O SERESTEIRO

Dizem que sou perdulário

Vagabundo e aventureiro,

Não ligo para o trabalho

Nem dou valor ao dinheiro,

Mas eu sou é repentista,

Cantador e seresteiro.

Apontando meu roteiro

Seguindo as minhas pegadas,

A viola me acompanha

Com as cordas afinadas,

Companheira das serestas

Ao luar das madrugadas.

As ruas abandonadas

Não me oferecem perigo,

A solidão me acompanha,

O vento brinca comigo,

Quando me apraz eu demoro,

Quando não apraz eu sigo.

Vivendo como mendigo

Aos olhos da raça humana,

Tem dia que como um pão,

Outro dia uma banana,

Mas quem me julga infeliz

Redondamente se engana.

Assim entra e sai semana

Sem ter preocupação,

Meu lar de noite é a rua,

A minha cama é o chão

De onde eu vejo as estrelas

Cintilando na amplidão.

Dentro do meu coração

Não existe devaneio,

Se a barriga está vazia

O meu crânio é sempre cheio

E a minha maior riqueza

É não querer nada alheio.

De dia faço recreio

Na sombra dos arvoredos,

Sentindo as cordas sonoras

Brincarem com os meus dedos

E à noite faço orações

Contando a Deus meus segredos.

A brisa me conta enredos

Das mais bonitas histórias,

Faço poemas pra lua

Olhando as estrelas flóreas

Gravando os dramas da vida

No pen-draive das memórias.

Eu não corro atrás de glórias

Como Aquiles e Jasão,

Não desejo ser Homero,

Alexandre ou Salomão,

Porque sei que amanhã

Serei pó como eles são.

Vagando na solidão

Pelas ruas da cidade,

Satisfeito vou cantando

As canções da liberdade

Sem pensar em desventuras

Nem dar chance pra saudade.

Faço o que tenho vontade,

Porque só desejo o bem,

Sei que a natureza dá

E às vezes tira também,

Por isso tendo em excesso

Vou doando a quem não tem.

Contemplando o espaço além

Eu posso ver com clareza

De Deus o poder imenso,

Do ser humano a fraqueza,

O céu inteiro e a terra

Num só quadro de beleza.

Amo a Deus e a natureza

Com tudo que ela criou,

Levo a minha poesia

Aos lugares onde eu vou,

Não vou onde Deus está,

Mas Deus vem onde eu estou.

Não peço nada mas dou

Ajuda a quem necessita,

Vou vivendo a minha vida

Sem saber o que é desdita,

Buscando a quem me procura

E evitando a quem me evita.

Quando a coruja crocita

Nos arvoredos sombrios,

Nossas vozes se confundem

E o vento faz rodopios

Carregando as folhas secas

Que tem nos becos vazios.

Meteoros fugidios

Vão rasgando o firmamento,

Os vagalumes acendem

Tochas a todo momento,

Enquanto meus versos voam

Nas surdas asas do vento.

Eu só tenho o instrumento

Pra viver tocando em paz,

As ruas que me acolhem,

O rócio que a noite traz,

Pra quem não deseja nada

Já é ter coisas de mais.

Nestes meus versos finais

Convido meus companheiros:

Poetas e repentistas,

Cantadores violeiros:

Afinem suas violas

E vamos ser seresteiros!