OS DEZ GRANDES PORTUGUESES
E o pesadelo aconteceu. A própria cegonha que me trazia pelo bico quase me deixava cair quando se apercebeu do local de aterragem. Ela já conhecia este quintal. Não é muito grande nem muito pequeno – tem mais ou menos 92390 km 2, com vista para o mar em duas frentes e nas costas, uns hombres que hablam espanhol. A cegonha estava um pouco cansada: não sou nenhum bebé normal tenho 1,70 m de altura e peso 75 kg. Se o fosse não me incumbiriam deste serviço de sapa: tomar conta de dez safados que vivem no quintal para no fim da minha comissão de serviço escolher o melhor. O rascunho que me deram – penso que foi um doutor Saraiva que o passou a limpo – vai servir-me para a escolha. Os miúdos têm idades muito idênticas, mais mil anos menos mil mas o seu comportamento é o que vamos ver.
Arrumei as minhas fraldas, bebi um café e coloquei-me à porta da Europa a olhar os manfios escrevendo o meu relatório dia a dia.
Relatório:
-Ena pá! Este tem tipo de maluco. Empunhando uma espada e cortando o ar em todas as direcções, chama nomes à mãe ausente. Comprometeu-se com um primo distante e quis lixar o aio de nome Egas. Conheci-o logo. Era o Afonso. Dá-se muito bem com o senhor João Peculiar, bispo de profissão e empregado de Alexandre o Papa por estes terem ido na conversa de reconhecer que ele Afonso – era o dono do quintal e mais ninguém. Por isso, anda de um lado para o outro à espadeirada definindo o território. Nem ligou àquele de corda ao pescoço acompanhado de mulher e filhos. Já mamou São Mamede, Ourique, Cerne, Coimbra, Lisboa e outras que é feio dizer. Os filhos que contem. Tem piada que este Afonso não passa cartuxo aos outros. Por serem mais novos com certeza. Tenho que reconhecer :- “ é indiscutivelmente, quem está na origem daquilo que somos hoje, enquanto povo, enquanto país”.Um doido destes? Tá bem, pronto.
– Olha o António, ar de seminarista, cabelinho untado com azeite de Santa Comba, narigudo. O que é que este rapaz faz aqui, com uma cadeira enfiada na cabeça, e a repetir que é anti-liberal, anti-comunista e anti-parlamentar?- “Sei muito bem o que quero e para onde vou”, disse-me de passagem. Não foi muito simpático. Benzeu-se, e deixou dois pides escondidos nas árvores não sei para quê. Coisas do António. Quando recebe cartas com lágrimas de órfãos, viúvas, mães ou pais, deita-as no lixo. Anda desinteressado. Foi da pancada que levou. A cadeira não lhe sai da cabeça.
Tem graça que atrás dele vem o Álvaro. É um puto giro, tem o cabelo todo branco, ar inteligente, refinado e teimoso. Completamente diferente do António que usa a cadeira, este está sempre… na cadeia. Por culpa do António. Nem se podem ver. O Álvaro quando morrer vai ter mais gente que o António.
Reparo agora naquele miúdo ali. Conheço-o…mas não me lembra bem o nome dele. Está embrulhado numa túnica de franciscanos…AH! Não posso acreditar… Vestia bem, era diplomata de carreira e de categoria, salvou milhares de homens, mulheres e crianças, e o sacana do António da cadeira tratou-o mal. Casado e cheio de filhos, aquele maricas despediu-o e até a carta de condução lhe retirou. Vai comer à cantina dos refugiados. Morrerá na miséria, o Aristides. Nem caixão terá. Embrulham-no na túnica e lá vai. Bom, passemos à frente.
Aquele dá nas vistas. Bebe garrafas de aguardente Águia Real que é obra. Tem uma máquina de escrever emprestada, onde “poema” todo o dia. É místico, anti-comunista e anti-socialista. Um Desassossego! Troca de nome todos os dias, escreve cartas a ele próprio e vive com a avó Dionísia que é doente mental. Talvez por escrever muito bem vai ser considerado um grande poeta e morrer de cirrose. Tem uma namorada – a Ofélia – mas só lhe escreve banalidades. Nem um beijinho, nada. Deve ser ela que não quer, por causa do mau hálito. Fica-lhe bem o bigodinho. Um dia destes fez uma saída às escondidas até à Taberna da Papagaio. Veio de lá às tantas da manhã deixando-se dormir à porta do senhor Martinho da Arcada balbuciando a canção do tenor Zé Cabra”deixei tudo por ela deixei, deixei”. O que fez com que o Henrique, o moço de
Sagres que costuma dormir no telhado para estar mais em contacto com as estrelas do céu, acordasse sobressaltado e desse ordens a dois alunos da sua escola para irem descobrir onde estaria o Alberto João Jardim naquele tempo. Este Henrique intitula-se Infante de Sagres o que é estranho porque não bebe. O que conheço dele é através dos outros miúdos que o acham intriguista, sempre cheio de segredinhos, misterioso e até um pouco amaricado. Usa sempre um chapéu esquisito com um lenço pendurado que lhe serve para tapar a boca quando a abre, dizendo: “cala-te boca”. Passa os dias na escola que está cheia de marinheiros. Dizem que utiliza muito a técnica de ponta com eles, com os cartógrafos, geógrafos e mais navegadores. Bom, não dá estrilho e nos dias de nevoeiro pega num óculo e espiolha o horizonte. Deve andar à procura de alguém! Já pensei se ele não procura o outro jeitoso, o João perfeito!
O João esse cujo pai para o fazer rei, entrou num convento, anda preocupado com as obras do mar. Depois de matar o duque de Viseu mandou o Cão descobrir a Foz do Zaire e o Bartolomeu dobrar um Cabo. Negoceia léguas como quem negoceia cassetes-pirata. Ficará famoso o negócio em Tordesilhas. Vai-se a um cigano espanhol e diz-lhe: -assina aí que quero 100 léguas e tu estás de acordo. Depois de o cigano assinar, começa a discutir com ele, a chamar-lhe espanhol e que isto não era negócio não era nada. Grita: -aldrabão… passa para cá 370 léguas que são as que preciso. São méritos que a malta lhe reconhece. Menos uma Junta de invejosos que em Évora, numa petiscada perto do Fialho, lhe deram a comer uma lebre envenenada. O João é alto, forte, bem feito de corpo, tem o nariz comprido e a tez branca. Mas é fanhoso e isso tê-lo-á impedido de gritar pelo 112.Mesmo assim aguenta-se 4 anos. Começa a ficar flácido, disforme e a sucumbir. Vai ser o Segundo, depois do Duque de Viseu.
Quem se aguenta bem nas patuscadas e não há mal que lhe chegue é o Luís. Deixou de estudar para andar a curtir com as miúdas da corte. Arma-se em poeta, canta-lhes uns versinhos ao ouvido e zás. Até uma irmã do rei Manuel marchou. Os sarilhos procuram-no. Numa cena de pancadaria com um Gonçalo Borges saiu-se mal. Deu porrada a mais e foi parar à cadeia. Cantou umas quadras ao carcereiro que teve pena dele e o tirou da prisão mas embarcou-o com Fernão Cabral para Goa. Aí, ele Luís, vadio como sempre, tem um desabafo: “Goa é madrasta de todos os homens honestos”. (Olha se o Aníbal soubesse!). O Luís anda aborrecido por causa de umas dívidas que fez e vai para Macau. Uma vez lá aluga uma gruta e começa a escrever a história dos Lusíadas. No rio Mekong naufraga e deixa morrer a chinesinha Dinamene com quem vivia. Agarra-se aos manuscritos. Só com uma mão para nadar e só com um olho para ver, o que é que o Luís podia fazer? Vai morrer na miséria. Mesmo que o Alfredo Nobel tivesse lido os Lusíadas nunca chegaria a tempo de o ajudar. Ou mesmo o Saramago.
Embora por outras razões, quem nunca teve ajuda e acabou por morrer às mãos do “caracóis” foi a família Távora e o Duque de Aveiro. O Sebastião nunca perdoou traições. O patrão dele, o senhor José da Corte até parece ser seu empregado. É um choninhas mais preocupado com as parvoíces da filha Maria (doente mental) do que com os terramotos. Depois da morte do senhor José, a Maria maluquinha tornou-se dona do reino. Criou a lotaria e a Casa Pia e, proibiu o Sebastião de aparecer numa área inferior a 20 milhas. Diz ela que o Sebastião, aquando dos Távoras, até as criancinhas da família perseguia. Alem dos jesuítas. Que tinha acabado com os autos de fé mas não extinguiu a Inquisição. Pois ! Só estava prevista para 1821! Coisas da Maria que não é para aqui chamada.
O Sebastião? Anda aqui no quintal cheio de bronze, armado em domador de feras (tem um leão e até uma estação de metro). Não consta que se tenha abotoado com “algum” nessa construção. Um miúdo sério que sempre gostou de caracóis e de pombos.
-OH Vasco oh Vasco… até me parecia a Laura Alves no Canção de Lisboa. Mas não. Não era nem um nem outro. Este Vasco que o Word fala é aquele da Índia, o de Sines, que tem a foto nas garrafas de vinho da Vidigueira! Esse mesmo. É pá: o miúdo é atrevido que se farta. Até quis ser padre. Desistiu a tempo de descobrir a Índia mas ficou-lhe aquele fervor religioso. Quando se mete a caminho por esse mar fora, tudo o que não é cristão está lixado. Chega a bombardear cidades inteiras. Criou fama de mauzão por esse mundo fora. O sultão de Melinde conhece-lhe a fama e o poder de fogo. Teme-o, mas convidou-o para um pic-nic. Embora desconfiado Vasco aceitou mas apontou os canhões para o local do encontro, pelo sim pelo não. Por acaso a coisa correu bem. Trocaram presentes – não sei se o Vasco levou uns “pins” do Benfica – o certo é que o Melindroso ficou encantado e ofereceu-lhe os préstimos do piloto Maleme Canaca para este o levar até Calecute. O Vasco não é de modas: emprestas-me este gajo e eu dou-te uma porrada deles que tenho ali. Foi à caravela e desembarcou todos os mouros que tinha como prisioneiros e lhe estavam a dar cabo da despensa. Isto caiu muito bem na população. Quando voltou à viagem até as mulheres lhe vieram fazer adeus. As que ficaram grávidas tinham lágrimas nos olhos. Tantas foram as saudações de despedida que foi nesse dia inventada a palavra “saudade”.
O Maleme era bom no leme e depressa chegaram a Calecute. O Samorim lá do sítio recebeu-os com uma catrefa de navios que o Vasco entendeu serem hostis. Revista-os e confirma. Mata todos os homens encontrados, cortando-os às postas. Deixou um timoneiro vivo. Virando-se para ele, ordena: -vai-te embora e diz ao teu Samorim que faça caril com toda essa carne.
Eu estou a olhar para o rótulo da garrafa do vinho da Vidigueira e não posso acreditar nisto. Mas o John dos Passos historiador luso-americano diz que foi assim. Uma coisa sei que é verdade: o Vasco descobriu o caminho marítimo para a Índia. Os portugueses assentaram praça em Goa, Damão e Diu e por lá ficaram até ao dia em que um maluco indiano chamado Neru discutiu com outro maluco português chamado António e que faz parte desta “crónica de bons malandros” (desculpa lá, Mário) e a coisa voltou a ser como era antes do Vasco. Já agora deixem-me dizer que o António ficou tão danado que castigou a malta que lá estava acantonada, apanhando sol e comendo chouriços da Nobre. – Disse-me o furriel Portugal Guerreiro: - Um gajo queria defender-se dos “invasores indianos” mas quando pedimos armas, enviaram-nos chouriços. Diz-me lá tu se um homem pode disparar com chouriços? Pois!
Fim do Relatório.
Para acabar: um conselho para todos! Se vai votar para eleger o GRANDE PORTUGUÊS, faça o que tem a fazer: VOTE EM SI PRÓPRIO. Se tiver as mãos limpas, tá bem?