O cantor da madrugada
Sou cantor da madrugada
Meu destino é caminhar
Sigo assim a caminhada
Não preciso descansar
Minha voz é afinada
Pelos raios do luar.
Meu viver é passatempo
Sou eterno no universo
Um grão de areia ao vento
Pelo planeta disperso
Cantar é meu argumento
Mesmo não fazendo verso.
Sou o passo do passado
O futuro do presente
O fruto que foi tirado
Da boca do inocente
Sou também endividado
Por negar pão ao parente.
Sou a voz do despertar
Da donzela enamorada
Que deixei a descansar
Numa sombra da estrada
Poderá se levantar
Quando não sentir cansada
Nunca fiz ela dormir
Com a roupa pra lavar
Sempre mostro aonde ir
Quando a roupa vai trocar
Se a vejo distrair
Eu a faço se lembrar.
Sou o velho da esquina
Que perdeu a mocidade
Pensando numa menina
Que morava na cidade
Mas não era a minha sina
Esposar essa beldade.
Sou o frasco de remédio
Que em veneno transformou
Consegui fazer assédio
A quem nunca me olhou
Abri o portão do prédio
Para quem me debochou.
Sou um certo camareiro
Que viveu doces momentos
Pra madame era o primeiro
A saber seus pensamentos
Também era o derradeiro
A falar de sofrimentos.
Foi cantando alguma estrofe
Que adentrei em sua casa
Cheguei a olhar o cofre
Para ver se tinha asa
Descobri que alguém sofre
Nos porões daquela casa.
Fui olhar o sofrimento
Desse alguém desconhecido
Esperei por um momento
Para ouvir algum gemido
Só ouvi o som do vento
Que fazia um alarido.
Adentrei um pouco mais
Nessa casa tão sombria
Disse que chegava em paz
Se alguém ali me ouvia
Eu não era um ladravaz
E só descansar queria.
Ouvi um breve murmúrio
Numa cela ali ao lado
Era um quartinho escuro
Frio, sujo e isolado
Não tinha sequer ar puro
Era alguém já condenado.
Perguntei quem ele era
Uma voz fina ecoou
Disse que era uma fera
Que o destino castigou
Só a morte lhe espera
Isso é tudo o que restou.
Perguntei por que aquilo
Ela disse a lamentar
É porque tenho um filho
E não posso trabalhar
Ele é fruto de um idílio
Que eu vivi por muito amar.
O meu pai me castigou
Me prendeu nessa clausura
Ele nunca me amou
Sou fruto de uma aventura
O rapaz que me amou
Está preso em cela escura
Perguntei qual o sentido
De sofrer tamanha dor
Ela disse que o pedido
Do rapaz batalhador
É que o filho concebido
Soubesse do seu amor.
Eu saí dali cantando
Fui fazer uma seresta
Encontrei alguém chorando
Tinha uma cruz na testa
Era um jovem caminhando
Para ser morto na festa
Eu salvei aquele jovem
Salvei sua companheira
Procurei os que promovem
Festas com vidas inteiras
Sugeri que eles provem
Das suas próprias besteiras