O mistério da cidade de Cancão


I
Foi o caso mais estranho
Que aconteceu em Cancão
Uma cidade tranquila
Lá nos confins do sertão
Todo dia à meia noite
O vento dava um açoite
E se ouvia um trovão

II
Eu estava na cidade
Justo nessa ocasião
Quando acordei assustado
Com o ronco do trovão
Era final de setembro
E pelo que eu me lembro
Não chove na região

III
Eu fui até a janela
Pra ver se estava nublado
E como desconfiava
O ceu estava estrelado
E com o claro da lua
Vi muita gente na rua
Zanzando pra todo lado

IV
Foi quando desconfiei
De alguma coisa anormal
Saí do quarto ansioso
E juntei-me ao pessoal
Em meio aquele alarido
Apurei o ocorrido
Que achei muito surreal

V
No início o povo achava
Que podia ser normal
Pois trovão e ventania
São sinais de temporal
Mudaram de opinião
Quando viram que o trovão
Era sempre pontual

VI
Disseram que começou
Num dia de sexta feira
No dia treze de agosto
O dia da padroeira
Um cidadão me contou
Que o mistério começou
Quando estupraram uma freira

VII
O povo pagou promessa
Fez novena e romaria
Benzeram a cidade toda
Botaram até um vigia
Mas ninguém descobriu nada
E aquela gente assustada
Vivia nessa agonia

VIII
Chamaram a televisão
Rádio, jornal e revista
O prefeito da cidade
Contratou um cientista
Mas pra lá foi muita gente
Entre eles um vidente
Pai de Santo e exorcista

IX
O cientista falou
Que o solo da região
Tinha uma mina de Alchiste
Que à noite em combustão
Liberava o gás Selento
Que subia com o vento
E causava a explosão

X
Também disse que era um gás
Sem nenhuma aplicação
Sem valor comercial
Que causa intoxicação
Por ser um gás vagabundo
Em nenhum lugar do mundo
Compensa a sua extração

XI
O prefeito analfabeto
Falou pra população
Que a mina era de alpiste
Alimento de cancão
Quando a cidade comia
Soltava um gás que subia
E provocava o trovão

XII
O povo então quis ouvir
Opinião diferente
Dizendo que o cientista
Devia ser um demente
E pediu para o prefeito
Dispensar logo o sujeito
E consultar o vidente

XIII
O vidente espertalhão
Viu na Bola de Cristal
Uma chance de assaltar
O cofre municipal
E disse para o prefeito
Que aquilo era o efeito
Do aquecimento global

XIV
E sugeriu ao prefeito
Que foi aceito no ato
Contratar os seus serviços
Até o fim do mandato
Pra prestar consultoria
Que em troca lhe daria
Dez por cento do contrato

XV
O presidente da câmara
Que de besta não tem nada
Chantageou o prefeito
Para entrar nessa jogada
Dizendo que a oposição
Queria o “Bolsa Trovão”
Para se manter calada

XVI
Com o prefeito em campanha
Tentando a reeleição
E querendo preservar
A sua reputação
Voltou atrás no negócio
Pois não quis ter como sócio
O líder da oposição

XVII
Procurou o Pai de Santo
Para dar satisfação
A alguns dos eleitores
Que vieram em comissão
Pois se não lhes desse ouvidos
Seriam votos perdidos
No dia da eleição

XVIII
O Pai de Santo falou
Quando enfim foi consultado
Que os búzios revelaram
Algo bem inusitado
Disse que no cemitério
Havia um grande mistério
A fim de ser revelado

XIX
Disse que eles dispensassem
O vidente e o exorcista
Que também mandassem embora
A imprensa e o cientista
E que fossem no hotel
Procurar um tal Joel
Que veio como turista

XX
Disse que somente a ele
Seria então revelado
O mistério de Cancão
Mas que tivessem cuidado
Porque ele não sabia
Que tinha a sabedoria
Nem que foi predestinado

XXI
Eu fiquei desconfiado
Que aquilo era armação
Pois ouvi o tal Joel
Numa certa ligação
Falando com um sujeito
Perguntando se o prefeito
Aceitara a sugestão

XXII
Joel ao ser procurado
Mostrou indignação
Dizendo que o Pai de Santo
Era um grande charlatão
Mas o povo em romaria
Fazia fila e pedia
Pra livrá-los da aflição

XXIII
Joel com ar comovido
Disse ao povo muito sério
Que naquela mesma noite
Ia só ao cemitério
Já que era sua missão
Saber a revelação
Daquele grande mistério

XXIV
Resolvi investigar
Pois parecia armação
E quando Joel saiu
Eu segui o cidadão
Fui até o cemitério
E descobri o mistério
Que atormentava Cancão

XXV
Num canto do cemitério
Em sepulcro disfarçado
Havia um equipamento
Bastante sofisticado
Com uma espécie de canhão
Que simulava o trovão
Quando era acionado

XXVI
Já o som que se ouvia
Como se fosse do vento
Era do ar comprimido
Pelo seu deslocamento
Primeiro o vento era ouvido
Depois vinha o estampido
Bem alto, no firmamento

XXVII
Joel e o Pai de Santo
Trabalhavam em parceria
O que eles conversavam
De onde estava eu não ouvia
Mas tinha que dar um jeito
De alertar o prefeito
Daquela patifaria

XXVIII
Eu saí bem de mansinho
E retornei à cidade
Fui acordar o prefeito
E lhe contei a verdade
Ao cemitério voltamos
E juntos testemunhamos
Aquela cumplicidade

XXIX
No outro dia Joel
Contou pra população
Que a alma de uma freira
Levantou-se de um caixão
Dizendo que a ocorrência
Era uma consequência
Da sua violação

XXX
E que ela precisava
De um valor em dinheiro
Que devia ser levado
Por aquele mensageiro
Para a Madre Conceição
Da sua congregação
Pra construir um mosteiro

XXXI
O prefeito já havia
Avisado ao delegado
Quando Joel quis correr
Foi logo ali algemado
O Pai de Santo ao saber
Bem que tentou se esconder
Mas logo foi encontrado

XXXII
E assim os moradores
Da cidade de Cancão
Enfim se tornaram livres
Da suposta maldição
E no fim daquele dia
Não se ouviu mais ventania
Nem barulho de trovão

 
Edmilton Torres
Enviado por Edmilton Torres em 09/06/2014
Reeditado em 20/06/2014
Código do texto: T4838658
Classificação de conteúdo: seguro
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