
Estou certo que venci
Hoje sou trabalhador
A mulher que escolhi
Fez de mim um vencedor
E com ela eu aprendi
O valor do puro amor.
Perscrutei a minha alma
Em busca de solução
Pra minha falta de calma
Minha pouca educação
E ouvi que a minha arma
É a minha perdição.
Perguntei por que então
O perigo de andar
Desarmado pelo chão
Que tenho de caminhar
E ouvi como um trovão
Muito longe a ressoar.
Eu ouvia aquele som
Entendia muito pouco
Não pensei que fosse bom
E fazia ouvido mouco
Então percebi um tom
Que pensei vir de um louco.
Me chamava de bastardo
Que fazia diabruras
Meu pai não era o culpado
Porque não me deu cultura
Eu estava condenado
A viver em cela escura.
Eu fingi que não ouvi
Mas fiquei envergonhado
Alguém que eu nunca vi
Conhecia o meu passado
E assim eu percebi
Que era sempre observado.
Eu fiquei preocupado
Com tamanha autoridade
Não estava acostumado
A ouvir com seriedade
E assim me foi mostrado
A minha infelicidade.
Eu ouvi ele falar
Que ao faminto neguei pão
Minha mãe eu fiz chorar
Ao meu pai fiz traição
Ao patrão quis enganar
Enganei o meu irmão.
Disse que fui forasteiro
Roubei gado no sertão
Depois fui caminhoneiro
Mas furtei o caminhão
E gastei todo o dinheiro
Em antros de perdição.
E depois fui ser artista
Entrei num circo mambembe
Disse ser malabarista
Coisa que sequer me lembre
Nunca tinha sequer visto
E caí nesse perrengue.
Logo eu fui desmascarado
Não sabia o que dizer
Quando sentou ao meu lado
Quem eu não queria ver
E disse: tome cuidado
Vim aqui te defender.
Ela era a trapezista
Que dizia estar segura
Que eu era bom artista
Mas sofria alguma agrura
Para a sessão prevista
Ia com desenvoltura.
Eu senti enorme medo
Era hora de provar
Que fazia um arremedo
Mas poderia atuar
E assim comecei cedo
Minha roupa preparar.
Eu entrei no camarim
Ela chegou em seguida
Perguntei se estava a fim
De encontrar uma saída
O que fizera por mim
Punha em risco a sua lida.
Ela disse: eu vou em frente
Você pode redimir
Você é inteligente
E não tem aonde ir
Procure ser coerente
Faça a plateia rir.
Eu segui o seu conselho
Fiz o show da minha história
Quando me vi no espelho
Rebusquei minha memória
Então vi que o desvelo
Foi a causa da vitória.
Ali mesmo eu prometi
Que seria um bom ator
Comecei contribuir
Com histórias de humor
E depois eu decidi
Que seria um professor.
Ensinei contar piadas
Com bastante encenação
Ensinei as trapalhadas
Mostrava a tapeação
As sessões sempre lotadas
Eram a compensação.
Depois eu criei coragem
E falei pra trapezista
Eu quero seguir viagem
Pra lugar que daqui dista
Vou levar como bagagem
Você pra ser minha artista.
Ela aceitou sorrindo
Me dizendo: vou contigo
Deste circo estou saindo
Pra seguir com um amigo
Assim estou conseguindo
Um lugar pra ter abrigo.
Eu lhe disse: amigo não
Você vai com quem te ama
Tem você no coração
Quer você pra sua dama
É a recuperação
De quem retirou da lama.