"QUANDO EU MORRER" - Autor Zé Roberto
Z é Roberto quando fala
É tal qual furo de bala
R ibomba, e faz arruaça
O povo fica aturdido
B rilha o sol, faz estampido
E Deus libera a cachaça
R reunem, os anjos do céu
T odos cantando Cordel
O nde Zé dança, e faz graça!
(Zé Roberto)
No dia em que eu falecer,
peço pro povo velante,
a noite toquem um berrante,
botem pinga pra beber.
Espero comparecer,
Virgulino Lampião;
Patativa e Gonzagão;
o dono da Coca-Cola;
mais Pelé o Rei da bola,
E o pai da aviação.
Mandem rezar uma missa
Por volta do meio-dia.
Pra São José e maria,
Jesus e a Virgem Castiça.
Se o povo sentir preguiça
quero ver muito xaxado,
Poesia de Jorge Amado,
bode assado na panela,
mas a buchada congela
que é pro dia de finado
Quero muito choro e pranto
e lamento bem doído.
Que é pra defunto querido
e as véias puxar os canto.
Muito véu e muito manto,
muita vela e castiçal,
viúva passando mal,
reza de padre e de monge,
parente vindo de longe
pra hora do funeral.
Se for no céu que eu chegar
e gostar do ambiente,
eu como cabra decente
quero logo organizar.
Um boteco vou montar,
com a bebida eu me arranjo.
Sei que lá existe um anjo,
sujeito de muita fama,
já foi vendedor da Brama
conhecido por Arcanjo.
Mas quero tudo direito;
tirar ceenepejota,
pagar imposto de nota
sem esquecer do prefeito.
Um que sempre dá um jeito
liberando a papelada;
ele não vai pagar nada
na minha inauguração,
dou-lhe logo um garrafão,
mando jogar na calçada!
Mas voltemos ao velório,
pois sei que na madrugada,
a mulherada inflamada
agarra no falatório.
Tralalá e bolodório;
tititi e blá blá blá;
bolacha, café e chá;
piada, reza e fuxico:
"O defunto era rico ?
Muita briga inda vai dá !"
Um dos temas no momento
da mulherada no escuro:
"Será que tinha seguro,
ou deixou um testamento ?"
"O pobre era mulambento !"
Falava uma tagarela.
"Vê lá que apagou a vela,
"Corre e vê se tá fedendo"!
E o dia amanhecendo,
e o povo secando a goela.
Os meus colegas de bar
só vem na última hora.
Se bênzen e vão logo embora
"pra cerveja não esquentar".
Um já começa a falar:
"será que ficou devendo ?"
O dono do bar sabendo:
"ficou cem no meu caderno !"
"Vai cobrar lá no inferno !"
Outro no canto dizendo.
Mas bebum Deus não castiga
porque não sabe o que fala.
"Esse Zé era um mala,
vivia arrumando briga;
gostava de rapariga,
e não pagava ninguém,
cuspia dentro do trem,
jogava lixo no chão,
mas torcia pro Verdão...
pra time torcia bem !"
Hora do sepultamento...
A viúva inconsolável,
a lembrança inolvidável
do "ilustre" cidadão.
Mas ao fechar o caixão,
se desmanchando num canto,
coberta com lindo manto,
o povo vê aturdido,
num lindo e negro vestido,
uma louraça em pranto!
E o pau cantou bonito...
o padre pedindo calma:
"Jesus, salvai essa alma
que vive grande conflito!"
A viúva deu um grito,
dizendo: "fora galinha!
Essa herança é só minha!
Vá cantar noutro terreiro,
o Zé era meu primeiro!"
E a loira lá, quietinha.
Seguiu-se o sepultamento,
e o féretro pesado...
"Tinha era muito pecado":
um cunhado em pensamento.
Foi quando nesse momento,
não aguentando o caixão,
o tal caiu pelo chão,
na terra enlameada,
e o povo em gargalhada,
foi a maior confusão!
Passada a gritaria
o caixão é enterrado...
E a viúva dum lado
chorava em agonia.
"Mas lágrima não se via",
já dizia uma vizinha.
"Tá fingindo, a safadinha!"
Cochichava uma veia.
"Como é falsa essa mocréia,
chora feito uma galinha!"
O defunto então descansa...
E lá no céu vou chegando.
São Pedro: "Vô avisando,
mas é só por segurança,
aqui, o céu só alcança
quem tiver com tudo em dia!"
Eu pensei: "Virgem Maria,
agora que eu tô lascado,
minha folha de pecado
tem mais de cinquenta via!"
São Pedro puxou a lista
e franziu a “sombranceia”...
"Rapaz, a coisa tá feia,
você era comunista?"
"Carteirinha de petista",
falei pra ele baixinho.
"Já tô tirando um pontinho
dessa sua caderneta,
e tô vendo a coisa preta
mas fica aí no cantinho!"
E seguiu falando grosso,
muita coisa ele dizia.
Pecado que eu nem sabia:
"negou um prato de almoço?!"
Só não pulei no pescoço,
pra não dar nenhum entrave,
pensei: "relaxa, suave,
ele só cumpre o mandado,
mas tá meio apurrinhado,
e é o dono da chave."
Foi quando veio uma santa
e a Pedro deu um recado:
"O patrão tá avexado
pois tá na hora da janta.
Vê logo se adianta,
deixa aí o moço entrar.
Se o patrão se zangar,
e hoje é segunda-feira,
durante a semana inteira
sossego ele não vai dar."
Pedro também já com fome,
na lista passou "branquinho..."
Disse amim: " seu danadinho,
você é assim c'o ómi?
Pegue as coisas já e sómi !"
Só isso que eu escutei,
quem deu a ordem não sei,
por certo foi Jesus Cristo,
eu pensei: e eu com isto,
e foi assim que eu entrei.
Liberada minha entrada
e com o crachá no peito,
eu pensei: vou dar um jeito
de me enturmar c'oa moçada.
Mas boteco não vi nada,
só templo, igreja, mesquita...
Pensei: que coisa esquisita,
um bar vou ter que abrir,
pro povo se reunir,
e assim rolou essa fita.
N'outro dia meu anseio
mas com muita persistência,
fui falar com a presidência
no "gabinete do meio"...
E disse a Deus, sem rodeio:
Sei que estavas em vigília,
porém eu tô numa pilha
pretendendo abrir um bar,
que é pro povo relaxar,
ambiente de família.
Então Deus disse: "meu filho,
há tempos tenho vontade,
mas peço por caridade,
tu tens que andar no trilho;
uísque eu gosto é de milho",
disse baixinho piscando.
"Já estou autorizando,
e se precisar de dinheiro,
passa lá no financeiro..."
e os papéis foi assinando.
"Porém vou dar-lhe um conselho,
anote na sua lista:
Tem um tal João Batista,
todos chamam de pentelho.
Vive metendo o bedelho,
pra igreja quer levar...
Se ele te encontrar,
lhe aviso, fique esperto,
que com certeza, por certo,
vai querer lhe batizar"!
O conselho tendo ouvido,
disse: vamo ao o que interessa,
porque eu já tô com pressa
de ver tudo resolvido;
ao senhor faço um pedido
mas sem querer confusão,
pois preciso d’uma mão
pra me ajudar no negócio;
busque na terra meu sócio,
meu cunhado, o Cabeção?!
Deus me disse: “Tá fechado,
mas lhe pelo um favorzinho.
Tem aqui um certo 'anjinho',
quero ele contratado;
só vive desempregado,
não para em lugar nenhum,
pra não ter problema algum,
pra você, pra mim também...
não bote ele de 'barmem',
o nome dele é Mussum!”
Eu entendi o recado,
e não podia negar...
Eu tinha que contratar,
mas fiquei ressabiado.
Pensei: mas Deus é danado,
me derrubou do poleiro,
até me emprestou dinheiro...
bem que o povo tem dito,
e agora eu acredito...
Deus é mesmo brasileiro!
E veio a inauguração...
Casa cheia, e alegria.
Jesus, José e Maria
vieram com São João.
Eu pensei: assim 'tá bão',
já posso ficar calminho,
pois tenho um grande 'padrinho,
e se a bebida se acabar,
água aqui não vai faltar,
Jesus vai dar 'um jeitinho'!
E foi aumentando a lista
de todo jeito e padrão...
Chegou um tal de João
se dizendo Evangelista.
Não sendo João Batista,
pensei, eu tô sossegado;
ele foi recomendado
como desmancha-prazer,
desse mal não vou sofrer,
e o povo alvoroçado!
Chegaram Pedro e André,
e trazendo seu irmão
Tiago, veio João,
e logo chegou Tomé.
"Ô hómem de pouca fé",
disse Mateus à Tadeu.
"Cadê Tiago de Alfeu"?
Fala Simão o Zelote.
"Tá vindo com Iscariote,
Felipe e Bartolomeu!"
Noite alta e eu tranqüilo;
caixa cheio e eu num canto,
pensei: aqui só tem santo
e meu bar é 'segue no trilho'.
Eu sei que não vai ter grilo,
vou liberar a cachaça
da ruim, que é de graça;
porém só tinha um receio,
que Jesus de caco cheio
fizesse alguma arruaça...
E nisso Deus foi passando
e Jesus disse: Papai!
Maria disse “ai ai ai”...
pois José tava escutando.
“Vai logo me explicando,
o que esse moleque disse!”
"José, deixe de chatice,
Jesus bebeu um bocado,
vamos dançar um xaxado,
e esquecer essa tolice?”
José sai coçando a testa...
mas para não fazer fita,
diz: “que moça mais bonita
está entrando na festa!”
“Essa mocréia não presta,
é Madalena a perua!
José, se aquete na sua”!
E Maria dá-lhe um tapa...
“Me traz logo um penha-lapa,
Que vou beber lá na rua”!
Nisso, no outro salão,
Pedro que enchera o caneco,
gritou: “Aqui no buteco
só tem quenga e sapatão!”
Escutou-se um bofetão...
Era Jesus dando um berro:
“Safado, passo-lhe o ferro!
Cai pra dentro, cachaceiro!
Quem quiser venha primeiro,
que meu punhal eu enterro!”
E o pau quebrou bonito...
Foi só Bíblia que voava,
ali ninguém mais rezava
e eu achando esquisito.
Ouvi um tiro e um grito;
Era Deus já alterado.
"Cada um vai pro seu lado"!
E pensei, eu tô perdido;
Deus me disse, "tá fodido!"
E o meu bar foi fechado...
N'outro dia fui chamado
Na sala do presidento...,
que 'comeu meu pensamento',
me destratando um bocado.
"Você vai ser dispensado,
escreve ai no caderno;
tentou ser muito moderno
Só arrumou confusão!
Tô lavando minhas mãos,
Vai morar lá no inferno!"
Vi que a coisa tava preta
e sem chance de discutir;
no mesmo instante desci
sem fazer muita careta,
entre Deus e o capeta
vou decidir a partida,
e seguir a minha vida
começando a trabalhar,
e de bom grado ficar
onde me derem guarida.
Porém, minha profissão
somente é de botequeiro;
mas o diabo era ligeiro
e disse assim: "Meu irmão,
se não 'molhar minha mão',
não vende nem guaraná,
e ninguém vai liberar,
portanto, 'me dá quinhento',
e no lucro, dez por cento,
Ou não sai o alvará!"
Eu disse: então 'passa a régua'.
Faz o contrato, eu assino.
"É no bigode, menino,
e confia aqui no 'santo',
até lhe arrumei um canto,
não gosto de cambalacho!"
Fiz conta e pensei, eu acho
que agora eu tô aprumado,
no céu vendia um bocado
Imaginem aqui embaixo!
O negócio em andamento
recebi um golpe duro;
vi que não tinha futuro,
entendam meu sofrimento...
Porque num dado momento
chega um diabo diretor
e, com calma, diz: "doutor,
feche o bar e vá 'simbora',
aqui no inferno só mora
evangélico e pastor!"
peço pro povo velante,
a noite toquem um berrante,
botem pinga pra beber.
Espero comparecer,
Virgulino Lampião;
Patativa e Gonzagão;
o dono da Coca-Cola;
mais Pelé o Rei da bola,
E o pai da aviação.
Mandem rezar uma missa
Por volta do meio-dia.
Pra São José e maria,
Jesus e a Virgem Castiça.
Se o povo sentir preguiça
quero ver muito xaxado,
Poesia de Jorge Amado,
bode assado na panela,
mas a buchada congela
que é pro dia de finado
Quero muito choro e pranto
e lamento bem doído.
Que é pra defunto querido
e as véias puxar os canto.
Muito véu e muito manto,
muita vela e castiçal,
viúva passando mal,
reza de padre e de monge,
parente vindo de longe
pra hora do funeral.
Se for no céu que eu chegar
e gostar do ambiente,
eu como cabra decente
quero logo organizar.
Um boteco vou montar,
com a bebida eu me arranjo.
Sei que lá existe um anjo,
sujeito de muita fama,
já foi vendedor da Brama
conhecido por Arcanjo.
Mas quero tudo direito;
tirar ceenepejota,
pagar imposto de nota
sem esquecer do prefeito.
Um que sempre dá um jeito
liberando a papelada;
ele não vai pagar nada
na minha inauguração,
dou-lhe logo um garrafão,
mando jogar na calçada!
Mas voltemos ao velório,
pois sei que na madrugada,
a mulherada inflamada
agarra no falatório.
Tralalá e bolodório;
tititi e blá blá blá;
bolacha, café e chá;
piada, reza e fuxico:
"O defunto era rico ?
Muita briga inda vai dá !"
Um dos temas no momento
da mulherada no escuro:
"Será que tinha seguro,
ou deixou um testamento ?"
"O pobre era mulambento !"
Falava uma tagarela.
"Vê lá que apagou a vela,
"Corre e vê se tá fedendo"!
E o dia amanhecendo,
e o povo secando a goela.
Os meus colegas de bar
só vem na última hora.
Se bênzen e vão logo embora
"pra cerveja não esquentar".
Um já começa a falar:
"será que ficou devendo ?"
O dono do bar sabendo:
"ficou cem no meu caderno !"
"Vai cobrar lá no inferno !"
Outro no canto dizendo.
Mas bebum Deus não castiga
porque não sabe o que fala.
"Esse Zé era um mala,
vivia arrumando briga;
gostava de rapariga,
e não pagava ninguém,
cuspia dentro do trem,
jogava lixo no chão,
mas torcia pro Verdão...
pra time torcia bem !"
Hora do sepultamento...
A viúva inconsolável,
a lembrança inolvidável
do "ilustre" cidadão.
Mas ao fechar o caixão,
se desmanchando num canto,
coberta com lindo manto,
o povo vê aturdido,
num lindo e negro vestido,
uma louraça em pranto!
E o pau cantou bonito...
o padre pedindo calma:
"Jesus, salvai essa alma
que vive grande conflito!"
A viúva deu um grito,
dizendo: "fora galinha!
Essa herança é só minha!
Vá cantar noutro terreiro,
o Zé era meu primeiro!"
E a loira lá, quietinha.
Seguiu-se o sepultamento,
e o féretro pesado...
"Tinha era muito pecado":
um cunhado em pensamento.
Foi quando nesse momento,
não aguentando o caixão,
o tal caiu pelo chão,
na terra enlameada,
e o povo em gargalhada,
foi a maior confusão!
Passada a gritaria
o caixão é enterrado...
E a viúva dum lado
chorava em agonia.
"Mas lágrima não se via",
já dizia uma vizinha.
"Tá fingindo, a safadinha!"
Cochichava uma veia.
"Como é falsa essa mocréia,
chora feito uma galinha!"
O defunto então descansa...
E lá no céu vou chegando.
São Pedro: "Vô avisando,
mas é só por segurança,
aqui, o céu só alcança
quem tiver com tudo em dia!"
Eu pensei: "Virgem Maria,
agora que eu tô lascado,
minha folha de pecado
tem mais de cinquenta via!"
São Pedro puxou a lista
e franziu a “sombranceia”...
"Rapaz, a coisa tá feia,
você era comunista?"
"Carteirinha de petista",
falei pra ele baixinho.
"Já tô tirando um pontinho
dessa sua caderneta,
e tô vendo a coisa preta
mas fica aí no cantinho!"
E seguiu falando grosso,
muita coisa ele dizia.
Pecado que eu nem sabia:
"negou um prato de almoço?!"
Só não pulei no pescoço,
pra não dar nenhum entrave,
pensei: "relaxa, suave,
ele só cumpre o mandado,
mas tá meio apurrinhado,
e é o dono da chave."
Foi quando veio uma santa
e a Pedro deu um recado:
"O patrão tá avexado
pois tá na hora da janta.
Vê logo se adianta,
deixa aí o moço entrar.
Se o patrão se zangar,
e hoje é segunda-feira,
durante a semana inteira
sossego ele não vai dar."
Pedro também já com fome,
na lista passou "branquinho..."
Disse amim: " seu danadinho,
você é assim c'o ómi?
Pegue as coisas já e sómi !"
Só isso que eu escutei,
quem deu a ordem não sei,
por certo foi Jesus Cristo,
eu pensei: e eu com isto,
e foi assim que eu entrei.
Liberada minha entrada
e com o crachá no peito,
eu pensei: vou dar um jeito
de me enturmar c'oa moçada.
Mas boteco não vi nada,
só templo, igreja, mesquita...
Pensei: que coisa esquisita,
um bar vou ter que abrir,
pro povo se reunir,
e assim rolou essa fita.
N'outro dia meu anseio
mas com muita persistência,
fui falar com a presidência
no "gabinete do meio"...
E disse a Deus, sem rodeio:
Sei que estavas em vigília,
porém eu tô numa pilha
pretendendo abrir um bar,
que é pro povo relaxar,
ambiente de família.
Então Deus disse: "meu filho,
há tempos tenho vontade,
mas peço por caridade,
tu tens que andar no trilho;
uísque eu gosto é de milho",
disse baixinho piscando.
"Já estou autorizando,
e se precisar de dinheiro,
passa lá no financeiro..."
e os papéis foi assinando.
"Porém vou dar-lhe um conselho,
anote na sua lista:
Tem um tal João Batista,
todos chamam de pentelho.
Vive metendo o bedelho,
pra igreja quer levar...
Se ele te encontrar,
lhe aviso, fique esperto,
que com certeza, por certo,
vai querer lhe batizar"!
O conselho tendo ouvido,
disse: vamo ao o que interessa,
porque eu já tô com pressa
de ver tudo resolvido;
ao senhor faço um pedido
mas sem querer confusão,
pois preciso d’uma mão
pra me ajudar no negócio;
busque na terra meu sócio,
meu cunhado, o Cabeção?!
Deus me disse: “Tá fechado,
mas lhe pelo um favorzinho.
Tem aqui um certo 'anjinho',
quero ele contratado;
só vive desempregado,
não para em lugar nenhum,
pra não ter problema algum,
pra você, pra mim também...
não bote ele de 'barmem',
o nome dele é Mussum!”
Eu entendi o recado,
e não podia negar...
Eu tinha que contratar,
mas fiquei ressabiado.
Pensei: mas Deus é danado,
me derrubou do poleiro,
até me emprestou dinheiro...
bem que o povo tem dito,
e agora eu acredito...
Deus é mesmo brasileiro!
E veio a inauguração...
Casa cheia, e alegria.
Jesus, José e Maria
vieram com São João.
Eu pensei: assim 'tá bão',
já posso ficar calminho,
pois tenho um grande 'padrinho,
e se a bebida se acabar,
água aqui não vai faltar,
Jesus vai dar 'um jeitinho'!
E foi aumentando a lista
de todo jeito e padrão...
Chegou um tal de João
se dizendo Evangelista.
Não sendo João Batista,
pensei, eu tô sossegado;
ele foi recomendado
como desmancha-prazer,
desse mal não vou sofrer,
e o povo alvoroçado!
Chegaram Pedro e André,
e trazendo seu irmão
Tiago, veio João,
e logo chegou Tomé.
"Ô hómem de pouca fé",
disse Mateus à Tadeu.
"Cadê Tiago de Alfeu"?
Fala Simão o Zelote.
"Tá vindo com Iscariote,
Felipe e Bartolomeu!"
Noite alta e eu tranqüilo;
caixa cheio e eu num canto,
pensei: aqui só tem santo
e meu bar é 'segue no trilho'.
Eu sei que não vai ter grilo,
vou liberar a cachaça
da ruim, que é de graça;
porém só tinha um receio,
que Jesus de caco cheio
fizesse alguma arruaça...
E nisso Deus foi passando
e Jesus disse: Papai!
Maria disse “ai ai ai”...
pois José tava escutando.
“Vai logo me explicando,
o que esse moleque disse!”
"José, deixe de chatice,
Jesus bebeu um bocado,
vamos dançar um xaxado,
e esquecer essa tolice?”
José sai coçando a testa...
mas para não fazer fita,
diz: “que moça mais bonita
está entrando na festa!”
“Essa mocréia não presta,
é Madalena a perua!
José, se aquete na sua”!
E Maria dá-lhe um tapa...
“Me traz logo um penha-lapa,
Que vou beber lá na rua”!
Nisso, no outro salão,
Pedro que enchera o caneco,
gritou: “Aqui no buteco
só tem quenga e sapatão!”
Escutou-se um bofetão...
Era Jesus dando um berro:
“Safado, passo-lhe o ferro!
Cai pra dentro, cachaceiro!
Quem quiser venha primeiro,
que meu punhal eu enterro!”
E o pau quebrou bonito...
Foi só Bíblia que voava,
ali ninguém mais rezava
e eu achando esquisito.
Ouvi um tiro e um grito;
Era Deus já alterado.
"Cada um vai pro seu lado"!
E pensei, eu tô perdido;
Deus me disse, "tá fodido!"
E o meu bar foi fechado...
N'outro dia fui chamado
Na sala do presidento...,
que 'comeu meu pensamento',
me destratando um bocado.
"Você vai ser dispensado,
escreve ai no caderno;
tentou ser muito moderno
Só arrumou confusão!
Tô lavando minhas mãos,
Vai morar lá no inferno!"
Vi que a coisa tava preta
e sem chance de discutir;
no mesmo instante desci
sem fazer muita careta,
entre Deus e o capeta
vou decidir a partida,
e seguir a minha vida
começando a trabalhar,
e de bom grado ficar
onde me derem guarida.
Porém, minha profissão
somente é de botequeiro;
mas o diabo era ligeiro
e disse assim: "Meu irmão,
se não 'molhar minha mão',
não vende nem guaraná,
e ninguém vai liberar,
portanto, 'me dá quinhento',
e no lucro, dez por cento,
Ou não sai o alvará!"
Eu disse: então 'passa a régua'.
Faz o contrato, eu assino.
"É no bigode, menino,
e confia aqui no 'santo',
até lhe arrumei um canto,
não gosto de cambalacho!"
Fiz conta e pensei, eu acho
que agora eu tô aprumado,
no céu vendia um bocado
Imaginem aqui embaixo!
O negócio em andamento
recebi um golpe duro;
vi que não tinha futuro,
entendam meu sofrimento...
Porque num dado momento
chega um diabo diretor
e, com calma, diz: "doutor,
feche o bar e vá 'simbora',
aqui no inferno só mora
evangélico e pastor!"
Z é Roberto quando fala
É tal qual furo de bala
R ibomba, e faz arruaça
O povo fica aturdido
B rilha o sol, faz estampido
E Deus libera a cachaça
R reunem, os anjos do céu
T odos cantando Cordel
O nde Zé dança, e faz graça!
(Zé Roberto)