A FIDELIDADE DOS CHATOS

I

Um certo casal de chatos

Certamente conhecidos,

Eles dois enchem o saco

Das esposas e maridos

E também dos semelhantes,

Os infiéis casais amantes

Que se amam escondidos.

II

Traidores e traídos

São as vítimas dos chatos

Que lhes visitam lá onde

E quando houver contatos,

Parasitas sanguessugas

Assemelham-se às pulgas,

Piolhos ou carrapatos.

III

Aqui vou direto aos fatos

Que lhes proponho narrar,

Sem delongas e demoras

E nem tampouco julgar

Se houve infidelidade,

Ou se foi casualidade

Este episódio sem par.

IV

À tarde ao crepuscular

De um dia frio de inverno

Chegou um casal de chatos,

Jurando amor eterno,

À porta de um cinema

No auge da paixão estrema

Entre o céu e o inferno.

V

Chato de gravata e terno

E a chatinha vestida

No seu casaco de pele,

Por baixo a saia comprida;

Combinaram-se os dois

De se encontrarem depois

Ali mesmo na saída.

VI

A fila estava comprida,

Pois o filme era famoso,

Ali os chatos abraçados

Um ao outro atencioso

Entre afagos e beijinhos

E acariciantes carinhos

Formavam um casal fogoso.

VII

Os chatos querem repouso

Num lugar bem aquecido,

Assim logo que adentraram

Em mais um Cine escolhido

Acertaram o de praxe,

Por mais estranho que ache

O espectador aturdido.

VIII

Falou o chato marido

Pra sua esposa chatinha:

“Estás vendo aquela loira

Sentada na quinta linha,

Com ela escolhi ficar

E tu irás com o par,

Negão da mesma rainha."

IX

Segundo a deusa madrinha

A sorte é uma bancarrota,

E ela acerta o seu alvo

Na montanha ou na grota,

Mas escolhe a cada qual,

Entre o bem e o mal,

A vitória ou a derrota.

X

Afoito e qual marmota,

O chato macho invadiu

A coisa da linda loira,

Achou bom e até dormiu,

Enquanto a sua chatinha

Acariciava e entretinha

O negão no qual buliu.

XI

O filme o casal não viu,

Os chatos acharam chato

Aquela Tropa de Elite,

Que foi o maior barato;

Enquanto o chato dormia,

A sua chatinha saía

Pela porta do Teatro.

XII

Ela fiel ao contrato

Ficou postada na porta

Daquele enorme cinema,

Quietinha e quase morta

Com saudade do parceiro

E o beijo do companheiro,

Que chateia e conforta.

XIII

Dormindo mal e absorta,

Durante um mês esperou

Aquele chato marido,

Que até enfim chegou

Com uma desculpa estranha

E com franqueza tamanha

À sua chata se explicou.

XIV

Ele dormiu e sonhou

Com paraísos risonhos,

Teve também pesadelos

Nos infernos mais medonhos

E estas são suas palavras:

“Enquanto tu me esperavas,

Meus dias foram tristonhos".

XV

"Em meu sono eu tive sonhos

Em que fui santo e bruxo,

Mas a ti peço perdão,

Por ter me dado ao luxo

De acordar com uma febre

Na capital Porto alegre

No bigode de um gaúcho".